IV

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A Shadow-989, nave de Alpha, aterrissou na enorme pista de decolagem próxima da base central de operações da L.D.A.

Um enorme prédio circulado por várias pequenas torres se erguia, destacando-se entre a selva em torno do local. Enquanto desciam a rampa da nave — suas mãos estavam presas em algemas —, Mazu sentiu pela primeira vez desde que fugira de Volair-C o aroma da natureza. A brisa da noite balançava as copas das árvores ao redor, todas iluminadas pela luz de três luas.

Muitas outras naves estavam espalhadas na zona de aterrissagem e decolagem. Algumas voavam em direção ao céu escuro; outras chegavam recheadas de criminosos cabisbaixos, provavelmente arrependidos de seus crimes. Muitos outros agentes podiam ser vistos perambulando pela pista. No entanto, Space Hunter era o único trazendo consigo um estelar, por isso todos os olhares estavam focados no agente usando capacete escuro e o ser dourado, enquanto andavam em direção ao prédio da L.D.A.

Quando passaram pela recepção, os olhares de agentes e até mesmo de criminosos continuavam a acompanhar Mazu e Space Hunter.

O local era enorme e estava repleto das mais variadas raças. Mazu nunca vira tanta diversidade em toda sua vida. Seres de três cabeças, cinco braços, baixos, altos, médios. Até mesmo robôs transitavam normalmente; alguns eram parte da L.D.A, outros apenas criminosos.

Subindo as escadarias que levavam até a entrada da base, Mazu deparou-se com um ser nas mesmas circunstâncias que ele. Algemado e sendo guiado por um agente. Uma cauda descia pelas costas do ser, que era esguio e tinha as costas curvadas; a pele, roxa, destacando-se entre suas vestes escuras (e rasgadas). Os olhos eram bonitos e, em certos momentos, piscavam, revelando um par de pálpebras horizontais. Raiva era perspectível na face do ser.

— Você... — Sussurrou ao ver Mazu.

Mazu arqueou as sobrancelhas.

— O escolhido... Você... — Calou-se ao levar um tapa do guarda que o guiava. O estelar notou que, na região frontal do braço do ser, estava estampado o desenho de um círculo com diferentes punhos fechados levantados para cima. Era um símbolo.

Alpha continuou a puxar Mazu escadaria acima, ignorando o ser.

No centro do salão de recepção da base, o holograma das siglas L.D.A flutuava acima dos dispositivos que despejavam jatos de água para cima, formando vários arcos em volta da pequena piscina circular, que Mazu identificou como um belo chafariz.

— O que significa L.D.A?

— Liga defensora de Aurora — Alpha o respondeu, não demonstrando quaisquer sentimentos na voz.

Mazu faria um comentário, mas se conteve.

Livraram-se dos olhares curiosos quando entraram em um dos dez elevadores espalhados pela recepção.

Ao invés de subir, o elevador desceu em uma velocidade moderada. O visor acima da porta metálica exibia números que se alteravam a cada vez que passavam por um andar em direção ao subterrâneo da base.

Quando o número 0 se acendeu no visor — além do idioma, todas as raças de Aurora aprendiam uma mesma sequência de números para interagirem um com os outros. Todas as instituições governamentais de Aurora usavam a forma padrão de números —, o elevador encerrou sua jornada. No entanto, as portas não se abriram. Uma voz robótica, desta vez masculina, falou:

— Área restrita. Por favor, identifique-se.

— Agente Space Hunter solicitando acesso ao andar subterrâneo.

— Solicitação concedida.

A porta metálica se repartiu em duas, revelando um corredor com várias portas nada chamativas. Eram revestidas de um metal resistente o suficiente para aprisionar seres poderosos.

Alpha guiou Mazu até a porta do lado direito do corredor, que se abriu automaticamente quando o agente se aproximou. Mazu se viu obrigado a entrar naquela sala, pois as mãos de Alpha estavam em suas costas, o empurrando devagar.

