O templo das almas

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 Uma figura sombria observava uma enorme construção de pedra, o rosto dele era ocultado por um capuz negro de um manto surrado que cobria sua cota de malha velha, em sua cintura pendia uma maça de batalha e em suas costas levava um escudo que mais parecia a tampa de um caixão. A construção que observava era feita inteiramente de rocha lisa, sua arquitetura era arcaica e lembrava algo entre um templo religioso e um castelo nobre e imponente.

 Tal obra era realmente muito bem feita, pois abandonada a séculos, estaria em ruínas se fosse construída por mãos humanas, Lazarus conhecia bem a história daquele lugar, o seu antigo senhor era poderoso e a séculos atrás quase conquistara todo o continente, agora apenas uma lembrança mórbida de tempos mais sombrios. Lazarus se ajoelhou, retirou seu símbolo sagrado de dentro de suas vestes e observando bem aquele triângulo negro com uma caveira desenhada, ele fez uma oração a Myrkul para que o protegesse, o culto desejava um artefato enclausurado naquele lugar, e a benção do deus morte não permitiria que ele fosse ferido por qualquer criatura necromântica. Sentindo-se pronto, Lazarus cruzou a ponte de pedra sobre a ravina e adentrou pela alta abertura para o saguão principal, estava completamente escuro e pequenos animais rasteiros eram vistos de relance pelos olhos adaptados as trevas de Lazarus, havia barulho de marteladas ecoando pelo vasto salão, sabendo que não deveria haver ninguém naquele lugar, Lazarus seguiu o som, logo ouvindo vozes de homens também.

 Cinco ladrões de túmulos com picaretas, martelos, cinzéis e sacos tentavam abrir uma pesada tampa de pedra de um sepulcro em um nicho na parede de uma sala adjacente ao salão principal, eles tomaram um susto quanto uma figura vestida de preto adentrou o lugar iluminado por uma tocha jogada ao chão.
— Quem é você? - indagou um dos homens com sua voz esganiçada  — não importa, vá procurar outro lugar para saquear, aqui já está ocupado.
— Veja Arvid, o idiota parece ter algumas coisas de valor — disse o mais brutamontes deles, portando uma picareta — talvez devêssemos tomá-las e dar-lhe uma surra para aprender a parar de bisbilhotar.
— Vocês não deviam estar aqui — disse Lazarus com sua voz calma — este lugar é impregnado com a morte, deixem esse lugar antes que ocupem as criptas que desejam saquear — disse Lazarus andando alguns passos e tendo seu rosto iluminado pela tocha no chão, os saqueadores arregalaram os olhos ao ver os olhos pálidos e rosto sem nariz e parte da bochecha, carcomidos pela putrefação.
— Suma aberração! Ou vamos mandar você de volta para o túmulo — esbravejou assustado outro dos homens.

***

 O vento frio da noite fez Nikolai puxar sua capa de pele de urso mais para perto de seu uniforme militar vermelho ao sentir um calafrio. O jovem de cabelos negros, olhos vermelhos e presas longas possuía uma ombreira de cabeça de lobo segurando sua capa, além de anéis com sinetes evidenciando o símbolo de sua família e origem nobre. Ele observava de longe a grande construção sombria, o refúgio antigo de um lich poderoso, que agora abandonada lançava uma sombra pesada naquela noite de lua cheia. Se aproximando do templo, buscava com os olhos outras formas de se entrar além da porta da frente, observando as altas janelas estreitas inacessíveis para qualquer ladrão, Nikolai esboçou um sorriso presunçoso ao ficar de frente a entrada principal, deu meia volta, colocou uma bota contra a parede e em seguida a outra, marchando parede acima de peito estufado, com sua mão pousada sobre o cabo de sua espada para que não ficasse batendo enquanto subisse.

