CAPÍTULO 06

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Eu estava arrumando meu quarto ao som de Batidão, da Isa, me acabando no funk. As pessoas podem até falar que o ritmo do funk é coisa de maconheiro ou que quem dança é piriguete, mas a verdade é que, quando a batida começa, não existe um filho de Deus com audição que fique parado. Sempre que havia algum baile na quadra ou em qualquer pracinha, eu ia com minhas Best Friends Forever e meus irmãos Marcelo, Marcos, Matias e Mateus, também conhecidos como 01 para Marcelo, 02 sendo o Mateus, 03, o Matias e o número 04, o Marcos. Eu e ele somos gêmeos totalmente diferentes em tudo, mas somos muito amigos, já que estamos juntos sempre. Eles também gostavam e dançavam de tudo, não que meu pai soubesse dessas escapadas. Minha mãe é que sabia, mas fazia vista grossa.
- Posso saber qual o motivo da festa? Que sorriso lindo é esse aí no seu rosto? - Tomei um susto e fiquei meio envergonhada.
Minha mãe me pegou dançando feito uma desesperada. Imediatamente, parei e tentei pôr ordem nos meus cabelos indomáveis, que naquele momento pareciam os cabelos do Bob Marley quando acordava, igualzinho o que eu vi no documentário sobre a sua vida e contribuição na música. Eu também era fã de reggae, além de dançar e, sem falsa modéstia, eu dançava muito bem um reggaezinho. Mesmo assim, ser flagrada pela mãe dançando funk ninguém merece.
- A senhora sabia que os novos vizinhos chegaram? - perguntei, prendendo meu cabelo em uma fita qualquer.
- Claro, vi quando eles chegaram hoje pela manhã. A Luíza foi e é minha grande amiga de infância, crescemos juntas, estudamos juntas, nos apaixonamos na mesma época. Bons tempos aqueles, dias que não voltam mais. Ela... - Parou de falar, perdida em lembranças.
- Mamãe, continua! O que aconteceu? E aí? - Fiquei curiosa. Pela primeira vez na minha vida, eu vi minha mãe sorrir quando falava em alguém, essa vizinha devia trazer boas lembranças a minha mãe.
- Bem, daí que as coisas se complicaram para ela. O velho Luís não aceitava a maneira de amar da filha. Ela não queria prejudicar a pessoa que ela amava, mas também não aguentava viver escondida. Quando ela não suportou mais a pressão, aproveitou que era maior de idade e havia herdado o dinheiro da mãe e fugiu de casa.
- Ela nunca mais voltou?
- Sim, como eu disse, eramos e somos muito amigas. Ela voltava todas as vezes que eu paria. Vinha cuidar do meu resguardo, fez isso até quando a Virgínia nasceu. Depois disso, ainda veio mais umas quatro ou cinco vezes, mas o velho não a deixava passar do portão, nem os netos ele quis conhecer. Então ela foi embora pra Lion, na França, e nunca mais voltou. Eu sou madrinha da menina mais velha dela, a Geruza. É minha afilhada de coração, pois a madrinha dela mesmo era nossa amiga que morreu pouco tempo depois do batizado. Agora, o Alberto é padrinho mesmo. Ela tem quase a idade do Marcelo e vive com o namorado em São Paulo. Eles pretendem casar-se e morar aqui por perto. Você não lembra deles? - ela me perguntou e eu puxei pela memória, mas não conseguia lembrar.
Após minha negativa com a cabeça, ela continuou:
- A última vez que ela veio aqui, a Biazinha tinha uns seis anos. Vocês duas eram tão grudadas que até banho a Biazinha dava em você. Comida, ela dava na sua boca, ninguém podia pegar em você que ela não deixava, era como se você fosse a bonequinha dela. Quando terminavam as férias e elas tinham que voltar, você ficava triste pelos cantos e Luíza me ligava avisando que a Biazinha ficava doente, febril e que muitas vezes ela chorava até dormir. Com o tempo, esquecia, era como se fosse um sonho. Dos quatro filhos, ela é a única que se parece com a mãe e com o velho, que Deus o tenha. - Minha mãe se benzia enquanto falava e arrumava minha cama.
