59. Por Enquanto

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"Mesmo com tantos motivos

Pra deixar tudo como está

Nem desistir, nem tentar

Agora tanto faz

Estamos indo de volta pra casa"

Por Enquanto - Cássia Eller

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A vida era estranha. Uma pessoa poderia estar no topo e, logo depois, no fundo do poço; alguém poderia estar vivendo os melhores momentos de sua vida e, em um piscar de olhos, ver-se mergulhado em um mar de angústia.

Mas havia alguns casos em que uma ponte separava os momentos de felicidade e angústia, uma ponte onde a melancolia reinava, um momento de torpor, uma espécie de “calmaria” antes da tempestade. Para Cecília, esse momento foram as duas semanas após o desentendimento que tivera com Matt, duas semanas sem vê-lo e nem mesmo trocarem alguma mensagem, tão distantes um do outro quanto na época em que trocavam apenas olhares e sorrisos, duas semanas vivendo no automático.

Duas semanas, até o dia em que recebeu mais de dez ligações no celular enquanto dormia, quando acordou pela manhã e leu as mensagens que lhe foram enviadas.

Era a sua irmã, e seu pai havia ido embora.

Ele se fora para sempre.

Volte para casa, Cecília. Precisamos de você”.

Era uma manhã de sexta-feira, e seu pai estava morto, e ela nem sequer pôde se despedir. Um ataque cardíaco, e ele simplesmente não estava mais ali.

As sextas-feiras tinham se tornado o seu escape desde o ano anterior, o dia da semana em que tudo parecia bem e certo novamente. Mas, naquele dia, tudo parecia completamente errado e estranho, onde tudo que ela tinha parecia estar desaparecendo aos poucos.

Ela não chorou. Estava arrasada, mas não conseguia chorar. Entrou em um estado de torpor, onde tudo era tão bizarro que não parecia real. Pensou na ideia de ainda estar dormindo e de que tudo aquilo não passava de um pesadelo. Mas era real, e ela passou as horas seguintes sem saber o que fazer, sem nenhuma reação senão ficar sentada em algum local do apartamento olhando para as paredes.

Não haveriam mais trilhas para os dois desbravarem, nem torcida diante da TV quando seu time de coração jogava. Ela deixara momentos como esses para trás quando se fora daquela cidade, mas acreditava que, quando pudesse, eles ainda estariam lá sempre que ela voltasse para matar as saudades.

Havia sido ingênua demais, e o tempo, mais uma vez, havia ganhado a batalha, tirando mais um pedaço dela.

Quanto ainda teria que perder até se tornar completamente vazia?

Ela agiu como robô nas horas seguintes, ligando para o trabalho e explicando a situação e precisando escutar condolências que ela não queria e tentando encerrar o mais rápido possível a conversa; procurando por voos de Londres até o Rio e gastando suas economias com a passagem; colocando tudo aquilo que podia levar em malas, menos uma coisa, que se deitou em cima das roupas socadas em sua mala.

Ali estava mais uma das coisas que ela teria que deixar, e os olhos verdes dele a lembraram de outros que ela não sabia mais se veria novamente.

The Bookstore | Matt SmithOnde histórias criam vida. Descubra agora