50 - Tudo e Nada

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Fechei os olhos com força quando senti Vesta apertar a adaga contra minha garganta.
Prendi a respiração e esperei, e então ouvi um gemido.
Ao abrir os olhos vi o terror estampar a face de minha irmã, então segui seu olhar para baixo, na altura do seu peito, de onde a ponta de uma espada a transpassava.
A espada foi puxada de volta e Vesta cambaleou para trás, sendo amparada por Ulrick, que jogou a espada ensanguentada no chão para poder segura-la.
Fiquei paralisada, sem conseguir compreender o que havia acabado de acontecer.
Ulrick deitou Vesta no chão com cuidado enquanto ela engasgava com o próprio sangue.
Tudo me pareceu borrado e distante, e o som mais alto que eu podia ouvir era o do meu próprio coração batendo desesperado.
- Não... - sussurrei.
Lágrimas brotaram dos meus olhos e o pânico se instalou em meu peito.
- Não! - gritei, finalmente conseguindo me mexer - O que você fez?!
Empurrei Ulrick, tirando-o de perto da minha irmã.
- Vesta. - chamei - Vesta, não. Por favor...
Apertei minhas mãos contra o ferimento em seu peito, tentando, em vão, parar o sangramento.
Vesta me encarava com o olhar de quem implora pela vida e tentou falar, mas continuava a engasgar com o próprio sangue.
- Não. Eu não vou deixar você morrer. - prometi - Você não.
Apertei o ferimento com mais força e tentei pensar em algo que eu pudesse fazer. Talvez alguma magia de cura.
Olhei em volta e vi Aibek, que em algum momento, no meio daquela confusão, havia escapado da minha barreira de terra, ou talvez eu o tivesse soltado, eu não sabia dizer.
- Aibek! - chamei aos prantos.
Ele se aproximou rapidamente, mas em seu olhar não havia esperança alguma.
- Por favor. - pedi desesperada - Você sabe magia de cura, deve haver algo que possa fazer. Por favor...
- Sinto muito... - ele respondeu com tristeza - É tarde demais.
- Não! - teimei - Não é tarde demais. Você precisa salva-la, por favor. Eu faço qualquer coisa.
Aibek balançou a cabeça lentamente.
- Sinto muito... Ela já se foi.
Olhei de volta para o rosto de minha irmã e percebi que ele tinha razão. Ela já não respirava mais e seus olhos estavam sem vida.
No mesmo momento os corpos de terra que Vesta havia formado começaram a desmoronar, se desfazendo lentamente até se tornarem pó.
Uma brisa soprou e levou o que restou para longe, me fazendo chorar.
- Não... - lamentei, não querendo aceitar que aquilo fosse real.
- Tatuya...
A voz de Ulrick despertou outro sentimento em mim.
Me levantei furiosa e andei em sua direção.
- Você. - apontei - Você a matou!
- Eu salvei você. - defendeu-se ele.
- Eu não pedi para ser salva! - gritei - Você a matou! Matou a minha irmã!
Minhas mãos ficaram em chamas e o chão começou a tremer.
Dei mais alguns passos em direção a Ulrick, mas ele se afastou.
Continuei andando, encarando-o com toda a fúria que havia em mim, e ele continuou se afastando, andando de costas até tropeçar e cair sentado no chão.
- Eu vou matar você. - ameaçei.
Apontei as mãos para o seu rosto, mas Aibek segurou meu braço.
- Não faça isso...
- Saia de perto, ou vai se ferir também. - avisei.
Para a minha surpresa Aibek me puxou para si e me abraçou.
- Não vou a lugar algum. - disse ele.
Minhas mãos e braços ainda estavam em chamas e eu sabia que o estavam queimando, mesmo assim ele não me soltou, ao invés disso me apertou ainda mais.
- Vai ficar tudo bem... - sussurrou.
Um nó se formou em minha garganta e eu tentei segurar o choro, mas não consegui.
O fogo se apagou e eu retribuí o abraço, desabando em seu ombro.
