Ele
Sexta-feira chega com tudo. Tão gelada que nossa respiração congela quando expiramos o ar e a chuva está tão forte que ouvimos até o vento uivar lá fora. Que Deus nos ajude se alguém resolver matar alguém hoje ou no final de semana.
A semana passou feito um raio. Greg voltou para a capital na quarta-feira à tarde. Ele e as meninas, no cair da noite de terça, bagunçaram e gritaram demais, brincando e correndo pela casa. E ele cuidou das duas na madrugada para que eu pudesse ajudar Isabela, ainda fraca e bastante dolorida, na casa dela. Vou lhe ser grato por isso por toda a vida.
Já pelo resto da semana me dividi entre o trabalho e entre cuidar de Bela e das meninas, além de continuar monitorando Milena por ligações e mensagens. Com minha ex-esposa está tudo bem – ou pelo menos ela finge muito bem. Não sei como ela se sente mentalmente. E de toda forma, mesmo falando com ela sempre, continuo com aquela sensação incômoda de que algo está errado. Ou que vai dar errado.
E isso me deixa puto, frustrado e estressado, com receio constante de receber alguma notícia ruim sobre ela a qualquer momento.
–– Tá tudo bem? –– Aurora quer saber. Ela está em pé no laboratório, com as mãos na cintura, me encarando fixamente. Seu cabelo hoje está solto, caindo em caracóis largos até abaixo dos ombros. –– Tá olhando pra essa tela faz mais de vinte minutos.
–– É isso o que me preocupa, não sei se está mesmo tudo bem –– digo, girando na cadeira para ficar de frente para minha assistente.
Ela pende a cabeça para o lado, confusa.
–– A mãe das suas filhas? –– inquire.
Confirmo com um breve aceno. Essa é uma das coisas que mais gosto na minha amizade e parceria profissional com Aurora, o quanto nos entendemos. A vejo como uma irmã mais nova e sei que ela me vê como um irmão mais velho, aquele que vai quebrar no cacete qualquer um que lhe queira fazer algum mal.
E não estou brincando, realmente faria isso por ela.
–– Desde antes de ela ir tenho uma sensação chata pra caralho de que algo ruim... –– inicio.
–– Pode acontecer com ela lá –– finaliza meu pensamento. Confirmo outra vez. Aurora senta-se na outra cadeira giratória.
–– Isso me tira o sono –– falo.
–– Você esqueceu que minha irmã caçula também foi pra lá? –– Ela sorri um pouco, girando devagar. –– Também tenho esse medo, Sebastian. De que algo ruim aconteça com a Luna. Mesmo ligando para ela todo santo dia, morro de medo de receber alguma ligação com alguma notícia sobre ela que vá acabar comigo. –– Aurora firma os pés no chão e para de girar na cadeira.
Tá vendo? É disso que estou falando. É como se ela soubesse o que penso.
–– E vendo o caso de Esther... esse medo só aumenta –– prossegue, balançando a cabeça com incredulidade. –– A garota foi traficada, cara. E infelizmente isso é algo muito comum de ocorrer. Não consigo nem imaginar o tanto de coisa que fizeram com ela. Sequestro e tráfico, relacionamento abusivo, violência sexual e física... São "apenas" algumas das coisas que nos acontecem. A maioria de nós já sofreu com algum tipo de violência, infelizmente. Muitas ainda vão sofrer. –– Ela abaixa os olhos e toca levemente a cicatriz acima do lábio. –– Meu pai fez isso comigo quando... quando falei para a Luna que... que estava apaixonada por uma vizinha nossa. Ele ouviu atrás da porta. Entrou no quarto com tudo. E me bateu tanto, mas tanto... Eu só tinha catorze anos. É por isso que amo tanto a Luna, sabe... –– Aurora ri baixo. –– Ela pegou uma frigideira quente na cozinha e voltou correndo para o quarto, a batendo na cabeça dele enquanto ele me espancava. Ela o machucou para me defender. Depois disso prometi a mim mesma que ia fazer o possível para sair daquela casa e levar ela embora comigo. E eu consegui.
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#2 - Logo Após Você Partir
RomanceSequência de "Antes Que Você Vá". ____________________________________________________________________________________ Isabela Farias, uma solitária nutricionista infantil, leva uma vida corrida, sem ter tempo algum para organizar sua casa e tampouc...