CAPÍTULO 24

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Noble devorou o hambúrguer, tomou toda a garrafa de refrigerante e fez sinal para Nancy trazer mais. A mulher de meia idade não demorou a encher a mesa dele de comida e saiu resmungando que era a primeira vez que via um homem afogar as mágoas com hambúrguer.
Noble continuou comendo sem tirar os olhos da comida, até que Simple se sentou a sua frente.
"Há outros clientes aqui, devia deixar um pouco para eles." Noble o ignorou.
"Ela não fez nada demais e você já deve estar louco para voltar, então por que ainda está aqui?" Noble continuou ignorando seu irmão.
"Ok. E se eu disser que o ex dela já deve ter chegado?" Noble se levantou.
"Eu vou matá-lo se ele tocar nela." Noble limpou a boca e começou a sair da lanchonete sem se importar com mais nada. Se Patrick Lennisworth passasse perto da casa de Sarah, Noble quebraria as pernas dele.
Ele saiu, subiu no jipe com o qual Simple devia ter vindo e deu partida. Já estava a alguns quilômetros de distância da lanchonete quando Simple alcançou o jipe e pulou dentro dele.
"Olha o que você me fez fazer, idiota!" Simple disse, Noble olhou para os lados, muitos humanos estavam olhando para eles, não que não estivessem acostumados a vê-los, mas o salto de Simple foi espetacular. Noble não se importava, Simple o tinha chamado de idiota.
"Foi impressão minha ou você me chamou de idiota?" Noble rosnou as palavras para ele, Simple não respondeu. Noble parou o jipe e o encarou.
"Me desculpe." Seu irmão disse, Noble acenou e colocou o jipe em movimento. Ele era o mais velho e não aceitava desrespeito, Simple sabia muito bem disso.
"Onde você estava? E por que arriscou a vida de Flora, de Sarah e das nossas irmãs? Você não tem limites?" Noble ia deixá-lo na casa de seus pais, seu pai iria terminar a bronca.
"Qual o seu problema, Nob? Eu sou o Candid." Noble parou o jipe bruscamente, o veículo quase tombou.
"Pensei que não faziam mais isso." Ele estava por um fio, não iria aceitar esse tipo de brincadeira.
"Não fazemos mais." Simple, ou Candid, afirmou. Noble olhou bem para ele, os cabelos estavam soltos, ele tinha tomado banho. Noble o puxou, o abraçou e cheirou. Eles tinham praticamente o mesmo cheiro, ele tinha a memória do cheiro de Honest, não a de Simple ou de Candid. Mas seus instintos diziam que era Simple ali, que porra era aquela?
Noble colocou o jipe em movimento de novo e dirigiu em silêncio até a Reserva. Eles entraram pelo portão escondido, Noble estacionou a frente da cabana deles. Honest estava lá.
Noble entrou e abraçou seu irmão, inspirando profundamente, sentindo que aquele ali era realmente Honest.
Honest retribuiu o abraço, seu irmão era muito afetuoso, sempre foi.
"Honest, me diga. Ele é Simple ou Candid?" Honest o olhou confuso, Candid sorriu debochado.
"Você tem outras coisas para pensar, Nob. Por que está se apegando a essa bobagem? Simple foi atrás de Honor com Livie." Ele disse. Honest ficou em silêncio, Noble o encarou.
"Responda." Honest franziu o nariz.
"É o Cam." Noble fixou seu olhar nos olhos dourados de seu irmãozinho caçula e viu que ele falava a verdade, mas o faro de Honest não era como o de Simple ou o de Candid.
"Vá atrás de Sarah, Nob. Converse com ela, depois a traga pra cá. Eu e o Hon vamos sair, não é, Hon?" Honest olhou para fora, Candid rosnou.
"Mas que porra! Você disse que terminou com Elsie!" Honest não respondeu, ao invés disso começou a mexer nos bibelôs da estante.
