━━ Cecília, não é?
Mais uma vez, mais uma audição depois de tantas outras fracassadas naquele pedaço de terra, aquela para a qual ela estava certa de que não iria nem menos tentar e que fora um dos motivos do desentendimento com aquele a quem amava. Ali estava o que Cecília acreditava ser o último resquício do amor que um dia ele tivera por ela, a chance que ela resolvera agarrar um dia depois de entender que o havia perdido para sempre.
Ela não sabia como, mas não estava tão tensa como nas outras vezes em que entrara em salas pequenas como aquela e ficara de frente para estranhos que estavam ali apenas julgá-la.
Naquele dia, aqueles estranhos não lhe causavam medo algum.
Ela não tinha mais nada a perder. Nada mais poderia lhe machucar tanto.
Mas, é claro, havia o braço que ela machucara no dia anterior ao cometer uma das maiores loucuras da sua vida e que não tivera tempo de cuidar antes do bendito teste e que parecia piorar a cada hora que se passava, latejando, e ela esperava não precisar tanto dele dentro naquela sala.
━━ Sim ━━ ela respondeu, altiva. ━━ Meu nome é Cecília.
Sim, seu nome era Cecília, e ela não tinha mais nenhuma vergonha e nenhum medo de dizer de onde viera, nenhuma vergonha de seu sotaque fora dos personagens que interpretara naqueles teatros, nenhuma vergonha de seu cabelo, de suas roupas, nenhuma vergonha de quem era.
━━ Nome bonito ━━ falou um dos três entrevistadores, uma mulher no meio de dois homens na mesa à frente dela. ━━ Muito bem, Cecília ━━ ela a olhou com um sorriso e um olhar gentil e, ao mesmo tempo, desafiador. ━━ Nos surpreenda...
Até ainda um ano atrás, Cecília teria gaguejado e tremido diante de um olhar daqueles. Mas não ali, não naquele dia.
Havia decidido correr todos os riscos possíveis no dia em que se arrependera de sua covardia de se perder daquilo que tinha encontrado de mais precioso em todos aqueles anos, e, se tivesse que se queimar no processo, ela estava pronta.
Já havia se perdido e queimado demais nas chamas de um amor perdido.
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━━ "Entraremos em contato com você até duas semanas...", uma ova! ━━ ela saiu andando para fora do prédio resmungando consigo mesma. ━━ Mas você tinha que ser teimosa, não é? Você tinha que vir até aqui mesmo sabendo que não daria certo, só para se iludir e depois se frustrar de novo. Você sempre se ilude. Você sempre se frustra. É a porra de um ciclo repetitivo...
Chovia quando ela chegou até a saída, uma tempestade inesperada, e ela se perguntou porque nunca parava de chover naquela cidade. Para a sua sorte, ela sempre estava preparada para o clima maluco de Londres com um guarda-chuva em sua bolsa. Porém, Cecília se arrependeu logo em seguida de pensar na palavra "sorte", pois ela não parecia estar do seu lado naquele dia.
Ela tentou abrir o guarda-chuva, o que acabou se mostrando uma dificuldade com o seu braço do jeito que estava, sem que ela pudesse sequer movê-lo sem sentir dor, e o guarda-chuva acabou caindo de sua mão. Em um acesso de raiva, ela o chutou para longe, fazendo com que o guarda-chuva fosse parar fora da cobertura onde estava, o que significava que ela teria que esperar a chuva passar ou ficar encharcada se quisesse aquele guarda-chuva de volta.
Aquele definitivamente não era o seu dia.
Eram onze da manhã, e ela já queria que aquele dia chegasse ao fim.
Não vinha sendo o seu dia há um bom tempo.
━━ Porra!... Ai! ━━ ela descontou a raiva dando um soco em uma parede, o que apenas lhe deu mais uma dor física. ━━ Merda! Caralho! Filha da...
Sabia que não havia ninguém por perto para ouvi-la e que todos se escondiam da chuva e do frio; e, mesmo se tivesse alguém, ela duvidava muito que essa pessoa entenderia aqueles impropérios que haviam saído de sua boca.
Ela encostou a testa na parede e fechou os olhos, deixando que o som da chuva a acalmasse aos poucos, e talvez porque quisesse se desconectar daquela realidade por pelo menos um minuto, esquecer do que vira no dia anterior, de mais um possível teste fracassado e do braço que doía.
Quantas vezes ainda teria que fracassar até encontrar seu lugar ao sol? Quanto ainda faltava para se afastar do fundo do poço? Era possível que aquilo ainda pudesse piorar? Que tipo de futuro esperava por ela, quando todas as portas estavam se fechando daquele jeito? Onde estava o final feliz que todos aqueles malditos livros e filmes lhe prometeram?
Não se sentia mais tão corajosa como minutos antes.
Era ali que seus sonhos terminavam?
Era uma tola por ainda sonhar?
Ainda com a testa encostada na parede e os olhos fechados, ela cantarolou um trecho de uma música do musical que de repente lhe veio à cabeça:
"Essa é para aqueles que sonham
Por mais tolos que pareçam
Essa é para os corações que sofrem
Essa é para a bagunça que nós fazemos"E que bagunça ela fizera...
━━ Você disse bagunça?
Cecília prendeu a respiração. Primeiro pensou que estava sonhando acordada, depois, que estava ouvindo coisas e que finalmente havia enlouquecido. Ela demorou para tirar o rosto da parede e sair de onde estava, com medo de se virar e não encontrar ninguém e confirmar sua loucura.
Mas ela também temia que não estivesse sonhando, que aquilo fosse verdade, que ele estivesse mesmo ali, atrás dela, pois não saberia o que fazer e nem quais palavras usar.
Quando ela finalmente se virou, encontrou-o parado a apenas alguns metros dela, com os mesmos olhos verdes e o mesmo olhar penetrante de sempre.
━━ Oi ━━ ele sorriu, o mesmo sorriso gentil e misterioso que ela tanto sentira falta.
Ela se apoiou com a mão na parede, apenas porque precisava de algo em que se segurar.
Que tipo de reviravolta louca na história era aquela?
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The Bookstore | Matt Smith
FanficLivros, chá, músicas diferentes e Matt Smith. ... Sim, esta é uma história sobre o amor entre duas pessoas, mas não só sobre esse amor. Ela é sobre os sonhos que parecem inalcançáveis; sobre as inseguranças que nos atormentam e a superação delas. É...