I

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Parecia estar em uma barreira que separava os sonhos da realidade. A escuridão que o circulava se assemelhava com um horripilante pesadelo. Flutuando, como se tivesse sido jogado no vácuo do espaço, estava Mazu. Não estava no espaço. Não havia nenhum outro corpo celeste por perto, nem mesmo resquícios. Apenas escuridão.

Um som longínquo, mas familiar, alcançou os ouvidos de Mazu:

— Mazu…

Olhou desesperado para todos os lados. Nada.

— Mazu…

Sentia sua cabeça latejar. Seus punhos brilhavam, possuídos pelo poder do estímulo.

De repente, destroços de naves vieram em alta velocidade contra Mazu, atingindo seu corpo com brutalidade. Ele girou várias vezes enquanto aqueles restos mortos de naves o atingiam com rapidez. Não tinha tempo para reagir, apenas sentir a dor.

— Me deixem em paz! — Gritou o príncipe.

Usou seu punho brilhante para atingir os destroços. Parou quando escutou um ruído distinto dos sussurros que o atormentavam. Era o choro de um bebê. Girou sua cabeça para trás juntamente com seu corpo e deparou-se com uma nave. Seu casco estava rasgado, como se uma fera com unhas afiadas tivesse atacado anteriormente. Podia ver claramente o interior da nave. Uma cesta revestida com panos flutuava junto aos pequenos destroços que circulavam naquela nave.

— Não…

Mazu aproximou-se da cesta e afastou os panos para ver com clareza o bebê que continuava a chorar. Era um estelar. O bebê parou de chorar quando observou o rosto de Mazu. O príncipe encostou o dedo na bochecha do bebê, procurando sentir alguma coisa. Teve uma surpresa ao ver a criança se tornar pó segundos antes de tocá-lo. Mazu jogou a cesta para longe, horrorizado.

Da escuridão, mãos esqueléticas se seguraram nas pernas de Mazu e o puxaram para baixo, como se fossem demônios arrastando-o para o inferno. O estelar tentou se desvencilhar das mãos, mas não encontrou forças. As mãos se alongavam a cada vez que o estelar era puxado para baixo, cobrindo todo o corpo do mesmo, apertando-o firmemente como se ele fosse a peça mais importante do universo. Apertaram-no no pescoço e alcançaram seu rosto. Mazu não conseguia respirar. Olhou para a escuridão acima, desesperado. Seus olhos não puderam enxergar nada após as mãos cobrirem o campo de visão. No entanto, seus ouvidos captaram algo perverso…

Mazu

— Mazu!

Acordou do pesadelo, assustado. Deparou-se com Alpha.

— O quê? — Levantou o pescoço e olhou em volta. — Onde estamos?

— Em uma oficina. Levante-se, precisamos ir — falou.

— O culto… — Lembrou-se do que acontecera horas atrás: a fuga, o culto, a explosão. — Zya. Ela está bem?

— Não se preocupe, ela é apenas uma inteligência artificial — mesmo dizendo aquilo, Mazu sabia que para Alpha, Zya não era apenas uma tecnologia insignificante.

O príncipe se levantou e seguiu o agente até estarem fora da nave. O mesmo mecânico anão acompanhado de robôs com o dobro de seu tamanho vieram na direção de uma Shadow-989 danificada.

— Talvez possa demorar o conserto — comentou o mecânico —, sugiro que fiquem na lanchonete.

Alpha assentiu com a cabeça, ainda usando o capacete para esconder a face. Mazu estava coberto com o manto. Passaram despercebidos pelos outros seres que estavam por perto.

Os corredores da oficina eram cavernosos, afinal estavam no interior de um cometa em movimento. Placas indicavam para onde ir; Alpha procurou pela lanchonete. Seguiram em frente no corredor, dobraram à direita e subiram um lance de escadas. Se impressionaram com o que viram a seguir. A lanchonete era simples, mas os diferentes vasos de planta espalhados pelo local a deixavam com um ar confortável.

Uma forma de vida florescendo no interior de um cometa. Mazu achava isso incrível.

Sentaram-se diante de uma mesa de metal. Acima de suas cabeças, uma cúpula de vidro exibia a beleza espacial lá fora. Como se estivesse hipnotizado, Mazu olhou-as, maravilhado.