"Por que está fazendo isso? Sabe que o Sim não gosta que mexam nas estatuetas dele." Honest não respondeu, pegou um cachorrinho de madeira, uma das estatuetas feitas por Bells, Noble sempre se admirava da perfeição do bibelô. Os pêlos do cachorrinho pareciam se agitar, assim como a língua do bichinho parecia estar balançando. Honest a colocou em outra prateleira bem atrás de outros enfeites.
"Ele não está aqui. Eu acho que assim fica melhor." Noble olhou para Candid, ele estava sorrindo ainda.
"Você está parecendo um idiota. Quem liga para onde esse treco fica?" Ele disse e se sentou.
"Mas Sim vai saber que você mexeu nas coisas dele e não vai gostar." Ele disse com pouco caso. Honest mexeu de novo na estante, dessa vez pegou uma bailarina. Era uma pequena bailarina de vidro pintado, era uma estatueta muito delicada.
"Quem foi que deu isso para nós?" Ele perguntou, Noble olhou para Candid. Seu irmão ligou a tv e começou a mudar os canais.
"O que deu em você, Hon? Sabe muito bem que roubamos isso de Violet." Noble rosnou.
"Você fizeram o quê?" O espírito de irmão mais velho estava aflorado nele, ele tomou a bailarina das mãos de Honest, a estatueta escapou das mãos dele.
"Ops!" Honest disse ao pegar a estatueta antes dela se espatifar no chão. Candid que tinha se levantado do sofá, se sentou de novo e rosnou.
"Pare de mexer aí." Honest sorriu.
"Você sempre tira tudo de lugar e só coloca quando Simple está chegando, o que deu em você?" Noble ainda tinha de ralhar com eles por terem roubado Violet.
"Vocês roubaram isso de Violet?"
"Ela descobriu, deu uma surra em Sim e depois nos deu a bailarina de presente." Candid disse entediado.
Noble suspirou. Era melhor deixar seus irmãos com as travessuras deles, ele tinha que ir atrás de Sarah.
"Vai perdoá-la?" Candid ou Simple, ele ainda não estava convencido, perguntou o olhando curioso. Honest tirou outra estatueta do lugar, colocou em cima da mesinha de café, se sentou e o encarou também interessado na resposta, Noble se sentou.
"Acho que o problema não é perdoar. Ela teve um bom motivo, sabem? Ela foi uma heroína, Bronzy está aqui e talvez Honor voltará para nós." Noble disse pegando no bibelô, era uma miniatura de uma Ferrari, muito bem feita, de ferro. Ele nunca teve coragem de mexer nas coisas de Simple, era engraçado se lembrar de Sarah mexendo em tudo e depois dos dois rindo enquanto limpavam tudo com valeriana.
Sarah tinha segurado numa boneca de pano, a esfregado no rosto e dito:
"Simple pode mesmo sentir o que eu estou sentindo agora, enquanto brinco com essa boneca? Mesmo depois de um tempo?"
Noble tinha afirmado que era o que diziam e tinha perguntado o que Simple sentiria. Sarah tinha sorrido e perguntado se ele, Noble, não adivinhava. Foi uma das vezes que o sexo entre eles foi transcendente. Como se eles tivessem unido as almas, o ponto em que ele terminava e ela começava deixou de existir, eles se tornaram um só. O coração dele apertou.
"Simple está empenhado em se tornar a porra de um vidente, ele está obsecado por probabilidades. Ele acredita que você e Sarah vão se acertar, ele me disse." Candid se encostou nele, o confortando.
"Eu não sei mentir, ela sabe. Como posso confiar nela daqui para a frente?" Honest se sentou do outro lado, Noble descansou a cabeça no ombro dele.
"Mas é exatamente isso. Se ela não soubesse mentir, não seria confiança, seria certeza." Ele disse. Noble balançou a cabeça. Candid pegou o carrinho das mãos de Noble, se levantou e o colocou numa prateleira.
"Não tem graça você colocar onde estava, mude de lugar." Honest disse. Candid não mudou o carrinho de lugar, porém.
"Está no lugar errado." Ele disse.
"Não está. Está exatamente onde Sim o coloca." Honest disse.
