Desabafo da fogueira

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Zaila estava presa dentro de uma gaiola apertada tal qual que não conseguia nem mesmo se virar dentro dela. Seu coração batia forte porque bruxas a capturaram e mataram todos que estavam com ela. Lágrimas novas corriam por seu belo rosto acima das secas enquanto ela ouvia risadas de vozes velhas se aproximando. As vozes rondavam na escuridão e nada mais do que olhos brilhantes e malignos se projetavam sobre ela.

- Será que vamos devora-la também como fizemos com os outros? - indagou uma das vozes.

- Acho que podemos abri-la para ver como é dentro - gargalhou outra.

- Talvez ela possa ser apenas nosso brinquedinho, andamos tão entediadas ultimamente... - disse a terceira, surgindo em sua direção um tição em brasa que ao tocar sua pele, fez Zaila gritar de dor.

Zaila acordou. Sentou-se sobre suas cobertas que colocara entre ela e o chão frio. A fogueira crepitava quente ainda, Nikolai continuava a dormir, mas Lazarus estava sentado contemplando as chamas.

- Seu sono estava inquieto já tinha alguns minutos - disse o clérigo sem tirar os olhos da chama - cogitei lhe acordar.

- Pesadelo - disse ela abraçando seu joelhos em um gesto involuntário, algo que fazia quando criança e acordava de um pesadelo. Porém não tinha sua mãe para vir lhe confortar dessa vez

- Gostaria de ter pesadelos vez ou outra se me fosse permitido dormir pela minha própria natureza - comentou Lazarus.

- Acho que estou ficando paranóica.

- O que quer dizer? - indagou o morto-vivo.

- Estamos a cada dia mais próximos de minha antiga "casa". Mais próximos de encontrar o conciliábulo das Nornas. Muitos sentimentos me vêm a tona e passo os dias de viagem pensando sobre isso - disse Zaila - você deve estar me achando medrosa não é mesmo? Enfrentou seu próprio destino na catedral de ossos com coragem, e agora que vamos para o meu, estou fraquejando...

- De forma alguma - respondeu Lazarus após uma pequena pausa reflexiva - a situação de você e Nikolai é um tanto diferente da minha. Meus algozes não tinham um rosto em qual eu depositava meu rancor, eram apenas um conjunto de seres mal intencionados que me usaram como arma. Mas vocês dois... vocês tem rostos e nomes em escritos em suas cicatrizes, nada disso será fácil para vocês.

- Obrigada.. - respondeu ela contente por ele ter compreendido até mesmo o que Zaila não tinha percebido - as vezes eu me perguntava se eram apenas pesadelos ou se eram as bruxas em meus sonhos. Bruxas da noite tem o poder de invadir sonhos e torturar suas vítimas noite após noite, até a exaustão. Depois que sua vítima morre de inanição elas recolhem sua alma.

- Agora estou contente por não poder dormir - resmungou Lazarus.

- Vez ou outra elas faziam isso comigo. Por diversão é claro, não fazia sentido matar sua própria serva - disse a druida.

- E você teme que esses pesadelos atuais sejam causados por elas agora que nos aproximamos? - indagou o clérigo.

- Não, sei reconhecer quando são elas na minha cabeça. Esses pesadelos são apenas autossabotagem.

- Vai causar sua própria inanição se continuar a se preocupar dessa maneira - disse a voz de Nikolai.

- Porque não volta a dormir?! - resmungou Zaila irritada.

- Tentei. Mas é difícil quando se tem os sentidos aguçados como os meus e com vocês não calando a boca - retrucou Nikolai se sentando também - se Lazarus tivesse respiração, iria ser um inferno para pegar no sono com ele acordado a noite toda.

Lazarus apenas deu de ombros. Zaila sentiu-se mais retraída sobre expressar seus pensamentos e sentimentos ao solícito clérigo agora com Nikolai acordado. Talvez fosse porque ela acreditava que Nikolai não levava nada a sério e faria piada com assuntos que para ela eram sérios, mas bem no fundo ela sabia que era porque se importava muito com a opinião de Nikolai sobre ela.

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