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Kate

Escuto um barulho estranho antes de abrir a porta de casa, eu não aguento mais todo dia isso. Não posso chegar e descansar, acabou meus dias de paz, toda vez tem alguma coisa para resolver. Forço a maçaneta e a porta abre, nem trancar a porta mamãe consegue. A visão da minha sala revirada me lembra os anos que passei naquela vida, é como se o ciclo reiniciasse. Jogo minha bolsa no chão e começo a listar os pertences da casa, eu sei que alguém entrou aqui para buscar pagamento, mas não parece faltar nada. Meu quarto continua trancado. A geladeira, o fogão, tudo parece estar no lugar. Pelo visto só reviraram o apartamento e não encontraram nada que valesse a pena levar. O que é ótimo, porquê não tenho como repor agora nada do que está aqui.

Bato na porta do quarto de mamãe, duas vezes, escuto um som abafado de alguém chorando. Eu só queria não ter que cuidar da minha mãe, não ter que exercer uma função que não é minha. Só queria viver a vida de uma garota de dezenove anos norma. Abro a porta e sou recebida por mais bagunça, só que pior. Mamãe está jogada no chão, nua e aparentemente drogada. Não preciso nem pensar, sei quem esteve aqui, e sei exatamente como a dívida foi paga. Saio correndo pelo pequeno espaço do apartamento, para ter certeza que ele não está aqui. Tranco a porta da sala várias vezes até ter certeza que está seguro. Sinto o corpo amolecer, a taquicardia começar, cravo as unhas na palma da mão, buscando a dor. Preciso ser racional, pensar com clareza agora. Enquanto volto para o quarto, quase manda uma mensagem para Hero, pedindo ajuda, mas ele e Josephine devem estar ocupados a essa hora. E vamos combinar que ele não largaria a namorada para ajudar uma mulher drogada.

- Mãe? - Me ajoelho ao seu lado. - Mãe? Sou eu. Morgan. - Seu corpo convulsiona em mais lágrimas. - Vou te tirar do chão ok?

Levanto seu corpo magro, acomodando em meu colo. Tem um corte na sua boca, não muito profundo, e marcas por todo seu corpo, marcas bem familiares para mim. Aquele desgraçado gosta de deixar bem evidente o que faz.

Uma característica marcante que puxei de mamãe foi o cabelo, os longos fios grossos e pretos, que no caso dela estão ralos e cheios de nó. Suas lágrimas param de escorrer, dando lugar as minhas. Não sei quanto tempo fico com ela nos meus braços, repetindo sem parar que vai ficar tudo bem, que isso não vai mais acontecer. Pelo menos quando Mercy fazia isso comigo ajudava um pouco, mesmo eu sabendo que no dia seguinte iria se repetir a mesma história. Mas dessa vez não.

- Mãe, infelizmente não tem como a gente continuar vivendo assim. - Beijo sua testa. - Eu tentei, de verdade eu tentei. Mas não tem como eu cuidar de você, não sozinha. Não me sinto mais segura nesse apartamento, agora que ele sabe onde moramos.

- Morgan? - Seus olhos se abrem. - Morgan?

- Sou eu mãe. Vai ficar tudo bem. - Beijo seus cabelos. - Preciso te tirar daqui.

- Ele foi embora? Ele tocou em você? - Ela não está chapada, ela presenciou tudo consciente. - Eu...

- Não. - Sinto cada pedacinho de mim desmoronar mais uma vez, tudo o que foi construído caiu. - Posso te dar um banho?

- Não quero que você veja isso Morgan, não..

- Não sou mais aquela garotinha, eu consigo lidar com isso. - Levanto, puxando comigo seu corpo. - Vamos tomar um banho e passar a noite fora ok? Preciso de um tempo para achar um lugar...

Entro no chuveiro com roupa e tudo, tentando manter mamãe em pé embaixo da água quente. Coloco seus braços no meu pescoço, para poder esfregar seu corpo. Ensaboo seu corpo, tomando cuidado com as partes sensíveis, mamãe não reage em momento algum, lavo seu cabelo, tentando me livrar do nós sem machuca-la mais. Desligo o chuveiro, amarro a toalha em seu corpo e jogo minhas roupas molhadas no chão. Mamãe fica encarando os pequenos roxos no meu quadril, mas não quero ter que explicar o que são.

- Preciso pegar meu celular, consegue ficar aqui? - Sento seu corpo no vaso sanitário. - Mãe?

- Você.... Você tá roxa Morgan. O que ele fez com você? Hollywood te machucou. - Seus dedos tremem tentando tocar minha pele.

- Não foi Hero mãe. Não temos mais nada. E isso não... Não fui machucada tá? - Coloco uma toalha amarrada na cintura. - Vou ligar pra alguém me ajudar aqui.

Mando uma mensagem para Mercy, pedindo ajuda, depois de explicar mais ou menos o que aconteceu. Normalmente eu não faria isso, eu sei que vou me arrepender de envolver mais gente nessa história, mas eu sei que não vou conseguir descer mamãe sozinha. E outra, Nate não vai perguntar demais. Volto para o quarto, mamãe está se vestindo, ou tentando fazer isso. Ajudo a colocar uma calça e um moletom velho, o que leva mais tempo que o normal. Enquanto esperamos Mercy e Nate chegar, desembaraço e seco seu cabelo, em silêncio.

Mamãe é um mulher forte, por mais que tenha seus defeitos, nunca me deixou sozinha. Mesmo que drogada e inconsciente, sempre vai ser minha mãe. Vou dar um jeito de interna-la, deixar que alguém cuide dessa casa e me devolva mamãe. A campainha toca, escuto Mercy esmurrar a porta, o que assusta mamãe. Beijo seu cabelo, e vou abrir a porta. De um segundo para o outro meu apartamento é invadido por uma multidão de tiffin's, de todas as idades.

Mercy me abraça, procurando em todos os lugares do meu corpo por algum sinal novo. Seus olhos estão vermelhos, os rosto machado de lágrimas. Repito mil vezes que ele não me tocou, mas sua inspeção é rigorosa. Tia Martha e Tio George estão assustados no meio da bagunça da minha sala, falando ao telefone. Nate surge com minha mãe desmaiada no colo, passa por todo mundo e saí de casa. Tio George vai atrás.

- Vamos interna-la filha. Fica tranquila. - Martha me abraça. - Mercy me explicou tudo. Seu segredo ta guardado com a gente. - Ela beija minha testa. - Tantos anos lidando com isso sozinha... Meu Deus.

- Hero disse que você pode ficar com os meninos, ele vai falar com Alex. - Mercy me abraça. - Ele queria vir, mas achei que você não queria explicar essa história para Josephine.

- Mas tem uma pessoa bem chateada com você. - Nate volta pra sala. - Que merecia saber essa história antes.

- Se cuida. - Mercy me beija mais uma vez e sai com a mãe. - Não passe a noite aqui sozinha.

- Ela não vai. - Nate cruza os braços.

- Eu... - A porta da sala bate, nos deixando sozinhos.

Empowered Women - A história de KateOnde histórias criam vida. Descubra agora