"Querem parar com essa merda? Eu preciso desabafar, estou com o coração apertado, me sentindo mal por estar longe dela! Deixem essas porras de bibelôs em qualquer lugar maldito!" Ele explodiu. Honest e Candid arregalaram os olhos e não disseram nada.
"Acho que não somos os mais indicados para te aconselhar, Nob, desculpe." Honest disse. Noble inspirou, Sarah estava em casa, no quarto dela, dormindo.
"Sarah está dormindo." Ele disse para ninguém em particular.
"A medicação vai deixá-la sonolenta mesmo." Honest disse.
"Aliás, o que achou da minha fórmula?" Honest perguntou para Candid, Noble esperou a resposta. Era a vida de Sarah.
"Você fez bem, quer uma medalha?" Candid respondeu, erguendo o dedo do meio para Honest.
"Eu sei que fiz bem, mas você concorda com todos os componentes?" Candid bufou.
"Vamos sair ou não?" Ele perguntou, Honest negou com a cabeça.
"Você é um cuzão." Candid foi até o quarto e depois voltou.
"Por que nossas roupas não estão aqui?" Ele perguntou, Noble deu de ombros.
"Eu levei para a mamãe. Vocês vão ficar lá, eu e..." Ele e Sarah continuariam ali?
"Eu vou pra casa, então." Candid saiu, logo estava longe.
Honest começou a rearrumar os objetos na estante. Ele começou a limpar tudo com valeriana.
"Por que limpam tudo com valeriana se podem sentir quem tocou nas estatuetas?" Mesmo Honest tendo um faro inferior ao dos outros dois, era melhor do que o de qualquer um ali, até melhor que o de John.
"Valeriana é o melhor desinfetante que existe. Não nos importamos com quem toca nelas." Ele cheirou uma boneca de pano.
"Foi Ann quem fez?" Ele assentiu.
"Depois que ela se tornou madrinha de Ann, ela fez três bonecas para nós.
Candid rasgou a dele em pedaços, ele ainda estava magoado com ela, mas Simple e eu guardamos as nossas. Engraçado que eu me neguei a aceitar que ela fosse madrinha de Jewel e Candid disse que não se importava." Ele balançou a cabeça. O engraçado para Noble era ele dizer que se negou a permitir que Ann fosse madrinha de Jeje. A decisão era de Bells e Michelle. Noble olhou para as duas bonecas na estante. Eram muito bem feitas, não pareciam ter sido feitas a mão por uma fêmea praticamente cega.
Honest terminou a arrumação, tudo estava perfeitamente alinhado.
"Simple é meticuloso, mas você não, como sabe onde tudo fica?" Honest sorriu, travesso.
"Não está tudo no lugar certo, há uma coisa fora do lugar." Ele disse. Noble olhou para a estante, mas não conseguiu descobrir o que estava fora do lugar, tudo parecia no lugar certo para ele.
"Que tal falar com Peter? Ele é acasalado com a humana mais cabeça dura que conhecemos, ele talvez te ajude e a casa dele fica perto da de Brass." Honest sugeriu, Noble achou uma boa idéia.
Ele abraçou seu irmãozinho e antes de sair, e perguntou:
"Eles fariam isso? Trocariam de lugar e não contariam para você?" Aquilo estava incomodando Noble. Candid parecia ele mesmo, mas...
"Não. Não há mais por que fazer isso. E Sim está mesmo fora. Ele vai trazer Honor de volta." Honest disse, mas sem muita convicção. Colocar um bibelô fora do lugar era uma armadilha, ele só faria isso se estivesse desconfiado. É claro que não diria isso para Noble. Eles resolviam as coisas entre eles, os pestinhas.
Noble saiu andando e ao invés de ir para a casa de Peter e Charlie, ele se viu subindo a colina que levava a casa de Pride. Pride tinha a memória do cheiro de Simple, ele poderia sanar aquela dúvida que consumia Noble.
É claro que era apenas uma distração, Noble estava tentando não pensar no fato de que teria de conversar com Sarah dali a algumas horas. Assim que a sentisse acordar, ele iria até ela. Ele inspirou, Sheer não estava em casa, mas Pride, Minerva e Lily estavam. Pride estava na cozinha.
