Vigias

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Não restava dúvida do que Zaila tinha que fazer, sua cultura vinha morrendo com o passar dos anos por causa de ignorância, druidas eram colocados ao lado de bruxas realmente malignas e estigmatizados como tal. Aquele solo sagrado era um dos bastiões de seu povo e ela não poderia deixá-lo morrer, estava acima de sua vingança pessoal contra toda e qualquer bruxa. Infelizmente ela não trazia nenhum componente material consigo, tudo que tinha ela deixara na sacola de couro mágica que Nikolai recebera, Zaila teria que trabalhar com meios de fortuna.

Deixando o andarilho e o círculo druídico para trás, ela se pôs a procurar rapidamente na mata por componentes que fossem úteis para um ritual de purificação. Eventualmente um passo ou outro fazia doer seu peito ou abdômen, sua cabeça ainda girava um pouco, mas se recuperava lentamente dos efeitos da maldição da bruxa. Ficou feliz ao ver sálvia brotando entre os arbustos, serviria de forma perfeita para parte do ritual. Apesar de tudo algo lhe incomodava, não era a dor da armadilha que caíra, pois esta minguava cada vez mais. Ouviu um grasnar de aves acima dela, erguendo os olhos percebeu que os corvos que a vigiavam no círculo druídico a acompanharam até ali.

Normalmente ela gostava da presença de animais, até mesmo os considerados sinistros e agourentos, mas aqueles corvos tinham algo que realmente a incomodava, como se olhassem para o seu âmago de forma um tanto maliciosa e interessada. Olhando mais atentamente notou que esses corvos não tinham uma aparência muito comum, suas penas eram negras e foscas como carvão, eriçadas como se tivessem passado por adversidades, seus olhos eram brancos e leitosos, como se fossem cegos apesar de a olharem fixamente.

- Curioso não? - disse o mendigo subitamente, assustando Zaila que não o vira chegando.

- Você quer parar com isso?! - esbravejou ela - sabe pelo menos porque estes corvos estão me seguindo?!

- Não se engane, não são corvos - respondeu ele olhando de forma curiosa para os pássaros - já vi muita coisa nesse mundo, mas nunca tinha visto espíritos como estes, não são mortos-vivos nem demônios, e certamente não são desse mundo.

- Aquela bruxa está me vigiando?! - indagou ela zangada.

- Não são dela - disse ele cerrando os olhos para os animais - na verdade parece que chegaram aqui por conta própria, alguma coisa atraiu a atenção deles. Se tivesse que adivinhar, a maldição que devia ter matado alguém comum, teve algum efeito adverso sobre uma hexblood, deixando algum tipo de mácula em você que te tornou visível a eles.

- Como você pensou em tudo isso...? Esquece, eu não quero saber - refletiu ela - eles também são diferentes dos corvos que conjuro, que são espíritos feéricos. E o que eles querem comigo?

- Eu não sei - disse ele rindo maliciosamente - devorá-la, aconselhá-la, apenas observá-la durante cada segundo da sua vida para escrever um livro? Quem sabe o que espíritos extraplanares tem como objetivo?

- Que animador - disse Zaila sarcasticamente e com bastante apreensão, como se não bastasse ser amaldiçoada com sangue de bruxa, agora tinha estas criaturas soturnas vigiando seus passos, sem saber se pretendiam fazer algo a qualquer momento - o que acontece se eu....

Zaila não terminou a frase, pois quando se virou para indagar o mendigo, ele havia sumido. Frustrada ela continuou a colher sálvias, vez ou outra olhando para seus vigias, ela tentou contar quantos eram, mas a cada vez que olhavam pareciam estar em número diferente. Até certo momento ela tomou um grande susto quando uma lebre de pêlos negros foscos e olhos brancos leitosos surgiu dos arbustos para encará-la.

A Hexblood terminou de colher as ervas o mais rápido possível para que voltasse a procurar ingredientes pra o ritual de purificação e tentou não dar atenção aos seus vigias estranhos. Continuando a andar pelo bosque a procura de componentes materiais, Zaila não conseguia se concentrar com todos aqueles olhos sobre ela.

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