Eu não aguentava mais tantas mortes, tantas perdas e tanta dor.
Eu só queria que tudo aquilo acabasse de uma vez por todas, mas por um instante só me deixei sentir aquela dor angustiante da solidão e da perca, me permiti chorar tudo o que antes eu não havia chorado e parei de fingir ter uma força que eu não tinha.
Não sei por quanto tempo ficamos abraçados, mas aos poucos eu me acalmei e senti uma nova determinação florescer em mim.
Me soltei dos braços do elfo e olhei para o chão, onde as Pedras se encontravam caídas e espalhadas.
- Eu já sei o que vou fazer. - falei em voz baixa.
Olhei em direção a Vuur, que assentiu em concordância.
Saxh se aproximou do corpo de Vesta, deitando sua cabeça sobre ela.
- Chega de mortes e sacrifícios? - perguntei a ele.
Ele me encarou com olhar tristonho, e eu interpretei aquilo como um sim.
- O que extamente você vai fazer? - perguntou Aibek.
- Vou destruir todas elas. - respondi.
Usando o cobertor juntei as Pedras sobre a cadeira de Vesta e então respirei fundo.
Estava na hora de acabar com o ciclo de mortes e a disputa por poder, mesmo que isso pudesse custar minha vida.
Aquelas Pedras haviam causado mais mal do que bem e precisavam ser destruídas.
Fechei os olhos e estiquei as mãos me concentrando na energia das Pedras.
"Sinta cada energia separadamente e depois concentre-se em unir todas elas em uma só." - ouvi a voz de Vuur em minha mente.
Assenti e obedeci.
Meu corpo estava cansado e minha mente me implorava para desistir, mas mantive o foco.
Senti as energias percorrendo o meu corpo e depois unindo-se umas as outras, enquanto as Pedras também se uniam.
"Só mais um pouco..." - disse Vuur.
Movi as mãos lentamente, sentindo o calor, o frio, a dureza e a fluidez, a vida e a morte, tudo se tornando uma coisa só.
"O ovo está se formando." - disse Vuur "Hotar irá renascer."
Mas não era esse o meu objetivo.
Assim que os elementos se uniram eu abri meus olhos.
As Pedras haviam se tornado uma única Pedra com o formato de um ovo de Dragão, com várias cores vibrantes e metálicas se misturando em sua casca áspera.
Se eu não fizesse mais nada, daquele ovo Hotar renasceria, e provavelmente a história se repetiria, talvez depois de milhões de anos, mas se repetiria.
"Não faça isso." - pediu Vuur. Mas eu já havia me decidido.
Com as mãos nuas segurei o ovo.
Uma onda de choque me atingiu, mas eu não hesitei, abracei a Pedra, apertando-a contra o meu peito, absorvendo toda a magia, ao mesmo tempo em que a deixava fluir para fora de mim.
Eu tornei a mim mesma uma ponte, mas ao invés de passar a magia para outra pessoa, ou coisa, eu a estava espalhando.
A magia não devia mais pertencer a nada nem a ninguém, só assim aquele ciclo se quebraria.
Apertei a Pedra com mais força e senti minhas pernas fraquejarem.
Caí de joelhos no chão, mas não desisti.
Eu já havia começado e então precisava terminar.
Me concentrei na energia, sentindo-a fluir de fora pra dentro, de dentro pra fora, espalhando-se com o vento.
Por um instante eu me senti tudo, e tudo era eu.
Pude sentir cada folha, cada raio de sol, cada partícula de água e cada see vivente, até mesmo aqueles que eu nunca conheci.
Por um instante eu era a magia em si, como se meu corpo já não existisse mais. Eu me senti fluir, nem para dentro, nem para fora, apenas fluir.
Eu era uma explosão, eu era o frio e o calor, a dureza e a fluidez, a vida e a morte.
E então eu me tornei nada.

Tatsuya - A Rainha DragãoOnde histórias criam vida. Descubra agora