 A arma possuía uma jóia negra na guarda que reluzia um brilho vermelho com a luz.
A escalada era longa pois o edifício era realmente colossal e imponente, Nikolai estudara muito a arte da guerra, conhecia estratégias militares e bastante sobre arquitetura de edifícios de guerra, mas não sabia reconhecer que povo havia construído aquela fortaleza, tudo que sabia era que seu pai desejava muito um poderoso artefato escondido dentro do templo.

 Enquanto subia, sentia um desejo latente em sua mente, algo que ele constantemente conseguia afastar, porém já fazia muito tempo desde a última vez, e quanto mais ele ignorava a besta sedenta, mais a fera enjaulada gritava pelo doce líquido vermelho e quente.
Chegando finalmente na janela, procurando afastar tais pensamentos, Nikolai se agachou sobre ela e olhou para o corredor abaixo, o lugar parecia uma cripta empoeirada com artefatos sem valor empilhados aqui e acolá acumulando teias de aranha, nichos nas paredes guardavam tumbas e também estátuas de figuras associadas a morte em diversas culturas.

 Enquanto avaliava o local para decidir se era seguro adentrar, um brilho púrpura sutil surgiu na extremidade do corredor, um ser incorpóreo de face distorcida vagava flutuando, um espectro que outrora servira ao lich, agora patrulhava a apenas a poeira acumulada, Nikolai ponderou se valia a pena enfrentar o espectro agora ou se poupava-se para desafios posteriores.

***

 Com uma aparência assustadoramente bela, uma mulher de pele púrpura gravada com runas, suas roupas de linho tinham várias camadas, bastante sujas até de alguém que anda de forma recorrente nos ermos, apesar disso não lhe faltava indumentária: vários anéis e pulseiras, bem como brincos e um colar tribal. Ela tinha os cabelos negros adornados com uma coroa de galhos, andava em meio as árvores de um denso bosque que obstruía a luz da lua, Zaila se apoiou em seu cajado adornado de penas e ossos para vislumbrar o terrível templo por entre a copa das árvores. O bosque ficava aos pés da construção maldita, ela sabia que não seria seguro adentrar diretamente pois mesmo abandonado, o templo poderia ter medidas de segurança. Vivendo entre seres do subterfúgio, tinha em mente que tal edificação certamente teria uma passagem secreta, uma que certamente estivesse oculta nesta floresta.

 Além de possuir copas densas, as velhas árvores lançavam suas raízes pelo chão, insetos, aves e anfíbios noturnos lançavam seus sons na escuridão da noite, que amedrontaria a maioria das pessoas, para Zaila era uma sinfonia natural. Chegando mais perto da encosta da montanha onde se prostrava o templo, ela lançou um simples feitiço de orientação para lhe ajudar a encontrar a entrada secreta. Apesar de maldições serem lançadas sobre aquele lugar, uma saída secreta estaria escondida não mais do que pelo ambiente natural, uma vez que aquele que foge utilizando tal saída não quer ser detido por suas próprias defesas. Com uma rápida olhada ao redor, seus olhos puderam magicamente vislumbrar uma estreita abertura coberta por ramos de trepadeiras espinhosas, das quais Zaila não se importou em se arranhar para entrar ali, tudo que ela queria era pegar logo o que o conciliábulo a obrigara a resgatar e sumir daquele lugar maldito. Ela odiava sua vida, sua função, sua falta de liberdade. Não mais que uma marionete pronta a seguir os caprichos das Nornas, e ali estava ela: mais uma vez atrás de outro artefato para tornar suas senhoras ainda mais poderosas.

 A caverna ao pé da montanha era íngreme em direção ao topo, o que era um bom indicativo de que era realmente uma passagem para o interior do templo. Mesmo na escuridão, os olhos de Zaila podiam esquadrinhar a paredes da caverna, eram rochosas e cobertas de pesadas teias de aranhas, estas que não podiam terem sido feitas por aranhas comuns, ao mesmo tempo que chegou a esta conclusão, ela percebeu um vulto acima de sua cabeça, com oito pernas enormes, uma aranha gigante se preparava para atacá-la.

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