32 - Queda

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Ao ver a corda escapando de minha mão meu coração quase pulou pela boca e o desespero saiu na forma de um grito.

Eu simplesmente não podia aceitar ver aquele elfo idiota morrer. Não podia.

Ao me jogar em direção à borda na tentativa de segurar a ponta da corda, um único pensamento me passava pela mente: Eu precisava salvá-lo.

Nesse momento eu senti uma energia saindo de mim e a terra se moveu. Uma coluna subiu do chão e se abriu, onde o elfo caiu de costas num baque surdo.

Com surpresa percebi que meus olhos estavam cheios de lágrimas, e me dei conta de que eu havia acabado de usar magia.

De repente uma dor aguda se instalou em minha cabeça, causando um zumbido em meus ouvidos.

Levei as mãos à testa e surpreendentemente senti duas elevações se erguerem sob minha pele, como chifres nascendo.

Me assustei e me desesperei mais uma vez. Mal percebi que minhas mãos estavam em chamas. Junto com a dor excruciante me veio uma lembrança.

Mais uma vez eu estava no corpo de um fauno, no meio de uma grande vila toda destruída, em chamas.

Alguns poucos sobreviventes tentavam se esconder, enquanto vários soldados humanos invadiam o lugar, matando todos que encontravam, fossem adultos ou crianças, de todas as raças presentes ali.

Eu corri, tentando levar o máximo de faunos, goblins e anões junto comigo. Havia apenas um lugar onde poderíamos nos abrigar, mas era longe, e estando nós sem nenhum estoque de suprimentos e completamente amedrontados seríamos presas fáceis durante o percurso. Mesmo assim era a nossa única opção, pois se não fizéssemos nada iríamos todos morrer, como os Elfos Solares haviam morrido.

Fui na frente, guiando as outras criaturas para fora da vila, em direção ao deserto. Eu estava disposto a dar a minha vida para levá-los ao Oasis Escondido, onde poderíamos nos esconder dos humanos nas criptas abaixo do solo.

A dor em minha cabeça foi diminuindo e eu fui voltando à realidade, onde não era mais um fauno e sim uma humana, agora com pequenos chifres despontando em minha cabeça.

Por um momento eu me senti quase como se acabasse de despertar do sono, sem saber direito onde estava.

Me lembrei do elfo e corri para a beirada, onde pude vê-lo caído poucos metros abaixo.

— Aibek! — gritei preocupada.

Ele parecia desacordado e eu tive medo de que tudo aquilo ainda não tivesse sido suficiente para salva-lo.

Cogitei a ideia de descer até lá, mas então o ouvi resmungar.

— Aibek, você está bem?

Ele abriu os olhos e se sentou, colocando as mãos nas costas.

— Acho que estou. — ele respondeu — Meu corpo todo dói, mas eu estou vivo.

Ele então olhou para onde estava e se inclinou um pouco para ver a queda que teria tido se eu não tivesse feito nada.

— Você me salvou? — ele perguntou confuso.

— Acho que sim... — respondi.

Mesmo dali eu pude ver um sorriso se formar em seus lábios.

— Obrigado. — ele disse.

— Só fiz isso por que ainda preciso de você. — respondi sorrindo de volta.

Eu estava muito feliz por ele estar vivo, mas não admitiria isso. Ao invés disso apenas o ajudei a subir até onde eu estava, e isso foi bem trabalhoso já que eu não consegui usar a magia de novo e ele teve que escalar.

Quando finalmente conseguimos, ele se deitou no chão, completamente exausto e com uma expressão que indicava muita dor.

— Você acha que consegue usar magia de cura em mim? — ele perguntou. Porém quando olhou para mim sua preocupação se tornou outra.

— O que voc- — ele não terminou a frase, ao invés disso esticou a mão em direção à minha cabeça, tocando próximo de onde os tais chifres estavam nascendo.

Senti um arrepio com seu toque e pigarreei, me afastando um pouco.

— Eu usei a magia da terra e essas coisas começaram a crescer na minha cabeça. — expliquei — Agora eu estou parecendo um monstro esquisito.

O elfo riu.

— Você não está parecendo um monstro. — ele garantiu — Está tão bonita quanto antes, talvez até mais.

Senti meu rosto esquentar com o comentário e tive que me levantar.

Me virei de costas para o elfo e respirei fundo tentando me recuperar da sensação estranha de timidez que havia me afligido no momento.

— Não estou preocupada com a minha beleza. — consegui responder.

— Com o que está preocupada, então? — ele perguntou ao se levantar também. — É por você estar parecendo menos... humana?

— É exatamente por isso! — respondi com raiva e me virei para encará-lo. — Porque quando eu uso a magia das Pedras meu corpo precisa se "adaptar", como você diz. Eu sempre tive a magia do fogo e nunca precisei me adaptar por isso.

O elfo ergueu os ombros.

— Você tem a magia do fogo porque é descendente de um elfo solar. — ele disse — Eu já te expliquei isso. Os humanos são impuros e indignos da magia...

— Ah é?! — interrompi — Somos impuros? E o que torna a sua raça mais pura do que a minha?

Aibek abriu a boca, mas antes que dissesse sobre as várias coisas que os humanos haviam feito, e eu sabia dessas coisas, eu continuei.

— O seu povo, e todos os outros povos também, são exatamente como nós humanos! — acusei — Vocês também já cometeram atrocidades contra a minha raça, vocês também já mataram, já roubaram e já lutaram uns contra os outros no passado. Vocês também comem, bebem, dormem, transam, mentem e fazem tudo o que nós humanos fazemos! Então me diga senhor Elfo-Puritano, o que te torna mais digno do que eu?

O encarei, mas ele não respondeu então eu lhe dei as costas e fui seguindo o caminho que levava até a tal caverna que estávamos indo antes.

— Espera. — ele chamou.

Parei e respirei fundo antes de me virar para ele de novo.

— Você tem razão. — ele disse — Me desculpe.

Eu não esperava ouvi-lo dizer algo assim e isso me desestabilizou por alguns segundos.

— Os humanos não são inferiores e você tem me provado isso nos últimos dias. — continuou ele — Mas vocês não possuem magia, e deve ter algum motivo para isso, eu só não sei qual, e admito que não deva ser por falta de dignidade. Talvez possamos descobrir a razão.

Pensei em como responderia, mas nenhuma palavra surgiu em minha mente, por isso apenas assenti e fui ajudá-lo a andar. Juntos caminhamos lentamente até a caverna.

Tatsuya - A Rainha DragãoOnde histórias criam vida. Descubra agora