2. You And Me

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"Cause it's you and me and all of the people

With nothing to do, nothing to lose

And it's you and me and all of the people and

I don't know why I can't keep my eyes off of you"

You And Me - Lifehouse

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Às vezes o tempo demorava a passar: pelo menos era o que Matt achava enquanto observava o antigo relógio de pêndulo pendurado na parede, como se esperasse ansiosamente por algo. Havia poucos clientes em sua livraria naquela hora da noite, alguns manuseando livros sozinhos e em silêncio, outros em duplas e conversando baixinho, e nenhum dava qualquer sinal de querer alguma ajuda.

Matt batia os dedos no caderno de anotações sobre o balcão, entediado. Ele não sabia quando começara, mas nos últimos tempos o tédio e a melancolia pareciam cada vez mais frequentes. Por mais que continuasse mostrando seu lado extrovertido e ainda fosse animado com todos, em seu íntimo ele se sentia um tanto desanimado e com outros sentimentos que não entendia. De repente, tudo parecia estar errado, ou simplesmente sem sentido.

Mas havia um momento, uma única hora na semana, em que ele se esquecia completamente de todos esses pensamentos.

Naquele final de tarde, quando escutou o som do sino na porta, Matt tirou os olhos do relógio e rapidamente virou o rosto para a entrada. Ele não estava preparado, e seu coração deu um pulo quando olhou naquela direção.

Ela finalmente tinha aparecido: a garota dos olhos escuros como a noite, com seu cabelo enrolado e volumoso, usando mais uma de suas camisetas - que sempre tinham estampas de alguma banda, filme ou personagem - , uma calça jeans e um tênis all star azul, estiloso e cheio de fiapos, como se ela mesma o tivesse confeccionado. Como sempre, ela estava de fones de ouvido, escutando alguma música da qual ele adoraria saber o nome. Os óculos de armação redonda escorregava um pouco de seu rosto, deixando uma parte de seus olhos descoberta deles.

Olhos que imediatamente encontraram os dele.

Matt sentiu seu coração bater um pouco mais rápido naquele momento, mas não durou muito, pois ela logo desviou o olhar, como sempre fazia nas raras vezes em que olhavam um para o outro, e ele também, que voltou a olhar para seu caderno e fingiu estar anotando algo, envergonhado por aquela troca de olhares, mas sem deixar de observá-la pelo canto do olho.

Quando sentiu que ela andava lentamente na direção do balcão, Matt foi tomado por uma estranha ansiedade. Pensou que finalmente ouviria a voz dela, nem que fosse para pedir alguma informação sobre os livros - o que mais ele poderia esperar além disso? Imagine, então, como foi sua decepção quando, a apenas alguns centímetros do balcão, ela virou para o outro lado, em direção a um dos corredores de estantes, e desapareceu entre elas, sem nem sequer lhe dirigir outro olhar.

Garota Aleatória, foi o apelido que ele lhe deu desde a primeira vez que a viu ali, pois não fazia ideia de seu verdadeiro nome. A garota, que provavelmente estava na faixa dos vinte e poucos anos, apareceu ali pela primeira vez há cerca de uma mês e meio, e desde então ele a via entrar em sua livraria todas as sextas, exatamente no mesmo horário. Matt ficou curioso e um tanto interessado desde que pregou seus olhos nela, seja por seu estilo interessante, que contrastava com o das outras garotas que entravam por aquela porta, ou pelos livros que ela escolhia aleatoriamente e lia no mesmo lugar de sempre.

Por todo este tempo, Matt vinha observando-a discretamente, e a mesma não percebia - ou pelo menos era assim que ele julgava. Apenas algumas vezes seus olhares acabavam se encontrando, quando ela estava lendo e ele arrumando os livros nas estantes a alguns metros dela e, de repente, os dois se desviavam do que estava fazendo e sem querer encaravam um ao outro. Esses momentos, porém, não demoravam muito, já que os dois desviavam o olhar em questão de segundos. Matt não sustentava o olhar dela e nunca lhe dizia uma palavra por medo de incomodá-la ou assustar a garota.

Ela nunca comprara nem mesmo algum livro com ele, apenas lia algumas páginas ali mesmo, os colocava na estante depois de quase uma hora e ia embora, sem dizer algo e nem emitir algum som além de seus passos lentos.

Matt esgueirava-se pelos cantos às vezes apenas para observá-la um pouco mais, escondido entre as estantes de livros, atento aos poucos e pequenos detalhes que conseguia observar. Ele a via folhear as páginas, quieta e serena, com uma concentração que o deixava admirado.

Ele não sabia por que, mas não conseguia ignorar a presença dela.

Talvez tivesse ficado ainda mais interessado quando começou a reparar no detalhes mais singelos, como as expressões que ela fazia às vezes ao ler; em seu sorriso quando parecia estar lendo algo engraçado; em como ela franzia ou arqueava as sobrancelhas quando lia algo que a chocava - e ele a vira fazer muitas dessas expressões enquanto ela lia Um Estudo em Vermelho numa de suas visitas ali. Matt reparava até mesmo quando ela ajeitava seus óculos no rosto, ou quando colocava uma mecha de seu cabelo ondulado atrás da orelha, sem nunca tirar os olhos das páginas.

Mas ele parava imediatamente quando pensava no que estava fazendo, e voltava para a arrumação de livros ou qualquer outra tarefa que não fosse observar aquela estranha, como naquele momento.

Logo já marcavam quase seis e meia da noite no relógio. Ele não vira a hora passar, como sempre acontecia com a garota ali, enquanto ele a observava secretamente, e logo ela já estava indo embora.

Ela se levantou, colocou o livro no mesmo lugar de onde o tirara - Matt ficava impressionado com como ela sempre se lembrava de onde tirava cada livro em um lugar como aquele cheio de estantes repletas deles - e começou a se afastar dali.

Mais uma vez, ela passou pelo balcão sem olhá-lo; mais uma vez, eles não trocaram nenhuma palavra.

Quando ela saiu pela porta, soando o sininho novamente e deixando-o sozinho, Matt pegou-se dando uma olhada em si mesmo. Aquelas roupas um tanto formais, o cabelo liso sempre bem penteado para o lado... Começava a entender por que a garota não lhe dava atenção. O tipo que ela gostava deveria ser o oposto dele naquele momento: caras com tatuagens, com mais músculos e mais atitude que ele, sérios e que não tivessem apenas cheiro de livros. Ela provavelmente namorava o integrante de alguma banda, um guitarrista, ou talvez um vocalista.

Matt surpreendeu-se com os próprios pensamentos.

Ficou ainda mais surpreso quando foi até onde ela deixara o livro e o pegou.

"Mulherzinhas", de Louisa May Alcott: então ela gostava de livros daquele tipo também? Aquela edição vinha com um marcador por dentro, e Matt abriu o livro na página que ela deixara marcada. Será que continuaria indo à livraria dele até terminar aquele livro ou mesmo depois disso? Se sim, ele ainda a veria por muitos meses, afinal, aquele livro tinha um número considerável de páginas.

Aleatória, uma garota interessante que ele nunca conheceria de verdade. Matt suspirou e colocou o livro de volta na estante.

Algumas vezes o tempo demorava a passar, já em outras, quando menos queria, ele escorria como água.

The Bookstore | Matt SmithOnde histórias criam vida. Descubra agora