CAPÍTULO 07

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Já fazia alguns dias que minha rotina era vigiar minha nova vizinha, esperando a oportunidade para começar uma boa conversa. Estava agora na janela observando-a tocar violão, então vi a dona Luíza dar dinheiro a ela e falar alguma coisa. Ela colocou o violão na cama e desceu.
Não pensei duas vezes, peguei uns trocados na gaveta e desci, rápida com uma bala. Minha mãe gritou qualquer coisa, mas não ouvi. Cheguei ao portão no mesmo momento em que minha vizinha saía. Trocamos olhares e sorrimos. Quase que a coragem me abandona. Minhas pernas tremeram e minhas mãos ficaram frias, mesmo assim, eu me obriguei a segui-la de perto.
Como era linda! Branquinha de olhos bem verdinhos, covinha no rosto e no queixo. Usava uma bermuda folgada, dessas masculinas com bolso nas laterais, uma camiseta azul piscina e outra de manga comprida por cima, toda aberta. A bermuda tinha uma corrente que vinha do bolso da frente indo para o bolso traseiro. Uma sandália havaiana, duas pulseiras em cada braço e duas tatuagens, uma com a cara de um lobo imenso cobrindo o antebraço direito e outra no formato de uma rosa na mão.
"Minha Nossa Senhora das Virgens sem coração! Essa menina é a perfeição e a tentação de Eva no paraíso. Eu sou a Eva!" babei em pensamento.
Ela parou de andar e ficou esperando que eu ficasse do seu lado.
- Está indo à padaria também? ― Sua voz era rouca e causava um frisson na minha pele.
- Sim, comprar uma fatia de bolo - menti descaradamente. - E você?
- Pão e leite. Aliás, deixa eu me apresentar. Biatriz, porém me chame só de Bia, por favor. Prefiro assim. Então, eu sou a Bia, a seu dispor. - Estendeu a mão na minha direção enquanto sorria com a boca e aqueles lindos olhos.
- O prazer é todo meu. Sou Marina. - Não sei como consegui dizer sem gaguejar.
- Já sabia o seu nome, aliás, minha mãe fez questão de deixar bem claro que tem uma amizade com a tua mãe, parece que elas eram inseparáveis quando jovens. Disse até que são comadres. Ela é madrinha da minha irmã, Geruza. Ela falou que, quando você era pequena, a gente sempre vinha passar as férias na sua casa, é que você não lembra. Viu? Somos quase da mesma família.
Eu só conseguia rir e olhar, aliás, a palavra certa era babar. Estava salivando com a visão que o conjunto todo formava. Continuamos andando juntas até chegarmos à padaria.
Pedi minha fatia de bolo e um pudim. Bia pediu dois pães bengala, cinco pães bola e dois litros de leite. Na hora de pagar, ela segurou minha mão e não me deixou pagar.
- Pode deixar, eu pago o bolo também. - Estendeu uma cédula de cem reais para o caixa. Depois, ficou me olhando e fazendo caretas engraçadas.
Pegou o troco e, na volta, colocou o braço nos meus ombros. Achei aquele gesto tão natural que minha vontade era de passar o braço na cintura dela e andar assim, abraçadas, mas não fiz, fiquei com vergonha, sei lá. Vai que ela nem imaginava essas coisas que eu vinha pensando? Vai que aquele jeitão de moleque era só uma maneira de se vestir? Afinal, o que eu sabia da sua vida antes de vir morar no condomínio? Eu nada sabia sobre ela, só que era uma garota com o astral lá nas alturas, de bem com a vida e muito cheirosa.
"É melhor ser mais discreta. Se controla, Marina! Não vai dar bandeira", briguei comigo mesma em pensamento.
Assim que entramos na nossa rua, cruzamos com a dona Maricota, uma senhora que morava no fim da rua e que sabia da vida de todo mundo. Quando ela nos viu, seu olhar foi direto para o braço da Biatriz nos meus ombros. Não sei por quê, mas eu senti que ela estava recriminando o gesto. Eu nem liguei, não estava fazendo nada demais.
- Não aceito desculpas, você está convidada a lanchar na minha casa agora - foi só o que entendi, tão perdida estava nos meus pensamentos.
- Não vai dar, fica para a próxima. Minha mãe não sabe onde estou, saí e não disse pra onde ia. Se eu demorar, ela fica preocupada.
Como se tivesse lido meus pensamentos, minha mãe saiu pelo portão, olhando para cima e para baixo na rua. Quando nos avistou, me chamou em seguida.
- Está vendo? A marcação é acirrada. - Bia riu muito da expressão de coitadinha que eu fiz, fingindo pesar.
- Tudo bem, minha mãe tambem era assim. ― Ela tirou o braço dos meus ombros, mas continuava com aquele olhar dentro dos meus olhos, que me contava coisas sem falar uma palavra.
― Acho que toda mãe é assim ― falei, sentindo-me um pouco nervosa com a forma com que ela me olhava. Eu ficava balançando a sacola com o bolo.