- Mãe, o que ela fez de tão grave pra ser posta na rua como um cachorro leproso? - O que leva um pai a expulsar um filho de casa? Eu não conseguia entender.
- Ela se apaixonou por alguém e o pai dela não aceitava esse amor - minha mãe falava, pensativa.
- E isso lá é motivo, mamãe? A gente não manda no coração, ele só escolhe a pessoa e a gente não tem controle! - explodi sem nem mesmo saber o motivo do meu discurso, estava indignada com o velho Luís.
- Não sei, meu bem... - Minha mãe me olhava, surpresa diante de minhas palavras, e notei um brilho diferente no seu olhar, mas foi tão rápido que pensei ter imaginado quando ela desconversou: - Mas qual o motivo do seu sorriso? - Mamãe ainda me olhava com aquele olhar diferente que estava aparecendo com mais frequência.
- Estava vendo os filhos da nova vizinha brigando pela escolha do quarto - acabei mentindo mesmo sem saber o porquê de esconder o real motivo do sorriso.
- Hoje, enquanto a mudança era descarregada, Luíza veio para cá tomar café e colocar as notícias em dia. Vieram três filhos com ela. Os dois mais novos vão estudar no teu colégio e que também já foi nosso um dia. A Roberta já terminou, só trabalha.
- É mesmo, a senhora já estudou lá. Como era? Já era essa penitenciária de agora? - Eu sorria, lembrando-me do rigor com que as irmãs Beneditinas dirigiam o colégio misto.
- Sim, fiz todo o fundamental. Daí minha família se mudou para Belém. Você sabe que eu fui criada por meus avós, a quem eu considerava meus pais e, por incrível que pareça, a Virginia é a cópia da minha avó materna. Depois eu vou procurar as fotos do passado, que devem estar no porão, para você ver.
- Mamãe, a senhora sabia que agora a gente passa todas essas fotos de papel para digital e que tem loja nos shoppings que fazem isso bem rapidinho? Por que a gente não leva tudo pra atualizar? Aí a gente reúne todo mundo e faz uma seção de cinema familiar, hein? O que acha? - Eu já estava toda animada, vai que a mamãe convidava a amiga dela da casa vizinha e ela trazia os filhos junto. Era uma possibilidade de conhecer a deusa grega.
- Outro dia a gente vai, assim você fica no cinema enquanto faço compras, já estou vendo sua empolgação e sei que é para andar.
Bem, não era isso que eu tinha em mente, mas não ia desperdiçar a chance de assistir a um bom filme. Ia lembrar de pedir a Rosely para comprar ingresso, aí eu podia assistir um para maiores, já que a moça que confere os ingressos é nossa amiga do jogo e não confere meu RG.
- Como eu estava dizendo, a Luíza ia duas vezes por ano passar as férias comigo em Belém. Daí, quando voltamos para morar aqui, eu comecei a namorar seu pai.
- Mamãe, o papai foi seu único namorado? - Fiquei morta de medo de ela brigar comigo por causa da pergunta, mas ela estava viajando no passado e nem percebeu.
- Minha família voltou, eu tinha terminado o ginásio. Pouco tempo depois, a Luíza foi embora... - Ela balançou a cabeça e finalmente respondeu minha pergunta: - Não, antes dele teve outros. Uma paixão meio louca que não foi pra frente, então resolvi ficar com seu pai, que sempre foi louco por mim. Meus avós gostavam muito dele, ele era meu amigo antes. Casamos e ele me deu todos vocês, que foi o melhor presente que Deus colocou na minha vida. Cada um de vocês é o meu mais valioso tesouro e o melhor de mim.
Ela me abraçou, apertando muito e me beijando. Sempre foi assim entre nós, tínhamos uma cumplicidade que não existia entre minhas amigas e suas mães, ou entre meus irmãos e ela. A gente falava de tudo.