— Com fome? — Alpha indagou.

— Não — tirou sua atenção das estrelas acima —, obrigado. Você deveria comer ao invés de mim, não o vi se alimentar desde que o conheci.

— Fui treinado para isso. Já passei dias sem comer em missões impossíveis.

— Incrível — apoiou as costas na cadeira.

Mazu e Alpha eram os únicos clientes na lanchonete. Além do ruído de suas respirações, a voz de uma jornalista vinda da televisão suspensa por um cabo de metal no teto de vidro da lanchonete ecoava, estridente.

— Hoje, os t’wi declararam a suspensão das atividades industriais em homenagem ao grande líder Laval. Ele foi um dos maiores representantes de sua raça, sempre justo com seu povo e um ótimo comunicador. Sua última parceria antes da morte foi com o líder da cúpula da união, Kondrak. Os envolvidos na construção da arma desenvolvida pelo conselho continuarão ativos no projeto — a imagem de Mazu e Alpha surgiu na televisão. — O agente Alpha, conhecido como Space Hunter, juntamente com o estelar, estão foragidos e são os principais suspeitos da morte de Laval. Para mais informações, acessem nosso site.

— Toda essa comoção para ele — Mazu assistiu a reportagem, pensativo —, e nenhuma para aqueles que morreram por causa dele.

— Laval escondeu tudo antes de morrer.

O príncipe virou-se para Alpha.

— Me desculpe pela sua nave. Não era minha intenção destruí-la, eu só… Perdi o controle.

— Isso já aconteceu antes?

As memórias retornaram. O corpo de Mellak abaixo dos escombros. As faces assustadas de todos na arena. As vozes.

— Sim, uma vez. Feri meu irmão porque não consegui me controlar. As vozes… — Abaixou seu olhar, não esperava que Alpha acreditasse naquilo, assim como todos os outros de seu povo. — São como alguém ou algo me chamando de muito, muito longe. E isto me deixa descontrolado, pois elas estão no fundo de minha mente. Não sei como calá-las — olhou para Alpha. — Eu sei, é loucura. E ninguém pode me ajudar.

Para sua surpresa, Alpha respondeu:

— Não se deve julgar as batalhas internas de alguém. Meu pai me disse uma vez. Não acredito que seja loucura. É algo que você não entende.

Não sabia como explicar a sensação após as palavras daquele que jurou odiá-lo profundamente. Mazu sentiu-se reconfortado. Sua mente continuava uma bagunça, e os resquícios do pânico que as vozes lhe causaram estavam visíveis em seu olhar atordoado, no entanto se sentiu estranhamente acolhido. Alguém finalmente o entendia. Ou parecia entender.

— Você sente o mesmo — percebeu que Alpha não havia entendido, então apressou em explicar-se: — Há algo dentro de você que te deixa descontrolado.

Dessa vez, o agente não desviou o olhar; continuou a olhar o príncipe, pensativo. Apoiou suas mãos enluvadas na mesa metálica.

— Existe um dilema. Um dilema vindo da raiva. Algumas vezes posso controlar essa raiva — seu olhar parecia refletir todos os erros que cometera ao longo de sua vida —, outras vezes não. Antes, eu preferia não me controlar, agora… — Guardou as próximas palavras no fundo de sua garganta ao sentir seu rosto corar.

— Não o julgo — falou o príncipe. — Esse sentimento é familiar. Sempre quando estou prestes a me descontrolar, sinto um misto de emoções. Medo, pânico, euforia, tristeza. E também a raiva. 

E por um momento, o pensamento de ambos conectaram-se ao mesmo tempo. Eram mais semelhantes do que pensavam. Alpha também sentia-se acolhido, como se estivesse diante de um lar onde pudesse abaixar a guarda. No entanto, as trágicas experiências de sua vida ainda o mantinham preso em uma jaula, como um monstro incapaz de sentir algo. Mas, apesar de tudo, ele sentia uma faísca surgir dentro de seu estômago cada vez mais que se aproximava do estelar. Ele não conseguia conter. Sabia que, caso permitisse, esta pequena e insignificante faísca poderia se tornar chamas ardentes que o aqueceria no inverno de sua vida.

STARBOY ✩ O Chamado | VOL. 1Onde histórias criam vida. Descubra agora