Vinte e Dois

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Ele

O dia mal começou e eu já queria dar um grito.

Meu celular, pousado na cômoda, tocou lá pelas cinco horas da manhã, infelizmente, despertando-me da névoa do mundo dos sonhos. Bela, toda encolhida, com a cabeça em meu peito e o braço circundando minha barriga, mexeu-se, também acordando.

–– Parece que o dever te chama, senhor Wayne –– sussurrou.

–– I'm Batman –– proclamei, imitando a fala do personagem. Atendi à ligação. –– Sebastian.

–– Bom dia, Sebastian –– disse um investigador conhecido do outro lado da linha, parecendo animado. –– Tenho uma má notícia para te dar.

Pisquei algumas vezes para tentar acordar.

–– Deixa eu adivinhar... Homicídio.

–– Duplo –– adicionou, ainda contente, e sem dar mais detalhes. Sério, qual o problema desse homem?

Arregalei os olhos, já pensando no trabalhão que me esperava.

–– Duplo? Droga. Já estou indo. Vou tentar chegar em no máximo quarenta minutos com minha auxiliar. –– Desligamos. –– Por que as pessoas gostam tanto assassinar os outros na madrugada? –– questionei a mim mesmo, frustrado. A escuridão da noite não vai impedir que eles não sejam identificados. Dei um beijo na testa de Isabela e levantei da cama quentinha. –– Preciso ir.

–– Tá bom... –– murmurou, levando o edredom até o pescoço. Por conta da pouca luminosidade, eu mal conseguia ver seu rosto. –– Toma cuidado no caminho... –– Um segundo depois ela adormeceu de volta.

–– Também te amo. –– E sorri antes de sair. Por ela e por minhas filhas eu tomo todo cuidado do mundo.

Liguei para Aurora em seguida, informando o ocorrido e pedindo que se arrumasse rápido. Depois fui correndo pelas ruas desertas para casa, para organizar meus equipamentos e os itens de higiene, tomei um banho extremamente veloz, e escovei os dentes, rezando mentalmente que as vítimas não fossem mulheres ou crianças, e saí porta a fora. Não que nós homens mereçamos morrer, mas quando as vítimas são mulheres e crianças sempre fico bastante abalado. Normalmente são homicídios cruéis, muito mais que os contra homens.

Aurora me esperava na entrada do prédio de quatro andares, quase ao lado do único hotel da cidade.

–– O que temos para hoje? –– questionou assim que se sentou no banco passageiro.

–– Duplo homicídio –– respondi.

–– Que delícia –– ironizou, passando o cinto de segurança no torso.

Eu ri, não tinha como me conter. O humor ácido de minha auxiliar é muito parecido com o meu e gosto demais disso. Girei o volante, visando o horizonte com discretos tons de laranja. O alvorecer na cidade sempre foi lindo, tanto que inspirou o nome da fábrica de Bruno, o irmão de Dante.

Já na pista, acelerei, com a atenção redobrada na estrada, que finalmente ganhava claridade por causa do amanhecer, enquanto Aurora lia um livro grosso com a capa rosa e se acabava na gargalhada. Seu riso é estranho, engraçado e gostoso ao mesmo tempo, do tipo contagiante.

–– Eu amo esses livros de comédia romântica –– disse, virando a página. –– A Luna tem dezenas. De vez em quando pego algum para me distrair. No início não dou nada pela história, no final ou chorei muito ou ri muito.

–– Quem gosta também é a Cami –– falei, relembrando de uma vez que passei na frente de sua casa em um domingo à tarde e Camila estava lendo algum volume de Os Bridgertons na calçada. Não me julgue por conhecer. Isabela postou nos stories do Instagram dias atrás que terminou a leitura da série literária e que mal via a hora de assistir à segunda temporada da série de TV baseada nos livros. E aparentemente o grupo formado por Isabela, Camila, Vivian, Ana Júlia e Cristiana vive trocando livros entre si, já que encontrei alguns na casa de Bela com os nomes de todas as outras. Um deles, de Vivian, me chamou muito à atenção. A garota da capa usava um vestido branco e um all star vermelho, e na sinopse dizia que ela tinha viajado no tempo por um celular, do século vinte e um para o século dezenove. –– Mas ela é fã mesmo de As Crônicas de Gelo e Fogo.

#2 - Logo Após Você PartirOnde histórias criam vida. Descubra agora