Quando menstruei pela primeira vez, já sabia de tudo. No tocante a sexo, ela também já havia me orientado desde como as coisas aconteciam até como eu iria me sentir e, quando chegasse meu momento e o rapaz certo, eu não teria dúvidas nem medos. Enquanto eu não me sentisse segura, não deveria tentar e nem permitir que ninguém me obrigasse como prova de amor. Ela me explicou até sobre preservativos e cuidados para evitar gravidez indesejada.
Ficamos ainda um bom tempo conversando sobre os novos vizinhos e sobre minha festa de aniversário dali a quatro meses, mais precisamente em março.
- Não queria festa, mamãe. Dá muito trabalho. Os presentes são uma droga, nunca é o que a gente quer e ainda tem que ficar fingindo que gosta das pessoas - falei.
Minha mãe rolava de rir na cama, me chamando de mal agradecida.
- Seu pai faz questão da festa. Imagina se ele vai deixar passar batido um evento desses. - Enquanto minha mãe falava, eu notei uma certa ironia na sua voz.
O que estava acontecendo comigo que achava que tudo na minha mãe parecia estranho? Ou seria eu a estranha?
- Tudo bem, mas o local e as músicas eu posso escolher dessa vez?
Ele fazia questão da festa, mas os amigos eram os dele, as músicas seriam as que ele escolhia... Que diabos! A festa era minha, não dele!
- Será perto da piscina, seu pai já falou. Vai fazer um churrasco durante o dia e a festa para os jovens à noite. Parece que ele contratou um grupo de pagode.
- Ainda bem, eu adoro um samba raiz. Quem vem durante o dia?
- Os funcionários das lojas, seu pai vai dar folga para todos no sábado. E alguns amigos dele com suas esposas.
- Ou seja, uma chatice.
- Filha! Ele está tentando agradar você. Já vou encomendar os convites, os nossos eu mesma entrego, os seus você entrega aos seus colegas.
- Está nada, mamãe. Ele está fazendo para se mostrar para os amigos. Se ele quisesse me agradar, perguntaria o que eu quero e eu queria mesmo era uma viagem para Gramado. Dizem que lá é lindo e tem neve. Papai bem que poderia me dar esse presente, já imaginou nos duas lá sem nada pra fazer?
- E a casa? Quem cuidaria dos meninos? Seu pai não sabe nem fazer um prato. Não daria certo. Eu ia ficar o tempo todo preocupada com as crianças.
- Nossa, a gente ia era viajar, não fugir.
- Talvez um dia você vá, quem sabe. Agora desça pra comer alguma coisa, já passa das duas da tarde.
O assunto da viagem morreu ali mesmo, minha mãe pegou a colcha e os lençóis sujos e desceu.
Eu fui praticar meu esporte favorito das últimas horas, que consistia em ficar escondida atrás da cortina na janela, que, por sinal, era em frente à janela da minha linda vizinha. Fiquei admirando os movimentos dela dentro do seu quarto, arrumando as coisa no guarda-roupa cheio de adesivos, só não dava pra ver com exatidão de quem eram. Eu não estava fazendo nada demais, só estava escondida porque tinha vergonha, mas qualquer hora eu abriria a janela e olharia descaradamente. Só que, enquanto essa coragem não chegava, eu ficava aqui escondida.
Minha vizinha usava uma camiseta preta regata, uma bermuda de moletom cinza grafite e um boné do Chicago Bulls. Cada vez que ela se aproximava da janela, eu recuava, com receio de ser pega a espionando.
- Marina! - minha mãe gritou lá de baixo e eu quase caí de susto.
Sem perceber, saí do esconderijo, ficando totalmente exposta na janela aberta de frente para minha linda vizinha. Dei um tchauzinho e fechei a janela, passada de vergonha por ter sido descoberta.

🏳️🌈Marina Ama Biatriz (Meu primeiro amo)r Vol. 01 ( Romance Lésbico)Onde histórias criam vida. Descubra agora