1. Someone New

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"Amor a qualquer estranho

Quanto mais estranho, melhor"

Someone New - Hozier.

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Era um final de tarde de sexta-feira, e mais uma vez ela sentia como se não houvesse dado o melhor de si; mais um dia se passara, e o vazio continuava ali, imutável, muito longe de desaparecer e deixá-la livre.

Quando se sentiria leve e verdadeiramente feliz?

Depois de longas horas ensaiando e recebendo cobranças de colegas e instrutores, Cecília finalmente caminhava para casa, pelo mesmo distrito comercial que sempre passava no caminho até a pequena construção antiga onde morava. Em dois meses em Londres, passando naquela rua quase todos os dias, ela já conhecia e sabia de cor a maioria dos estabelecimentos - pelo menos pelo o quê vendiam - , e tinha uma ideia de como eram as pessoas por trás de suas portas.

Era uma boa observadora. Boa até demais. Cecília capturava detalhes que a maioria deixaria escapar, principalmente em outras pessoas. Nunca entendera o motivo de prestar tanta atenção nos outros, desde seus comportamentos e, até mesmo, o que estava no âmago dos outros indivíduos.

Não sabia se era a solidão, o tédio, ou a vontade de encontrar e compensar algo que não tinha em si mesma que a fazia observar tão minuciosamente, embora de forma discreta e quase imperceptível, todos esses estranhos. Muitas vezes, ela os via fazendo algo e se imaginava em seus lugares; como seria se fosse uma das garotas que passavam ao seu lado conversando e rindo, trocando confidências e se divertindo como melhores amigas faziam? E se fosse ela, no lugar daquele artista de rua, tocando seu violão e cantando, impressionando a todos que passavam com seu talento? Como seria a sensação se fosse ela, ao invés daquela garota bonita e alegre, abraçada e aos beijos com aquele rapaz que parecia um anjo, como um casal verdadeiramente apaixonado?

Às vezes, só de olhar uma pessoa sozinha como ela, seja no vagão de trem ou em uma cafeteria, a fazia se imaginar ao seu lado, criando um futuro com mil possibilidades diferentes.

Mas Cecília não se apaixonava por qualquer um. Na verdade, achava muito difícil apaixonar-se verdadeiramente por alguém em um mundo onde muitos eram fúteis, mentirosos e pareciam apenas querer quebrar seu coração e usá-la. Ela só sentia falta de algo, e não tinha ideia do que poderia ser; talvez um avanço significativo em sua carreira, algo que finalmente desse sentido aos seus esforços e mostrasse que finalmente encontrara seu lugar no mundo; ou talvez, apenas talvez, ela se sentisse tão sozinha a ponto de ter alguma esperança de que ainda havia alguém por aí, esperando para encontrá-la, uma pessoa que preencheria pelo menos um espaço daquele estranho vazio.

Besteira. Tudo não passava de pensamentos tolos. Vivia demais em sua imaginação e menos em momentos reais, esperava demais das situações e dos outros, e por isso se decepcionava com uma frequência preocupante.

Talvez estivesse apaixonada demais pela ideia de se apaixonar.

Cecília caminhava com as mãos nos bolsos da jaqueta e fones nos ouvidos, e observava o reflexo das luzes do distrito no chão molhado pela chuva que acabara de cair. Os dias estavam frios, mesmo que estivesse na primavera, mas o que se esperar de Londres? Ela teria que se acostumar com aquele clima de um jeito ou de outro, e a vantagem estava ao seu lado, pois dias chuvosos e cinzentos não a incomodavam tanto assim.

Mas por quanto tempo permaneceria ali? Será que, algum dia, pertenceria àquele lugar ou a algum outro?

O distrito. Era um lugar agradável, e ela secretamente tinha o desejo de pertencer à ele e àquelas pessoas de alguma forma, participar de algo.

Queria ser vista.

Eram pensamentos como esses que ela tinha todos os dias. Por mais que tentasse escapar, eles sempre apareciam em algum momento.

Porém, às vezes, só às vezes, ela podia se dar ao luxo de esquecer deles e de todos os problemas por um único momento de calma e fuga da realidade; havia um lugar naquele distrito que lhe proporcionava tal luxo, e ela parou de frente para ele, para aquele que, talvez, fosse o seu lugar preferido em toda aquela cidade.

A livraria.

Com o sininho pendurado à porta que sempre soava quando alguém entrava ou saía, seu silêncio tranquilizante, as estantes cheias de livros dos mais variados tipos e autores que ocupavam todo o lugar e a isolavam do resto do mundo, aquele lugar era o seu refúgio em dias difíceis e agitados, quando queria apenas acalmar sua mente e se isolar. Todas as sextas - ela evitava o lugar nos outros dias da semana devido às obrigações - , no mesmo horário, ela ia até ali e ignorava tudo ao seu redor por pelo menos uma hora.

Ou quase tudo.

Ao abrir a porta e parar na entrada daquele lugar, Cecília estremeceu por dentro quando seus olhos foram parar exatamente onde não deveriam naquele momento.

Detrás do balcão, com uma camiseta cinza e formal, o cabelo castanho sempre bem penteado para o lado, com uma caneta negra e elegante na mão pousada sobre um caderno - como se tivesse sido interrompido no meio de uma escrita - , ele a encarou com um olhar enigmático e hipnotizante. Era a primeira vez que dava de cara com ele logo ao entrar ali, e ela lutou para não dar meia-volta e ir embora.

O rapaz da livraria. O único que ela não conseguia ignorar completamente, embora fingisse, estava olhando para ela. Cecília pôde jurar que o tempo congelou naquele momento.

Ele a via?

A resposta veio logo, quando ele desviou desviou o olhar e o voltou para o caderno, retomando suas anotações como se nada tivesse acontecido.

Tonta, o que mais ela esperava de um homem como aquele? Sempre bem arrumado e elegante, com maneiras que poderiam caracterizá-lo como um membro da realeza britânica; embora parecesse alguém divertido e gentil, era o tipo que nunca se interessaria por uma garota como ela.

Cecília o observava discretamente desde que começara a frequentar aquele lugar, e admitia que o jeito com que ele tratava os seus clientes, seu jeito de falar e suas maneiras abriam um sorriso em seu rosto às vezes. Sempre que escolhia um livro e sentava-se no mesmo cantinho de sempre para lê-lo, pegava-se interrompendo um pouco de sua leitura apenas para observá-lo pelo canto do olho, ou perdendo-se do significado das palavras nas páginas ao escutar a voz dele em outro corredor; de todos os estranhos, ele era o que mais lhe chamava a atenção, mesmo que nunca tivessem trocado uma palavra.

Mas, não. Ele não a via verdadeiramente. Como poderia, logo com uma esquisita como ela? E quantos anos ele tinha? Trinta? Ele provavelmente a trataria como uma criança!

Pensamentos estranhos. Cecília os espantaria balançando a cabeça, mas não queria chamar a atenção e parecer ainda mais estranha.

O rapaz da livraria parecia alguém legal, mas completamente fora de seu alcance. Não entendia por que isso a incomodava, e nem a melancolia que às vezes levava consigo ao sair daquele lugar tão aconchegante.

The Bookstore | Matt SmithOnde histórias criam vida. Descubra agora