● Quarenta e Quatro

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R. Pasquarelli

Certa vez eu caí de um andaime dentro de um canteiro de obras. Estávamos no limite para entregar uma casa que eu havia projetado e, infelizmente, a minha vida estava um amontoado de confusão por causa da internação da Elisa.; foi tudo na mesma época.

Eu ainda não havia descoberto o tumor na cabeça e constantemente me sentia mal, então, nesse dia, acabei me desequilibrando e caindo.
Foi uma queda de uma altura não tão assustadora, mas a pancada na cabeça foi certeira.

Fui levado ao hospital por alguns caras da minha equipe e foi aí que descobri o tumor.
Passei por tantos exames que me senti virado do avesso, justamente em uma época onde o que menos importava era a minha saúde.

E me recordo disso justamente porque assim que me acordo na minha cama, com a minha esposa ao meu lado e uma claridade infernal no meu rosto, sinto uma dor tremenda na cabeça e no pescoço, igual à dor que senti após me acordar da queda.

A diferença é que dessa vez não parece que vou receber um diagnóstico de uma doença fatal.

É só uma ressaca infeliz. Logo eu que nunca gostei de beber!

Que porra eu fiz?!

Levanto o braço e tento levar a mão até o rosto, mas um incômodo profundo na minha palma me faz resmungar por entre os dentes. Com os olhos estreitados consigo perceber que há um corte horroroso de fora a fora na minha mão com as bordas avermelhadas e alguns hematomas roxos pelos dedos, descendo pelo pulso.

As telhas de vidro! Disso eu me lembro.

─ O que foi? ─ Karol pergunta com a voz sonolenta, sentando-se ligeiramente desorientada, tirando os cabelos do rosto.

Eu mal consigo manter os olhos abertos de tanto que a minha cabeça dói, mas faço um esforço, porque sua imagem é um conforto diante de tanta dor que cerca os meus ossos.

Ainda que eu ache que estou sonhando, porque tenho plena certeza de que a minha esposa vai me deixar.
Ela frisou isso ontem. É isso o que ela quer.

─ Você está aqui mesmo? ─ Balbucio esticando a mão boa, tateando o ar até que ela segura a minha mão na sua, deslizando o polegar pela pele dos meus dedos. ─ Ah você está, sim! ─ Guincho, tentando me sentar.

Que tontura dos diabos!

─ Eu estou e a ressaca também, não é? ─ Graceja com um bom humor que me surpreende. ─ Espera um pouco que eu vou buscar uma coisa pra você, cachaceiro.

Fecho um dos olhos e afundo o rosto no travesseiro, sentindo o cheiro dela na fronha.

Com o olho que continua aberto consigo vê-la entrar no banheiro e logo sair, trazendo nas mãos uns envelopes de comprimidos e uma garrafinha de água mineral.

Assim que se senta na cama, Karol pega a minha mão boa e vira a palma pra cima, destacando os remédios e me entregando.

─ Que remédios são esses? ─ Murmuro após enfiar os comprimidos na boca e dar um gole na água.

O liquido mal chega ao meu estômago e eu já sinto vontade de vomitar.

─ Você toma e depois pergunta? Podia ser veneno.

─ Eu confio em você. ─ Entrego a garrafa a ela, deitando a cabeça no travesseiro de novo. ─ E confio também que teria o bom senso de me deixar sofrer bastante antes de me matar de fato.

Ela ri, cruzando as pernas em cima do colchão.

─ Acha que eu sou tão cruel assim?

Passo a língua pelos lábios ressecados e assinto vagamente.

El Amor Cambia de Piel - Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora