III

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Horas se passaram e os dois fugitivos se mantiveram calados, ainda sentados à mesa daquela lanchonete silenciosa. Mazu batia com seus dedos na superfície metálica da mesa, entediado. Levantou seu olhar e encontrou a face sem expressão de Alpha. Pela primeira vez desde que o conhecera, observou os traços de sua aparência. O príncipe sabia que a cicatriz em seu nariz e no canto de seu olho eram marcas de guerra (e também marcas de um trauma). A pele de Alpha era branca, beirando ao rosa. Os fios de seu cabelo eram negros como a noite e nunca estavam arrumados. Seu olhar, escuro e penetrante, assistia atentamente ao jornal sendo transmitido na televisão da lanchonete.

— Posso perguntar algo? — Indagou Mazu, receoso em fazer tal pergunta.

Alpha tirou sua atenção do jornal e mirou Mazu, esperando que ele prosseguisse.

— Sua raça é um mistério para mim. De onde eu venho, temos livros sobre as raças de várias galáxias. Mas a sua... Nunca vi sobre — ainda tentava procurar algum traço familiar na aparência do agente, mas sem sucesso.

— Quando Ankor me encontrou em uma nave perdida no espaço, haviam registros fragmentados nos computadores — explicou. — Os registros diziam que a nave se chamava "Terra".

— "Terra"... — Mazu parecia degustar o nome. — Isso talvez faça de você um terraquino. Ou um terráqueo. Já tentou encontrar sua raça?

— Muitas vezes. Mas, aparentemente, está fora dos limites de Aurora, em outra galáxia muito distante.

— E onde está esta nave? —Mazu perguntou, interessado.

Alpha meneou a cabeça em direção ao corredor de onde vieram — e onde estava a oficina.

— A Shadow-989? — Mazu se impressionou. — Isso é incrível.

— Fiz várias modificações nos controles e na aparência. No fim, acabou se tornando outra nave.

O príncipe se encostou na cadeira, sem mais perguntas para fazer. O tédio e o silêncio pairou por eles novamente.

— Você... — Alpha começou a falar, mas suas palavras se embolaram, então tossiu disfarçadamente e falou novamente: — Aquela estelar de mais cedo, já a viu antes?

— Nunca em toda minha vida. Nem todos os estelares se exilaram, alguns ficaram à solta pelo universo, e me dói pensar que a maioria se juntou ao culto que adora a destruição e morte. Eles são malignos, mas ainda são estelares — Mazu olhou para suas próprias mãos, imaginando sentir o poder descontrolado que sempre o assombrou. — Talvez o que você tenha dito esteja certo.

— Não tenho convívio com sua raça, e o pouco que tive, não foi algo... Bom — falou receoso; estava odiando demonstrar seus sentimentos. — Mas você... Existem os bons e os ruins, não importa a raça.

— E em qual você acha que eu me encaixo? — O príncipe olhou-o, curioso pela resposta.

Alpha abriu a boca, mas nenhum som saiu dela; não sabia o que dizer, apesar da resposta estar fixada em sua mente. Quando o mecânico surgiu repentinamente na lanchonete, Alpha decidiu não responder o príncipe. Salvo pelo momento importuno.

No entanto, não estavam totalmente salvos. O mecânico não estava sozinho, vinha acompanhado de cinco seres armados. Alpha os identificou como seres da raça Nor. Eram amarelos como as areias de onde vieram, beirando ao dourado, semelhante à pele de Mazu; a íris de seus olhos eram brancas; os cabelos, escuros e atados em longas tranças; seus corpos eram magros, mas não demonstravam fraqueza.

Alpha levantou-se da cadeira em um pulo. Mazu continuou sentado, observando-os atentamente. Ele conhecia uma das cinco da raça Nor. A mulher procurada pela L.D.A: Qui-va. Vira sua foto em um painel de transmissão no planeta Rodsu.

— Aqui estão eles — falou o mecânico.

Qui-va se manteve na frente dos seus quatro acompanhantes. Suas vestes eram da cor de areia, como se tivessem sido criadas para se camuflarem caso fosse preciso. Roupas táticas, pensou Alpha. A mulher de pele arenosa era jovem.

— Mazu e Alpha — ela falou, sem rodeios —, precisam vir conosco.

— Ou o quê? — Alpha manteve sua mão sob o coldre em sua calça.

Pressentindo um iminente conflito, Mazu levantou-se, buscando tomar controle da situação.

— O que querem conosco?

— Isso não importa — interpôs Alpha —, eles são do círculo da revolução. Não são confiáveis.

Os lábios carnudos de Qui-va se contraíram em um sorriso irônico.

— A essa altura achei que tivesse se livrado dessa visão arcaica e elitista, Alpha.

— Fale isso para as milhares de vidas perdidas em nome da sua luta — argumentou o agente.

— Laval foi apenas um dos grandes líderes desta galáxia a culpabilizar o círculo por seus próprios atos — ela explicou pacientemente. — Tudo pode ser esclarecido se vierem conosco.

— Sem chances — Alpha a respondeu duramente, ainda com sua mão próxima ao coldre onde estava sua pistola de plasma.

Diferente da presença maligna do culto, Mazu não enxergava ameaça em Qui-va. Na verdade, ele conseguia notar traços de desespero em seu olhar, como se precisasse desesperadamente de ajuda. E quem poderia ajudá-la? Quem poderia ajudá-los? Mazu? O estelar sentia-se um perigo para todos. Porém, decidiu dar uma chance à rebelde. O príncipe sabia o que Alpha achava do círculo da revolução, e não poderia julgá-lo, afinal tudo o que ele mais acreditava se revelou corrompido pela corrupção de uma força maligna. Mas, não iria deixar-se levar pelo julgamento de Alpha - ele estava errado sobre muitas coisas.

— Do que precisam? —Perguntou, ainda a olhando fixamente.

Qui-va enfiou sua mão ossuda no bolso de sua veste — Alpha pressionou sua mão no coldre da arma, atento. A mulher tirou do bolso um pequeno dispositivo esférico semelhante ao de Alpha. Pressionou-o e o deixou na palma de sua mão. O dispositivo ativou e projetou acima imagens tiradas de vários conflitos pela galáxia. Mazu assistiu atentamente.

— Aurora sempre esteve em guerra, mas a grande maioria se recusa a enxergar isso. Eles, as doze raças poderosas de Aurora, foram responsáveis pela escravidão de várias raças, pararam quando seu povo surgiu dos céus e trouxeram igualdade. Agora, eles estão planejando algo... Maior. E precisamos de sua ajuda. Você é o único estelar do universo vindo diretamente daqueles que se exilaram. Você é nossa esperança.

Nossa esperança.

O príncipe sentiu seu coração palpitar, ansioso. Desde o torneio, sua vida passou a ser baseada em escolhas avulsas e em lutas desenfreadas. Seria essa mais uma escolha errada? Lembrou-se de seu irmão, Mellak, preso sob os escombros da explosão que ele causara. Os rostos assustados de todos os estelares na arena estavam claros como a luz em sua mente. Não havia como negar, ele estava com medo, muito medo. Mas, desde que passou a ter como missão derrotar o culto de tenebris, esse medo teve que ser colocado em segundo plano. Não há tempo para medo. E algumas questões ainda precisam de respostas. As vozes...

Como fez durante toda sua vida antes de partir para uma jornada perigosa, e na maioria das vezes mortal, o estelar respirou fundo e a respondeu:

— Vamos.

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STARBOY ✩ O Chamado | VOL. 1Onde histórias criam vida. Descubra agora