Seis

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Ela

O dia amanheceu um pouco frio e totalmente nublado.

Da janela de sua pequena e aconchegante sala Isabela observa nuvens carregadas de chuva se moverem lentamente pelo céu, numa dança silenciosa, encobrindo toda a cidade. Ela sorri. Ainda bem que sempre deixa um guarda-chuva guardado no armário.

Faz menos de uma hora que as aulas se iniciaram. As crianças de várias idades pareciam tão sonolentas enquanto iam para suas respectivas salas que ela duvidou que prestariam atenção em algo até o primeiro intervalo, dali cerca de duas horas e meia.

Como fez a ficha alimentar de quase todas as crianças especiais na semana anterior, hoje somente há algumas poucas para terminar. Finalizará tudo antes do horário de almoço e levará até a diretoria para que eles agilizem o quanto antes. No período da tarde precisa conversar com os pais de um garotinho autista sobre sua alimentação, além de estudar sobre os alimentos que uma aluna nova que possui fenilcetonúria pode ou não comer.

Na faculdade um dos professores falava bastante dessa doença. É muito rara e sem cura, sendo descoberta desde o teste do pezinho, e deve ser acompanhada exaustivamente do nascimento à vida adulta. Pelo que se lembra das aulas, os portadores de fenilcetonúria não conseguem metabolizar a fenilalanina (um aminoácido essencial para o organismo) no corpo porque o excesso dessas moléculas no sangue se transforma num ácido que exerce função tóxica em vários órgãos, especialmente no cérebro. Sem o tratamento adequado a criança terá retardo mental, hiperatividade, convulsões e mais. Isabela franze a testa. É muito sofrimento para alguém aguentar a vida inteira, pensa. Ainda mais enquanto é criança. Em todos os poucos anos trabalhando como nutricionista, nunca havia conhecido alguém com essa doença e mal vê a hora de iniciar os estudos...

Sua mente divaga por um segundo. Sebastian perguntara na tarde anterior sobre deficiência de vitamina B12 no organismo. Quando ela lhe respondera, ele apenas agradeceu e sumiu, provavelmente ocupado no laboratório. Será algo sobre o caso no qual trabalha? Só pode ser. Foi repentino e aleatório, ainda mais depois do que aconteceu no almoço. Depois ela precisa mandar uma mensagem para saber se as informações que passara o ajudaram de alguma forma. Se ele não responder novamente, é porque prefere manter distância...

O telefone toca. O som estridente ressoa pelo ambiente, fazendo-a voltar a atenção para seus afazeres.

–– Sim? –– pergunta.

–– Enfermaria –– fala alguém com urgência. Ela reconhece a voz de Carla Brito, a vice-diretora.

–– A caminho. –– E desliga.

Isabela relanceia a tela do celular. Nove e quinze da manhã. Se deve se encaminhar até a enfermaria, no final do corredor, só pode ser algo grave. Alguma criança passou muito mal. Pegando com pressa algumas folhas para anotação, prancheta e caneta azul, sai desvairada pela porta, quase topando com a vice, que acabara de lhe interfonar.

–– O que aconteceu? –– pergunta para a mulher de mais de cinquenta anos. As duas caminham apressadas pelo longo corredor.

–– Uma das crianças desmaiou na aula de educação física –– responde. –– O próprio professor a trouxe no colo.

Desmaio é comum, porém ruim. Pode ser causado por doenças cardiovasculares, distúrbios metabólicos, uso de medicamentos e "N" motivos. Espera que não seja nada sério.

Ambas rompem pela sala da enfermeira. Qualquer criança que seja levada até ali deve ser examinada com o acompanhamento de pelo menos três outros adultos. Estes devem se certificar de avaliar cada caso e comunicar os pais imediatamente.

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