― Ei, onde as pessoas se divertem de noite por aqui? Esses dias têm sido horríveis para mim e meus irmãos, ficamos indo pra colégio e cursos de idioma, comprando coisas pra casa e ajudando minha mãe. Quase não tivemos tempo de sair pra conhecer o bairro. ― Ficamos em frente ao portao da casa dela. Minha mãe parecia impaciente do outro lado.
- Tem a pracinha, várias até. Tem a quadra onde a gente joga e tem o pancadão nos fins de semana. A galera liga o paredão de som e a festa rola até quando a polícia vem e acaba com tudo.
- Você joga o quê? Basquete, vôlei?
- Não, futebol. Sou defesa e isso eu faço bem, nada passa por mim, mas no ataque não sou muito boa. O time está na final do campeonato entre bairros.
Ela deu uma gargalhada e ficou me olhando da cabeça aos pés, sem acreditar muito.
- Não consigo imaginar você, toda feminina, jogando bola. Pago pra ver.
- Boba! Quer dizer que só garotas masculinas podem jogar? Isso é bullying, sabia? ― Sorri e percebi que era muito fácil sorrir perto dela, era uma sensaçao
- Claro que não estou fazendo bullying, nada disso, nem tampouco sendo preconceituosa. É só olhar pra mim para ver que não ligo pra essas bobagens de rótulos ou regras dessa sociedade hipócrita. O fato aqui é que você é muito princesinha para jogar. Olha essas unhas decoradas, toda perfeitinha. E esse cabelo que daqui dá pra sentir o cheiro? Você é toda lindinha, menina.
- Você precisa me ver jogando - acrescentei, sorrindo envergonhada com o elogio.
Nesse momento, minha mãe voltou a me chamar. Eu já ia saindo quando Bia segurou minha mão outra vez, dessa vez entrelaçando nossos dedos. Puxei minha mão rápido o suficiente para minha mãe não ver.
Bia sorriu de uma forma cínica e ainda falou enquanto eu corria atravessando a rua:
- Quando for pra tal quadra, me chama! Eu vou adorar que você me mostre tudo por lá.
- Para onde vocês estão marcando de ir? - minha mãe quis saber.
- Para a quadra, ela quer sair um pouco e não conhece quase nada por aqui.
- Cuidado com essa amizade, as pessoas podem ser cruéis com você pelo fato da Biazinha se vestir assim e ter esse corte de cabelo. As pessoas tendem a julgar o diferente.
Sinceramente, não gostei do rumo da conversa. Se minha própria mãe estava agindo assim, imagine meu pai, que era intolerante para certas coisas. Ele ia crucificar a menina.
- Então... Eu não devo ser amiga dela porque talvez ela goste de meninas e o povo pode falar de mim? É isso que a senhora está me dizendo? - perguntei, incrédula e com raiva, porque não sabia de onde, mas meus olhos começaram a boiar em lágrimas e meu peito começou a doer só de pensar que poderia ser obrigada a me afastar e não poder ser amiga da garota.
- Claro que não, eu jamais diria uma coisa dessas. Só estou dizendo pra você não se machucar com a ignorância das pessoas. A Biazinha é uma ótima menina, mas foi criada em outro país, com outra educação, outros costumes. O que pra ela é normal, para as pessoas daqui pode não ser.
- Mamãe, estou achando que a senhora faz parte desse povo. Está cheia de dedos. Por que não diz logo que não quer minha amizade com ela? - Agora eu já estava mesmo chorando.
A dor que estava sentindo nem eu mesma sabia de onde vinha. Sabe esse aperto que você sente no peito quando pensa que pode ser abandonada por quem ama? Pois era essa dor que eu sentia agora, sem nenhum exagero. Minha mãe ficou preocupada.
- Assim você me ofende, filha. Eu nunca deixarei de estar a seu lado, aconteça o que acontecer. Não ligo para rótulos, já dei muita importância no passado e fiz escolhas erradas. Por causa disso que não quero o mesmo para você. Se o fato de ser amiga da Biazinha for motivo de fofocas, estou aqui para acabar com as fofocas. Pode acreditar nisso.
Nem quis ouvir o que minha mãe dizia, entrei de uma vez, mesmo sabendo que minha mãe não era capaz de recriminar quem quer que fosse por suas escolhas de vida. Ainda assim, fiquei puta. Era só o que me faltava, quererem me proibir de ter amizade com alguém só por ser diferente. Eu estava era cagando para os fofoqueiros! Já chega! Minhas dúvidas e meus medos já eram demais para que eu pudesse suportar, não estava sendo fácil. Ora, se eu ia ligar para o que falassem de mim. Pro inferno todo mundo! Se eu descobrisse que realmente gostava de meninas, eles iriam me crucificar. Com que direito alguém pode dizer ao outro de quem ele deve gostar? Que mundo é esse que segrega e separa o diferente?
Entrei no meu quarto, bati a porta com força e me joguei na cama. Mais uma vez, chorei até dormir. Nem pensei em descer mais tarde para jantar.

🏳️🌈Marina Ama Biatriz (Meu primeiro amo)r Vol. 01 ( Romance Lésbico)Onde histórias criam vida. Descubra agora