37 - Perdas

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Fui andando sem olhar para trás. Apenas ouvindo os passos de Aibek me seguindo.

— Não sabia que ia me deixar ficar aqui. — ele falou assim que me alcançou.

— Você não quer ficar? — perguntei.

— Claro que quero. — ele disse — Só não tínhamos conversado sobre isso, então... Achei que teria que pedir.

— Mas é como eu disse... Eu vou precisar de você por enquanto.

Ele sorriu, mas não respondeu nada.

Fui subindo as escadas para o segundo andar, guiando ele até o escritório do meu pai.

Era uma sala ampla, com prateleiras e uma mesa de madeira repleta de papéis. A cadeira, também de madeira, era alta e tinha o assento forrado. A única janela da sala não iluminava o lugar muito bem, mas nós não ficaríamos ali.

Fui até uma parede vazia ao lado e coloquei minha mão sobre um símbolo que estava esculpido ali. Minhas mãos ficaram em chamas e o contorno de uma porta se iluminou e depois ela se abriu.

— Uau. — exclamou Aibek — Não esperava por isso.

— Ninguém sabe sobre essa sala e ela só se abre com magia do fogo. — expliquei — É onde guardamos a nossa Pedra.

Dei espaço para que ele entrasse e fui logo atrás, fechando a porta novamente.

Aquela outra sala era bem espaçosa e seu único móvel era um tipo de altar grande e retangular construído com uma pedra escura. Não havia nenhuma janela ali, mas o ambiente estava iluminado, pois quando se usava a magia para abrir a porta, o fogo era direcionado para as diversas pequenas bacias feitas com a mesma pedra escura que ficavam penduradas ao longo da sala, conectadas por sulcos esculpidos nas paredes.

A Pedra de Fogo, ou Carvão de Fogo como às vezes chamávamos, não tinha uma aparência tão bonita, mas emanava um poder gigantesco.

Ela tinha o tamanho de um punho fechado e realmente se parecia um carvão em brasa.

Aibek olhou em volta admirado e eu fui em direção ao altar, retirando com cuidado as Pedras da minha bolsa para colocá-las ali em cima, sobre pequenas almofadas que meu pai já havia deixado preparadas para quando essa ocasião finalmente acontecesse.

— Agora eu tenho as três Pedras aqui. — comemorei orgulhosa.

— Na verdade... Você tem as quatro. — Aibek corrigiu ao se aproximar com uma bolsinha de pano.

Não precisei olhar dentro para saber o que era, eu podia sentir o poder dela.

— Você está falando sério? — Arregalei os olhos surpresa.

Ele ergueu os ombros.

— Eu vou querer ela de volta depois, é claro.

Sorri e estendi a mão para pegar a bolsinha.

Ali dentro dela estava a Pérola do Mar, uma das mais bonitas das quatro Pedras.

Coloquei ela com cuidado junto das outras.

Todas juntas assim deixavam a atmosfera até mais pesada.

Admirei-as com orgulho, pois eu havia conseguido fazer o que meu pai apenas sonhou. Alguns segundos depois, porém, me veio um questionamento.

— Por quê? — eu quis saber, me virando para o elfo e olhando-o nos olhos. — Por que fez tudo isso? Foi atrás de mim no deserto, me salvou, me ajudou, me acompanhou mesmo colocando a sua própria vida em risco e agora está me dando a Pedra?

Aibek desviou o olhar.

— Eu já te disse. — ele respondeu.

— Não. — discordei — Você não fez tudo isso apenas porque queria saber se daria certo, ou porque queria fazer parte disso... O que você realmente quer, Aibek? De verdade.

Ele soltou um suspiro e se apoiou no altar de pedra, encarando as próprias mãos.

— O motivo é óbvio. — ele disse — Você não é a única pessoa que já perdeu alguém.

— Os seus pais...

— Na verdade eu tinha outra pessoa em mente. — ele confessou.

— Outra pessoa? — perguntei confusa.

Ele soltou outro suspiro antes de falar.

— Havia uma pessoa... — ele disse — Ela era uma mestiça de elfo solar com elfo lunar. Tinha a pele escura, os cabelos brancos e os olhos eram de cores diferentes, um azul e o outro dourado... Era linda, e eu a amava muito.

Aibek deu um leve sorriso e por algum motivo foi doloroso para mim ver os olhos dele brilharem daquela forma enquanto falava daquela garota.

— Kádia era muito sonhadora. — ele continuou — E um dos sonhos dela era encontrar... Um unicórnio.

— Então... O unicórnio na Floresta Encantada?

— Sim. — ele confirmou — Por algum motivo eu tive certeza de que se o seguisse eu a encontraria. E encontrei, mas não era ela, não de verdade. No momento em que percebi isso ela se transformou, seu rosto ficou igual... — ele engoliu em seco — Igual ela estava quando morreu. Eu corri e ela me seguiu por um tempo, mas depois ela sumiu, e foi quando eu encontrei você.

Fiquei pensativa, tentando absorver aquela história. Eu sabia que o unicórnio tinha algum significado, mas nunca imaginaria aquilo.

— E... Como ela morreu? — eu quis saber.

Ele virou o rosto para me olhar e hesitou por um momento entes de responder.

— Ela foi encontrada morta na floresta que fica perto da vila onde morava. — contou — Durante a semana anterior ela ficou me dizendo que tinha certeza de que havia um unicórnio vivendo naquela floresta, que ela havia visto ele enquanto pegava cogumelos. Eu duvidei e ela insistiu que era verdade e que iria encontrá-lo. Eu disse que era loucura e que ela não devia fazer isso, mas... Depois de alguns dias eu ouvi que haviam encontrado um corpo naquela floresta. Fui correndo até a vila, como se já soubesse que era ela. Jamais vou esquecer como ela estava...

Os olhos de Aibek estavam cheios de lágrimas e eu fiquei triste por ele. Quis abraçá-lo, mas me contive.

— Então... — concluí — Esse tempo todo a sua intenção era saber se o ritual funcionaria para poder reviver essa garota.

— Eu não sei... — ele disse — Quero dizer, era a minha intenção, mas agora... Eu não tenho certeza se é o certo a fazer. Depois do que eu vi na Floresta Encantada... Acho que os mortos devem ficar onde estão, seja lá onde for. Eles devem estar melhor lá.

Balancei a cabeça.

— Eu não sei aonde os mortos vão. — concordei — Mas minha mãe... Eu quero meus pais aqui comigo, vivos.

— Eu entendo... — ele falou em voz baixa.

Mesmo não querendo admitir, eu não pude deixar de pensar em suas palavras. Eu também não estava certa de que devia fazer aquilo, mas eu queria muito poder ter minha mãe viva de novo. E havia tanta coisa que eu podia fazer com aquelas Pedras...

Porém depois de tudo o que eu havia descoberto, eu estava mais confusa do que queria demonstrar.

Tatsuya - A Rainha DragãoOnde histórias criam vida. Descubra agora