Dias de silêncio

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Zaila desceu para tomar café da manhã sem se dirigir a Lazarus que já estava sentado perto da lareira. Ele entendia que ela estava zangada com ele por tê-la impedido de ir atrás de Nikolai dois dias atrás, mas ele também entendia Nikolai. Feridas antigas das quais o dampiro não falava, mas que aparentemente eram demais para ele suportar, quanto a Zaila ele também sabia que seu rancor necessitava de tempo para ser sanado.

Zaila sentia um vazio dentro de si. Por mais que fosse extremamente irritante as provocações constantes de Nikolai, agora tudo que ela tinha era silêncio, ausência. Sentia falta daquele que lhe era muito querido, mais do que gostaria de admitir a Lazarus, muito menos ao próprio Nikolai. Sendo assim não tinha ninguém a quem expressar seus sentimentos, ninguém exceto seus Vigias, a quem ela quando estava sozinha proferia em voz alta "sinto falta dele" com o intuito de externalizar aquele sentimento mesmo que a inexpressividade dos corvos não fosse diferente do que admitir tal fato para as paredes.

Dois dias haviam se passado desde o confronto com os demônios que foram enviados por Lexaver em ato de vingança pela quebra do contrato de Rupert, o bardo. Lazarus e Zaila procuravam descansar e recuperar suas feridas para então seguir em frente, para onde, não sabiam. Seu pacto inicial era que ambos os três se ajudariam a vingar seus criadores e assim se tornarem livres da eminência de nova subjugação, mas agora isso parecia ser algo muito distante.

Mesmo que Lazarus havia conquistado sua liberdade, sem Nikolai a possibilidade deles derrotarem as Nornas em apenas dois diminuía drasticamente, além do fato de que sem o dampiro a terceira etapa da vingança era tolida, o que também aumentava a sensação de vazio pela sensação da tarefa não cumprida.

Cada hora parecia um dia e cada dia parecia uma semana, e ainda assim o número de palavras trocadas entre a druida e o clérigo era menos do que os dedos de uma mão. Lazarus dava o tempo necessário para Zaila se decidir sobre seus sentimentos, mas precisaria saber em breve o que fariam. Tinha dúvidas se Zaila gostaria de continuar com o plano de vingança já que ela conhecia a força das bruxas e se achava que os bastardos desfalcados tinham alguma chance contra elas. Isso implicava em uma total mudança de rumo para os dois, podendo significar tanto um vazio em um futuro não planejado, quando uma ruptura por completo dos Bastardos Sombrios pelo fato de não haver mais motivo para continuarem juntos.

Como Lazarus não comia, tudo que ele fazia pelas manhãs era se aconchegar perto da lareira e ouvir o ruído de fundo que eram as almas do outro lado. Mas para sua surpresa naquele dia, Zaila após terminar seu café da manhã veio se sentar junto a ele. Ela que estava sob seu habitual disfarce humano, tendo sua chegada anunciada pelos pequenos ratos negros de olhos leitosos que corriam pelos cantos, sentou-se com um copo de chá fumegante.

- Sabe que não cobrarei o favor de vingança não é? - disse Zaila olhando para as chamas somente - o que foi feito por você, foi feito. Não estás em dívida.

- Meus votos não mudaram - respondeu a voz de Lazarus por detrás da máscara - ainda morreria lutando por aqueles que me são caros e retribuir o favor que a mim foi concedido.

- Mas agora isso pode realmente resultar em nossa destruição, você não tem mais compromissos - insistiu ela - pode aproveitar sua nova chance de vida.

- Vida? - ironizou ele - não é como se minha condição permitisse constituir família, arrumar um emprego, desfrutar de banquetes ou longas noites de sono. Minha existência seria dedicada a embalsamar os mortos e presidir ritos funerários. Os mortos podem esperar, já esperaram demais e se eu for destruído, que assim seja. Por mim seguiremos em frente rumo às Nornas.

- Tudo bem - disse a voz fraca de Zaila. Lazarus voltou seu olhar e percebia que ela tentava esconder o vacilar de seus lábios por detrás da borda de seu copo, mas mesmo seus olhos marejados denunciavam suas emoções.

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