VI

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Após alguns minutos sentado naquele banco nada confortável, Mazu passou a achar que já estava em sua cela, pagando pelos crimes que não cometeu. No entanto, Alpha reapareceu, dessa vez com a cara mais carrancuda do que o normal, e o levou até o corredor, indo na direção contrária do elevador.

— Para onde está me levando? — Mazu indagou, sentindo a mão do agente apertar seu braço.

Ele continuou quieto.

— Já chega! — O príncipe parou. — Estou cansado de tudo isso. Desde que cheguei aqui, tudo o que fizeram foi me trancarem em cubículos por nenhuma razão. Vocês não sabem conversar normalmente?

— Já tivemos uma conversa, agora vamos — firmou sua mão no braço de Mazu, tentando o incentivar a voltar a andar, mas ele permaneceu parado —, agora!

— Não vou a lugar nenhum.

— Você não tem escolha — Alpha o encarou, bravo.

— Eu já disse, não faço parte desse culto.

— Por enquanto você será mantido como suspeito até a chegada de quem pode resolver essa situação — Alpha lhe deu mais um puxão para frente, e desta vez, Mazu voltou a andar.

— E você não pode resolver?

— Segui seu rastro através dos piratas e o trouxe até aqui. É o máximo que minha jurisdição me permite agir.

— Que tipo de defensor é você?

— Aquele que gosta de silêncio — Alpha forçou o aperto no braço do estelar. Quando franzia a testa, a cicatriz próxima de seu olho se estendia.

— Jurisdição — Mazu falou, como se a palavra fosse desagrádavel. — Quando se trata de salvar outros seres, não existe jurisdição.

— Salvar quem? Você?

— Todos lá fora!

Quando chegaram no fim do corredor, uma porta se abriu automaticamente, revelando uma longa passarela metálica. Nas paredes, podiam ser vistas milhares de celas que se estendiam por todo o alojamento gigantesco. Eram cúbicos, assim como as salas de interrogatórios, porém não tinham bancos; as únicas janelas eram barreiras energéticas de cor azulada e transparente que impediam os prisioneiros de passarem.

Um precipício sem fundo separava as celas da passarela. Enquanto andava, o príncipe observava com atenção cada centímetro daquele lugar assombrado por criminosos perversos. Por outro lado, Alpha não parecia se importar — já estava acostumado a trazer e tirar prisioneiros do alojamento.

A passarela era retangular e parecia não ter fim. Ao chegarem até certo ponto, Alpha parou. Elevou seu braço direto até estar em seu campo de visão e ativou uma cela através da pequena tela digital em seu bracelete.

— Está na minha jurisdição salvar cada vida lá fora — ele observou uma cela se desencaixar do paredão de milhares de celas, como uma caixa metálica, e flutuar até estar próxima da passarela — é isso que faço todos os dias quando acordo. Às vezes mal posso dormir. É isto que um defensor faz.

A barreira energética-transparente da cela desativou automaticamente, esperando que o prisioneiro entrasse, para assim se ativar uma outra vez.

— Caso eu não cumpra o que está na minha jurisdição, serei desativado da L.D.A — Alpha cruzou os braços, não estava encarando Mazu, mas suas palavras eram claramente para ele. — Talvez o mal de seu povo deva ter sido agir sem regras, sem leis. Mesmo com tanto poder, alguns de vocês seguiram por caminhos errados, mas isso não os torna diferentes de vocês, que se exilaram. De certa forma, todos abandonaram a promessa que fizeram para seres esperançosos. Minha jurisdição não é o problema. Além disso, já estou fazendo uma boa ação hoje, salvei sua vida te trazendo para o lugar mais seguro da galáxia, enquanto os seres mais perigosos estão te caçando — notou um par de objetos em formato de semi-círculos nas orelhas de Mazu —, príncipe.

— Meu povo lutava com o coração — Mazu adentrou à cela, ainda encarava Alpha. — Por baixo de toda essa camada de ódio e desconfiança, eu sei que confia em minhas palavras.

— Não confio em você — Alpha levantou seu braço mais uma vez; apenas um clique em seu bracelete digital e a cela de Mazu iria flutuar novamente de onde veio.

— Foi o culto, não é? — A pergunta fez Alpha congelar os dedos. — Desde minha chegada, me deparei com seres surpresos, curiosos e gananciosos. Mas ódio… Você é o primeiro. A raiva é como uma chama, enquanto mais você a alimenta, mais ela te consome.

Encarou Mazu com ódio estampado no olhar. Aproximou-se da barreira da cela e a socou com seu punho.

— Seu povo tirou a vida do meu pai. Então não me venha dar lição de moral, não quando a chama que te consome não é alimentada pela raiva, mas por vergonha e arrependimento de seus atos.

Deslizou seu dedo na tela digital em seu bracelete, fazendo a cela flutuar novamente até seu encaixe.

Aquele estranho ser de pele clara estava certo: Mazu tinha vergonha de seus atos, talvez vergonha de si mesmo. Dentre os vários ensinamentos da cultura estelar, um deles era sobre amar a si mesmo. Mas como poderia amar alguém que machucou não apenas sua família, mas todo seu povo? Como poderia ter orgulho de chamar este alguém de ‘’eu’’?

O príncipe sentou-se no canto escuro da cela e abraçou seus próprios joelhos. Talvez merecesse cada palavra de ódio. Talvez ser trancado em uma cela de segurança máxima era o seu destino. Um torko enfurecido sempre era posto distante do restante da manada.

Passou as horas iniciais encarando o chão, como alguém sem rumo. Não chorou, pois não havia mais lágrimas para chorar.

STARBOY ✩ O Chamado | VOL. 1Onde histórias criam vida. Descubra agora