44 - De Volta ao Lar

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— Você tem certeza? — perguntou o elfo, tão surpreso e assustado com a novidade quanto eu estava.

— É o que está dizendo aqui. — respondi.

Ele se aproximou para observar melhor o livro.

Uma folha arrancada do diário do meu pai marcava uma pagina do livro onde havia instruções do ritual para reviver alguém que já morreu.

Escrito em letras garrafais as instruções eram familiares, até certo ponto.

Dizia que era necessário reunir todas as Pedras e dominar a magia delas. Até aí tudo bem.

Depois, com a magia da terra, se moldava um corpo, que devia ser molhado com água e depois queimado, e então se devia chamar o espirito da pessoa a quem se quer reviver e soprar o ar nos pulmões do corpo moldado.

O ultimo passo, porém, meu pai havia ocultado de mim.

Para que o corpo pudesse efetivamente viver, era necessário sacrificar outra vida, porém não uma vida qualquer, mas sim a vida de alguém que seja tão importante para o mago quanto a que se quer reviver. Ou seja, se eu quero reviver alguém que amo, preciso sacrificar alguém que amo. Essa era a parte onde se usava a quinta e ultima Pedra, a Pedra da magia e da vida.

Isso era absolutamente atormentador, e era algo que eu não estava disposta a fazer.

Na folha solta, que eu reconheci ser do diário do meu pai, estavam os pensamentos dele sobre aquilo. Eu nem precisei ler para saber que ele pretendia sacrificar a mim para poder reviver minha mãe.

Tudo passou a fazer sentido quando eu me dei conta disso.

Enquanto minha mãe estava doente meu pai estava desesperado para encontrar uma cura.

Um dia ele me disse que sabia uma forma de trazê-la de volta se ela morresse, mas que não queria chegar a esse ponto. Ele queria salvá-la antes que isso acontecesse, e por isso deixou o próprio orgulho de lado para pedir ajuda aos elfos.

Quando o rei elfo se negou a ajudar, meu pai ficou aflito, buscou outras formas, insistiu e fez tudo o que estava em seu alcance, mas minha mãe faleceu mesmo assim, e então, a partir daquele dia ele passou a quase não falar comigo ou com a minha irmã e nunca me olhava nos olhos quando eu me dirigia a ele. Na maior parte do tempo ele ficava no quarto ou no escritório, estudando, planejando e chorando. Andava esquisito, falando sozinho e resmungando pelos corredores. Alguns até diziam que ele estava enlouquecendo, mas eu achava que era apenas uma fase. Era a forma como ele lidava com o luto.

Antes de partir para a guerra contra os elfos ele me disse que traria a minha mãe de volta, ou morreria tentando.

Ele falou que ela queria voltar, que ela havia lhe pedido isso, e que ele não só a traria de volta como também vingaria a sua morte.

Eu também estava sofrendo com a perda dela e me apeguei às promessas de meu pai, até que ele morreu, e eu pensei que era minha obrigação continuar o que ele havia começado.

— O que vai fazer? — perguntou Aibek.

Encarei as Pedras e segurei as lágrimas.

— Não sei. — respondi — Eu quero minha mãe de volta, mas não a esse custo. Não posso fazer isso e fico indignada só de imaginar que meu pai cogitou algo assim.

— Você leu o que ele escreveu? — perguntou o elfo apontando para a folha solta.

— Não completamente. — respondi — Não preciso.

— Mas deveria. — insistiu o elfo.

Peguei a folha na mão e balancei a cabeça, hesitando.

— Leia. — insistiu o elfo — Talvez isso te ajude a tomar uma decisão.

Eu tinha medo de saber o que meu pai pensava, mas li mesmo assim por insistência de Aibek.

Ele começava dizendo que não sabia o que fazer, pois estava perdido sem sua rainha e não tinha mais vontade de viver sem ela, e tê-la de volta lhe custaria demais. Ele dizia que só havia duas pessoas que ele amava tanto quanto sua esposa, e essas eram suas filhas, e que se tivesse que nos sacrificar para ter de volta o amor da sua vida, ela jamais o perdoaria. Então só lhe restava a opção que seria dolorosa apenas para ele mesmo. O seu dragão. Na folha meu pai também escreveu que via a minha mãe em todo o lugar que ele ia e ela lhe implorava para voltar a viver, ou às vezes o chamava para ir junto dela. Ela lhe aparecia em sonhos, mas também enquanto estava acordado, falando com ele, sussurrando em seus ouvidos e lhe seguindo aonde quer que fosse. Ele dizia que já não aguentava mais e que a morte dela era sua culpa, por que ele não havia sido forte o suficiente para salvá-la enquanto era tempo. E ele terminava dizendo que não cometeria o mesmo erro de novo, e que por isso iria para a guerra, faria o que fosse necessário para trazê-la de volta, e se não conseguisse, morreria tentando e se juntaria a ela de vez.

Me senti triste por ele, e me senti culpada por não ter percebido o quanto ele estava atormentado e por não tê-lo ajudado mais. Eu havia falhado como filha.

Mordi os lábios tentando não chorar, pois já havia chorado demais nos últimos dias. Era a hora de tomar uma decisão e fazer algo.

Olhei para as Pedras e pensei.

Eu não teria coragem de sacrificar ninguém, mas então o que eu faria?

— Ainda preciso das Pedras. — concluí — Não tenho a ultima, então não há como trazê-los de volta de qualquer maneira, mas eu preciso proteger o meu povo. Sem meus pais aqui eu terei que ser a rainha e a magia das Pedras irá nos proteger.

— Mas você já tem a magia das Pedras em você. — disse o elfo.

Me virei para ele e sorri.

— Não se preocupe, deixarei que leve a Pedra da Lua de volta com você, como eu prometi. — assegurei — Mas ficarei com as outras três.

Aibek ficou pensativo e eu percebi que talvez a preocupação dele fosse outra, mas eu não sabia dizer exatamente qual era.

Nesse momento, porém, não tive tempo para perguntar, pois fui surpreendida por uma sensação já conhecida. Um calor surgiu em meu peito e eu pude sentir a presença dele. Vuur estava voltando para casa.

Tatsuya - A Rainha DragãoOnde histórias criam vida. Descubra agora