Trinta e Seis

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Ela

Não.

De novo, não.

Uma fusão de lembranças desagradáveis rodopia em sua mente agora, a ponto de fazê-la ver tudo girar. E o ar...

O ar simplesmente a abandona agora, quando ela mais precisa. É como se tivesse quinze anos outra vez. É como se estivesse sendo encurralada de novo. Ela é capaz até de sentir... as mãos... em... seu...

Neguinha.

Macaquinha.

Cabelo ruim.

Preta desgraçada.

Era assim que ele e seus dois amigos tão asquerosos quanto ele próprio a xingavam na escola, quase todos os dias. Nem se ela pudesse esquecer o abuso e o tanto que foi humilhada e importunada por eles por meses, conseguiria. É algo que a marcou. É como uma cicatriz que nunca será fechada e curada, por mais que ela tente.

Isabela, num desespero cego, com o coração aos pulos e sem respirar direito, tenta se esconder atrás de Sebastian, porém ele é bem mais rápido e se põe à sua frente de modo protetor, impedindo que aquele homem nojento a continue encarando e perguntando em um timbre assustador se é ela mesma. Se é ela, a Isabela da escola.

É você, não é? A garota que eu persegui e molestei junto com meus amigos em uma viela perto da escola? Ah, eu bem que pensei que fosse você mesma...

Filho da puta.

Por Deus, esta cidade é enorme e com milhares de habitantes! Como pôde reencontrá-lo após tantos anos? E não é nenhuma surpresa vê-lo algemado em um departamento de polícia. No fundo, sempre esperou por isso. E os outros? Tiveram o mesmo destino? Que tenham tido. É o mínimo que merecem.

–– Vamos, sua nova vida no xilindró te aguarda –– Ela ouve a voz do cunhado, Gregory, que arrasta aquele verme desgraçado para o lado oposto do dela e de Sebastian, ainda bem.

Não sabe o que faria se o visse por mais dois segundos que fossem.

–– Bela? –– Sebastian se vira para ela com mais preocupação ainda nos olhos claros, quando o irmão leva aquele saco de estrume embora. –– Que história é essa? Você o conhece da escola?

Ela assente e fica em silêncio por alguns segundos, tentando processar toda a situação que acabara de ocorrer. É inacreditável.

Quando finalmente consegue deixar o passado no passado... O passado retorna com tudo, como um tsunami arrasando toda uma cidade.

–– Infelizmente sim. –– Isabela, por fim, consegue puxar o ar para os pulmões e o solta de uma forma um tanto quanto ruidosa. Aliviada, até. –– Tem uma coisa que preciso muito te contar –– diz ela, agora engolindo em seco com dificuldade, como se tivesse um punhado de areia na garganta. Não pensou que essa hora um dia chegaria. –– Mas não aqui.

Como a conhece bem, ele entende que é algo difícil para ela de falar, e consente, entrelaçando seus dedos nos da namorada de jeito carinhoso e a levando para longe daquele lugar. Precisam ficar a sós por um momento.

–– Tudo bem. Vamos embora. –– E passa um braço em seus ombros, a guiando para fora do prédio imponente. Ela está arrepiada.

Já do lado de fora, Sebastian abre a porta do carro para que ela entre e se acomode. A temperatura está baixa na capital, ainda mais por ser inverno, e Isabela não usa nenhuma blusa de manga longa, como sempre. No banco de trás, ele pega um moletom preto seu e lhe entrega. Ela ainda treme, contudo, ele sabe que não é por causa do vento gelado. Sebastian liga o aquecedor para esquentar o veículo e se vira para a mulher, que o mira por um tempo antes de dizer o que precisa.

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⏰ Última atualização: Aug 01 ⏰

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