Uma de nós

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Não era difícil decidir como ajudar o espírito de Ada, sua morte fora injusta, Simas tirou ela de sua família para uma vida de ingratidão e violência, e a julgar pelo último registro no diário de Ada, ela planejava deixar Simas, seja para voltar para sua família ou fugir de vez. As palavras de Nikolai nunca foram tão verdadeiras, e deram a motivação que os outros dois precisavam, "Os piores monstros são aqueles que fazem de nós quem somos". Ada era um monstro assim como eles, uma criatura cheia de rancor que cometia atrocidades porque foi moldada no ódio pelo verdadeiro monstro.
Amélia havia dito onde Simas morava, atravessaram a floresta até chegar a outra orla próxima a um lago, torcendo para que depois de dez anos o assassino ainda morasse no mesmo lugar. Em um casebre de caçador, com algumas peles de lobo secando do lado de fora, um homem de meia idade ouviu alguém batendo a porta, ao abrir a porta viu um homem vestido de vermelho com capa de pele, e uma bela mulher de aparência exótica com uma coroa de galhos.
- Simas Harrison? - indagou a mulher.
- Sim, sou eu mesmo - respondeu o homem.
Ambos os estranhos deram um passo ao lado para revelar uma figura aterradora, a face horrenda que Simas julgou ser a do próprio ceifador sinistro envolto em um manto negro surrado com armadura enferrujada, ele o viu se aproximar enquanto não conseguia mover o corpo, tamanho o medo. O Morto-vivo segurou-lhe pelo ombro e com um movimento rápido, Simas sentiu uma forte dor na barriga, olhando para baixo viu que a mão da criatura cravara uma adaga em seu abdômen.
- Simas Harrison, pelo poder investido a mim por Myrkul, eu o sentencio a morte - começou a falar o ser de negro, e com um movimento rápido ele puxou a lâmina da sua barriga até seu esterno, fazendo jorrar sangue do corte e da boca da vítima - a sua morte não é sua punição, é meramente o seu caminho até o verdadeiro juiz, e eu sou o seu barqueiro.
Lazarus deitou lentamente sua vítima que tentava puxar ar para seus pulmões inutilmente, e o segurou até que a vida deixasse seus olhos. O clérigo então fechou os olhos de Simas e se levantou.
- Muito bem sacerdote - falou Zaila - imaginei que você faria o que precisasse fazer da forma mais adequada, imagino que agora o espírito de Ada possa descansar em paz.
- O fantasma deve descansar agora, vamos voltar para avisar sua irmã que ela foi vingada - disse Lazarus.
- Que horror - disse Gilbert - foi uma oração mórbida.
Quando estavam se preparando para ir, ouviram um ranger de tábuas, os três estacaram olhando uns para os outros, sacando suas armas e andando furtivamente pela cabana de poucos cômodos, adentraram pelo quarto de onde ouviram barulho, vasculhando o com os olhos, Nikolai não viu ninguém ali, mas com outro ranger de tábuas, ele se abaixou com cuidado para ver embaixo da cama. Seus olhos contemplaram um garoto de dez anos escondido embaixo da cama, de olhos marejados e completamente paralisado ao ver o ser monstruoso de olhos vermelhos que invadira sua casa.
- O que foi? - indagou Zaila ao ver Nikolai passar a passos largos por eles.
- Vamos enterrar o corpo - disse ele recolhendo Simas e estripado.
- O que houve? - indagou Lazarus.
- Apenas me ajudem logo.

***

No caminho de volta para a casa de Amélia, ouviram ao longe uma voz conhecida e aterradora gritar uma palavra repetidas vezes, correram todos para ver o que temiam já saber, presenciaram o fantasma de Ada cravando suas mãos incorpóreas no peito de um reles peregrino desarmado, Lazarus gritou para chamar atenção de Ada, largando o pobre homem com seu corpo necrosado, caindo morto ao chão. Ada se virou para Lazarus e com a unha cumprida apontada para ele, gritou "Simas!" novamente com sua voz arranhada.
- Lazarus, consegue afastá-la de novo? - indagou Nikolai.
- Desculpe, preciso de mais tempo para poder clamar o poder de Myrkul novamente.
- Tudo bem, então será... Pelo medo! - a última palavra proferida por Nikolai na língua dracônicas fez seus olhos cintilarem em vermelho ao fitarem o fantasma. Ada mudou seu esgar de ódio para um de puro pavor, Nikolai sentiu-se confiante em seus poderes, mas sentiu-se mal quando Ada se afastou gritando "Não! Simas, afaste esta faca de mim!" E seu brilho foi desvanescendo entre as árvores.
- Evidentemente a morte de Simas não ajudou Ada - disse Nikolai.
- Não entendo, devia ter funcionado com a morte de seu assassino - disse Lazarus desconcertado.
- Não funcionou... - começou Zaila se aproximando do cadáver necrosado do peregrino - ...porque ela continua a ver Simas em todo lugar. Pensem bem, quando a encontramos a primeira vez, Nikolai a atacou e ela se voltou para ele chamando-o de Simas, ela gritou a mesma coisa para este peregrino, e também reconheceu Lazarus como Simas, mesmo que ele esteja morto, mesmo com a morte de seu assassino, para Ada ele ainda existe, e por isso ela mata todos que encontra.
- Então como podemos proceder? - indagou Lazarus.
- Amélia - respondeu Nikolai - elas duas eram muito próximas, e Simas a afastou, evidentemente Ada não ama mais Simas, então talvez reaproximar as duas seja a resposta, talvez uma emoção positiva como o amor pela irmã seja mais efetiva do que o rancor pelo seu marido.

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