Em contraste com as paredes cinzas, um banco de cores mortas estava no meio da sala. Não precisou que Alpha lhe dissesse o que fazer, Mazu apenas sentou. A única lâmpada da sala, grudada acima da cabeça de Mazu, no teto, era na verdade uma câmera.

A porta se fechou e Alpha parou até estar diante de um príncipe desanimado. Sem bancos para o agente, mas ele não pareceu se importar.

— Isso pode ser resolvido de uma maneira rápida, tudo o que peço é honestidade. Não é isso que vocês estelares prezam além da honra? — Ele começou, tirando seu capacete.

— Acredite, se eu tivesse algo a contar, eu não hesitaria em ajudar — Mazu falou.

— Então me conte o que sabe.

— Eu não sei porque estão me caçando.

— Mas fugiu quando me viu chegar — Alpha lhe lançou um olhar desconfiado.

— Desde o momento em que deixei meu lar, tudo o que fiz foi fugir.

— Porque fugiu de seu lar? — Alpha indagou.

Mazu olhou para Alpha, com os olhos arregalados. O príncipe percebeu que abriu uma  brecha para que o agente invadisse o lugar onde guardava seu maior arrependimento. Tentaria fugir da conversa, claro. Mas algo no olhar de Alpha dizia que ele não desistiria até ter as respostas, seja qual fossem elas. Tarde demais.

— Eu… — Mazu começou, mas sua voz falhou; a raiz da culpa afrouxou-se em seu coração palpitante. — Cometi erros e decepcionei meu povo.

— Todos cometemos erros — o agente falou, ainda mantendo seu tom sério. — Quero saber o erro que conecta você a esta situação.

— Eu não sei — Mazu olhou para o chão.

Alpha tentaria torturar o príncipe com mais perguntas pessoais, afinal este era seu trabalho, escavar o interior de uma pessoa até encontrar os segredos mais sujos, enterrados como cadáveres. E caso não desse certo, iria torturá-lo fisicamente. Aquele maldito estelar teria que lhe dizer algo. Não confiava nem um pouco em estelares.

— Já ouviu falar do culto de Tenebris?

O olhar do príncipe se ergueu até encarar a face de Alpha.

— Tenebris está morto.

— Conheço as lendas da Grande Guerra — disse, mesmo não acreditando na religião estelar. — Ele está morto, mas seus seguidores não.

Mazu continuou o olhar, ainda não acreditando no que estava escutando.

— Não há datas de como surgiram ou onde se escondem — Alpha começou a andar em círculos ao redor de Mazu enquanto falava —, eles são como fantasmas, ninguém os vê, mas estão sempre presentes. Por anos, cometem atrocidades pela galáxia, matando milhares de seres, tudo em nome de…

— Tenebris — Mazu completou de forma sombria.

— Descobrimos recentemente que o culto está trabalhando em uma arma poderosa o bastante para subjugar raças inteiras — Alpha parou diante de Mazu novamente.

— Estão seguindo o que Tenebris os ensinaram. Para ele, apenas a dominação importava.

— Alguns de seu povo também seguiram pelo caminho de Tenebris, não? Um dos deuses da religião de seu povo.

A pergunta atingiu Mazu como uma adaga no coração. Lembrou-se quando sua mãe falara sobre os caminhos obscuros que um estelar poderia seguir.

— Não faço parte desse culto, se é isto que esteja querendo dizer — Mazu o encarou.

Dentre as consequências de trabalhar por anos caçando criminosos, uma delas era aprender a ler a expressão de um ser. Não importava se tinham diferentes formas de rosto, todos agiam da mesma maneira. Alpha conseguia identificar perfeitamente o que Mazu estava sentido. Olhar cabisbaixo, às vezes levantados em uma dose repentina de coragem e choque;  pálpebras levemente abaixadas, demonstrando cansaço; e voz trêmula, mas não hesitante. Mazu escondia algo, todos escondiam, afinal de contas.

Como se cientes da conclusão do agente, um ruído rápido ecoou pela sala. Alpha se retirou, deixando o príncipe sentado no banco.

STARBOY ✩ O Chamado | VOL. 1Onde histórias criam vida. Descubra agora