Cinco

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Ele

Eu detesto esse babaca!, pensei enquanto vestia de qualquer jeito uma regata branca e procurava pelos chinelos. Precisava sair de casa antes que fizesse alguma besteira. Tipo pegar o Gregory e bater com a cabeça dele na parede diversas vezes até se rachar.

Ou jogá-lo no canal ali do lado, o que era mais provável.

Meu irmão me enfurecia tanto que nem sei dizer. Era dissimulado e desonesto, sempre colocando-me contra nossos pais com historinhas mentirosas e um tanto fantasiosas.

O pior de tudo era que eles sempre acreditavam na palavra dele e não na minha. E eu ficava olhando para os dois embasbacado, sem crer no quanto eles passavam a mão na cabeça de Gregory. Por isso ele era imaturo daquele jeito.

Cogitei enquanto caía fora de casa que qualquer filho caçula normalmente tem esse poder, de fazer a cabeça dos pais com um olhar reluzente de inocência e fazer o irmão parecer o vilão errado mesmo não sendo. Um dia ainda vou pra bem longe daqui, pensei revoltado.

Serpenteando as ruas, entrei na longa Avenida Ana Costa, caminhando sem pressa debaixo do sol que castigava a região sem pena. Só não virei um camarão de 1,83 por conta do protetor solar fator 70, que eu sempre passava antes de sair e carregava no bolso da bermuda.

Já próximo da Praça da Independência, parei por alguns instantes na frente da livraria Martins Fontes, observando a vidraça cheia de novidades e exemplares em promoção. Como um fã assumido do mestre King, babei por um longo tempo por uma de suas obras-primas que eu ainda não havia comprado. Resolvi, então, dar uma entrada no lugar, fresquinho graças ao ar-condicionado.

A vendedora, que já me conhecia faz tempo de tanto que eu ia até lá, fora supereducada, mostrando-me todos os livros de suspense e sobre crimes que encontrara pela frente e acabei comprando três dos que ela pegara: Sob a Redoma, O Colecionador de Ossos e American Crime Story: O Povo Contra O.J Simpson. Sempre tive um certo fascínio por suspense e casos criminais. Pedi que ela guardasse os volumes até eu retornar do festival, que acontecia cerca de duzentos metros dali em linha reta.

Dava para ouvir o som dissonante de alguma música eletrônica bem ruim já de longe. Contudo, o pessoal parecia não se importar muito com a qualidade da música. Seus gritos animados ecoando pela orla me fizeram sorrir um pouco. Era disso que eu precisava para esquecer. Diversão.

Atravessei a última avenida e corri pela areia, sentindo os grãos se grudarem nos dedos. Feliz com a liberdade, fechei os olhos por apenas um momentinho e acabei trombando em algo um segundo depois.

Assustado, tratei de descerrar as pálpebras. Não era bem algo.

Era alguém.

E foi ali que vislumbrei a garota mais linda de toda face da Terra à minha frente, de bunda no chão e com a confusão faiscando dos olhos castanhos. Sua pele negra, em um tom de marrom quente, cintilava por causa da luz, transformando-a numa espécie de ser etéreo, vindo de outra dimensão para acabar com minha sanidade com toda aquela sensualidade esmagadora.

Sacudi a cabeça, tentando desanuviar meus pensamentos lascivos, e tratei de acudi-la. Perguntei se eu a havia machucado e ela, se equilibrando novamente, negara. Contudo, com a proximidade, dava para notar um pouco de tristeza navegando naqueles olhos tão fascinantes e, estupidamente, lhe falei algo sobre isso. A garota se mostrou ainda mais desconcertada, talvez se perguntando se tinha ouvido direito o que eu falara e não me respondera, escolhendo inclinar a cabeça para o lado.

Estávamos com o corpo tão perto que eu poderia beijá-la facilmente, se assim quisesse. Só que, algo nela, em sua feição e em sua linguagem corporal, me dizia que era melhor eu não tentar nada ou iria me arrepender. Tinha um certo perigo exalando dela, alertando-me para ficar longe.

#2 - Logo Após Você PartirOnde histórias criam vida. Descubra agora