Vinte e Seis

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Ele

Na segunda-feira cheguei na rodoviária do município vizinho com as meninas, ainda sonolentas, por volta de seis e vinte, e Milena já estava lá, em pé em um cantinho da plataforma três, atrás de uma mala enorme de viagem e com uma mochila preta nas costas, vestindo um cardigã cinza e calça jeans. O longo cabelo castanho e com nuances acobreadas, preso em uma trança, descia por seu ombro direito.

Meu coração se apertou quase que ao ponto de sumir quando Rebeca e Gabriela, bem tristinhas, se desvencilharam de mim e correram para abraçar a mãe, ambas agarrando-se nela com toda força que possuem em seus corpinhos, como se fossem capazes de se fundir à mãe.

Aproximei-me devagar das três, colocando as mãos nos bolsos frontais da calça. Minha ex-esposa, sem tirar os olhos dos meus, levantou-se com Gabi no colo, que fungava em sua clavícula, os bracinhos finos rodeando seu pescoço. Rebeca não chorou, apenas ficou com o cenho franzido enquanto apertava a mãe pela cintura.

–– Obrigada por trazê-las –– falara a mim, erguendo a mão para segurar a minha.

–– Por nada. –– E somente a estudei concentrado enquanto entrelaçava nossos dedos. Ela estava com uma maquiagem que realçava seus traços, havia ganhado um pouco de peso, e o cabelo, sem frizz, brilhava... Fisicamente ela parecia bem. Muito bem, na verdade.

Entretanto, mentalmente era outra história. Uma história que eu queria saber em detalhes quando ela se fosse e deixei isso bastante claro por mensagens no final de semana anterior.

–– Não vai, mamãe –– pedira Gabi, com a voz chorosa. –– Pufavô.

–– Ô, meu amor –– disse Milena, balançando-se levemente com nossa filha nos braços, como fazia quando ela ainda era um bebê de colo. –– Vou estar de volta o mais rápido possível. Vocês não vão nem perceber minha ausência. Só preciso de um tempo para ficar melhor.

–– Pomete? –– Gabi quis saber, fazendo um biquinho.

–– Prometo. Quero que obedeçam ao papai –– pedira, afagando a cabeça de Rebeca. –– Comam bem direitinho para não adoecer, brinquem muito e não briguem. Vocês devem sempre cuidar uma da outra.

Rebeca, com os olhos úmidos, assentiu, já Gabriela fungou outra vez.

E apenas ficamos em silêncio.

Em alguns poucos minutos seu ônibus estacionou na plataforma, e a porta se abriu. Os passageiros que vieram nele desceram, cada um pegando seu rumo, e uma nova pequena fila se formou velozmente, esperando o motorista abrir o bagageiro e liberar a subida.

Já era a hora de ela ir.

Me aproximei ainda mais, as estreitando em meus braços, sentindo aquela mesma necessidade visceral de proteger Milena a todo custo, e não a deixar ir para lugar algum, sem me importar se ela iria me odiar de novo, porém, em vez disso, apenas fechei os olhos, consternado, orando mentalmente que ela viajasse em segurança.

E ficasse bem. Totalmente bem.

Fatalmente as libertei do abraço. Enxugando as próprias lágrimas com o dorso da mão, Milena me passou Gabi, deu um beijo rápido na bochecha das duas, deu mais um no meu rosto, e reuniu a bagagem, entrando no final da fila. E foi ali que meu coração se estilhaçou completamente.

Se tem uma coisa que odeio mais do que tudo é me despedir de quem gosto. Eu sabia que no caso de Mi não era para sempre, como foi com minha irmã, mas ainda assim, doeu.

Doeu vê-la subir naquele ônibus.

–– Se cuida, Mi –– sussurrei, com as nossas filhas agarradas em mim, ambas finalmente entendendo que a mãe ia embora e começando a chorar copiosamente.

#2 - Logo Após Você PartirOnde histórias criam vida. Descubra agora