Trinta e Um

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Ela

Passado

–– Isabela, podemos conversar um minuto na minha sala? –– perguntou Soraia, a diretora do hospital particular no qual ela acabara de conseguir uma vaga, parada à porta de sua salinha. –– Preciso te inteirar em alguns assuntos.

–– É claro –– E Isabela ergueu-se da mesa pequena, levando consigo uma prancheta com algumas folhas presas. Fazia anotações sobre uma paciente com intolerância à lactose que se consultara com ela no dia anterior.

Ambas caminharam pelo corredor longo e entraram no elevador, indo até a sala da direção, que ficava no décimo sexto andar. De lá dava para ter uma boa vista da metrópole, e do lado de fora, a gritaria de uma feira perto, assim como de buzinas pela avenida, era bastante perceptível.

–– Ainda preciso te mostrar algumas fichas na administração de alguns pacientes que você vai atender nas próximas seman... –– Foi dizendo Soraia quando ambas adentraram o lugar, contudo, ela parou ao vislumbrar algo pela visão periférica. Ela virou-se para a janela, e os olhos se arregalaram tanto que quase foi possível eles saltarem das órbitas. –– Ai, meu...

Isabela virou-se na direção da janela alta, seguindo o olhar aterrorizado de sua superior. E o que ela viu nos três segundos a seguir além de também a ter aterrorizado, a marcou para sempre e ainda hoje a faz ter pesadelos.

Um avião de médio porte, daqueles que devem levar umas trezentas pessoas e que até então deveria ter pousado em segurança no aeroporto a alguns quarteirões dali assim como todo e qualquer avião, ao que parecia, se encontrava com várias turbinas pegando fogo simultaneamente e descia descontrolado do céu numa velocidade impressionante, ficando cada vez mais próximo dos prédios que rodeavam o hospital.

–– Ele vai cair! –– gritaram as duas, correndo até a larga janela e se debruçando no parapeito interior, onde vasinhos com plantinhas artificiais estavam dispostos, enfeitando o ambiente.

Soraia abriu o vidro e o barulho ensurdecedor que vinha das turbinas em chamas terminou de deixá-las em pânico.

–– Ai, meu Deus –– reiterou a chefe no exato instante que o avião fatalmente colidiu contra um prédio alto. O estrondo foi tão forte que o hospital inteiro estremeceu com força e elas se desequilibraram.

Isabela, em estado completo de choque, piscou algumas vezes, engoliu em seco sem parar, suou frio e mal conseguiu respirar, ficando a ponto de desmaiar, enquanto via o desastre se desenrolar diante de seus olhos. Isso não pode estar acontecendo, repetiu em sua cabeça diversas vezes, observando a nuvem de poeira tingir o céu de cinza e o fogaréu que vinha da construção colossal e do avião que acabara de cair ali brilhar num tom vivo de laranja por entre a mancha acinzentada.

Então ela percebeu algo. Que a deixou ainda mais aflita.

Ela conhecia aquele prédio. Ele ficava... ao lado de um posto de gasolina que ela costumava ir. Pois levava o almoço para o pai lá, todos os dias nos últimos seis anos.

Aquele prédio estava ao lado do posto onde seu pai trabalhava.

Com as mãos trêmulas e com o coração batendo rápido e alucinado, Isabela sacou o celular do bolso e discou o número do pai.

–– Atende, atende, atende –– pediu, numa prece, levando o aparelho até o ouvido enquanto andava de um lado para o outro na sala. Sirenes ruidosas soavam cada vez mais perto na cidade, fazendo seus ossos gelarem. –– Atende, papai, por favor. Atende! Atende!

–– Ah, meu Deus –– Tornou a falar sua superior, com uma mão no coração e a face coberta de lágrimas, com o olhar fixo na nuvem de fumaça.

–– Não foi possível completar sua chamada –– A voz roborizada dissera do outro lado. –– Mantenha-se na linha para... –– Isabela encerrou a ligação, discando novamente o número do pai.

#2 - Logo Após Você PartirOnde histórias criam vida. Descubra agora