VI

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O mundo acima da base subterrânea era amarelado. Crianças norinianas brincavam de pega-pega com os pés descalços na areia. Vendedores ambulantes andavam para todos os lados em uma explosão de vozes implorando que alguém cobrasse suas mercadorias baratas. Aos olhos dos pedestres, os vendedores eram como simples mosquitos que poderiam ser ignorados. Todos apenas seguiam em frente, como a água de um riacho atravessando uma pedra.

Além das vozes e músicas altas, as naves rugiam como dragões acima das ruas, deixando rastros de fumaça por onde passavam. Nas sacadas superiores dos prédios em volta das ruas, moradores usavam panos para cobrirem seus narizes. A poluição era grande demais para ser absorvida. Enquanto as múltiplas naves que percorriam acima das estradas da cidade cobriam parcialmente o sol repetidas vezes, a grande muralha, visível até mesmo entre os prédios, separava as águas do resto da população.

Lá era Wongor, o planeta-natal de Qui-va. Estar habituada ao ambiente quente e poluído do lugar que ela tanto amava não significava que ela concordava com tudo aquilo. Um dia, ela prometera mudar não apenas Wongor, mas também Aurora. Uma galáxia sem muralhas dividindo as raças. Doce sonho.

Assim como Mazu e Alpha, Qui-va estava com um pano enrolado em sua cabeça. Nenhum deles queriam ser reconhecidos, principalmente pelas autoridades. A cabeça de cada um deles estava valendo vários auros.

Mazu, Qui-va e Alpha percorriam pelas ruas a passos apressados. Contornaram uma esquina movimentada e passaram próximos de um canal. Haviam barcos abandonados, porém ainda atados em cordas, esperando o dia em que seus capitães retornassem para mais uma viagem. Que viagem poderiam fazer sem água? Mazu aproximou-se da cerca que delimitava a estrada arenosa do canal de água e se deparou com rachaduras profundas no solo amarelo no fundo do que um dia fora um canal rico em H2O.

— Os canais de Wongor não vêem água há muito tempo — comentou Qui-va, caminhando em frente a Alpha e Mazu como se fosse uma guia turística.

— Como vocês bebem água por aqui? — Indagou Mazu, pensativo.

— Eles vendem para nós nossa própria água — Qui-va observava o canal seco, imaginando como era quando as águas percorriam onde naquele momento só havia seca e barcos abandonados. — O governo faz isso com muitos outros povos.

Percorreram por três quarteirões até chegarem ao limite da cidade. No caminho a seguir não havia nada além de quilómetros de areia e uma construção titânica. A grande muralha. Quando vira a muralha quando chegara a Wongor, não imaginara que fosse tão gigantesca. Era maior do que qualquer edifício que ele vira ao longo de sua jornada por Aurora.

Ali onde estavam, havia escombros do que um dia fora templos. Enormes pedaços de colunas estavam jogados no chão. Qui-va colocou-se atrás de uma coluna caída e, mantendo-se abaixada, ergueu seu corpo até que seus olhos pudessem visualizar o perímetro à frente. Apenas montes de areia e uma muralha nada convidativa. Seu tamanho era tão colossal que apesar do dia estar ensolarado, a luz solar não era capaz de iluminar a parte exposta da muralha. Tudo propositalmente construído, pensou Qui-va. Acima da muralha, canhões de plasma juntamente com guardas armados faziam a guarda regular. Pelo céu, mais naves chegavam para abastecer seus tanques de água.

Mazu e Alpha acompanharam Qui-va, agachando seus corpos atrás da coluna. Enquanto isso, atrás dos três, os seres perambulavam pelas ruas. Naquela região em ruínas da cidade, havia poucos vendedores. Tudo o que restou daquela zona foram viciados em drogas e mendigos. E claro, traficantes que trabalhavam com drogas baratas. Um dia, aquela área fora um local onde todos adoravam deuses; agora, os templos eram usados como moradia para sem-tetos.

— Ninguém nunca atravessou o deserto que separa nossa cidade da grande muralha — o olhar de Qui-va estava focado na muralha —, havia guardas armados por todos os lados, além de canhões de plasma preparados para trucidar o primeiro intruso. É um local altamente protegido. Acredite, já tentamos várias vezes. O exército de meu pai não foi o suficiente para alcançar a muralha.

STARBOY ✩ O Chamado | VOL. 1Onde histórias criam vida. Descubra agora