Ele bateu e Lily abriu a porta já se jogando nos braços dele. Noble a suspendeu nos braços, ela o encheu de beijos.
"Gatinho valente!" Ela o abraçou apertado, ele riu. Já era bem tarde e ela estava acordada, o que estava acontecendo?
Noble entrou na casa com ela nos braços, Lily era bem diferente das outras fêmeas da idade dela, ela era gordinha, bem roliça. Seu rosto era redondo, suas bochechas eram rosadas, ela era linda.
"Mamãe está com dificuldade para dormir." Lily explicou.
"A que devemos essa honra?" Minerva veio andando meio de lado, a barriga dela estava enorme.
"Eu vim dar um beijo em vocês e falar com Pride." Ele disse e a beijou na testa.
"Eu vim dar um beijo em vocês e falar com Pride." Seu irmão disse imitando a voz de Noble perfeitamente, enquanto aparecia na sala.
"Se mexeu!" Minerva riu, Pride fechou a cara.
"Ele tem que mexer quando eu falo, não o papai. Ou você." Ele disse mal humorado.
"Que culpa eu tenho se você tem voz de fêmea?" Noble disse, Pride rosnou.
"Você tem muita coragem em vir na minha casa e me dizer isso." Pride disse, Lily se intrometeu:
"O vovô ama que o meu irmãozinho mexe para ele!" Pride assentiu e a beijou no rosto.
"É verdade. Meu filhote vai ser o neto preferido dele." Noble franziu as sobrancelhas.
"Todos os netos do seu pai são nossos, o que você quer dizer com isso?" Minerva perguntou. Pride piscou.
"Nossa! É mesmo. Até agora, eu sou o único que está levando o nome do papai adiante. Mas quando seus filhotes nascerem, papai ainda vai preferir os meus." Ele disse, Minerva bufou e saiu da sala.
"Mesmo que os meus filhotes sejam mais parecidos com ele do que os seus?" Noble perguntou, Pride o encarou. Noble era uma réplica de Valiant, os filhotes dele também seriam. Talvez um ou outro poderia ter os olhos azuis como Sarah, mas seriam parecidos com Noble e por tabela com Valiant. Já Pride era muito diferente, com suas feições delicadas, olhos azuis e cabelos vermelhos escuros. Sheer era uma réplica dele e esse outro filhote ainda poderia ser parecido com Dusky. Noble sorriu.
"Acha que seu filhote pode se parecer com Dusky?" Pride arreganhou os dentes.
"O que veio fazer aqui a essa hora? Apanhar?"
"Eu..." Noble pensou em quando Livie o apagou. Ela apareceu na cabana, entrou, sorriu para ele e tudo se apagou. Depois disso Sarah voltou para a Reserva desacordada.
"Sarah ainda está dormindo." Foi só o que ele conseguiu dizer.
"Eu sei." Pride suspirou.
"Mas vão se acertar. Sarah mentiu para você. É, humanas fazem isso as vezes. Mas foi por um bom motivo, Nob." Pride disse se sentando no sofá. Noble acenou.
"Quando ela acordar vamos conversar, eu vim aqui por outro motivo." Pride se esticou.
"Diga." Noble se aproximou dele, ficando bem perto, Pride o olhou curioso.
"O cheiro de Simple está em mim?" Noble perguntou. Pride disse sem pestanejar:
"Não. Eu sinto o cheiro de Candid e de Honest, de Simple não." Noble o encarou. Simple era muito esperto e ele e Pride eram próximos. Pride mentiria? Os olhos azuis de seu irmão estavam límpidos, claros, ele estava sendo sincero. Noble suspirou.
"Já teve a sensação de que estavam te enganando? Eles trocavam de lugar, mas eu tenho a memória do cheiro de Honest, ele quase sempre era Simple. Então não me importava, mesmo eu não sabendo direito quem era quem com os outros dois." Pride assentiu.
"Sim, eu tinha o mesmo problema. Mas Simple sempre foi muito transparente pra mim, então eu me concentrava nele. Fora que tinha meus próprios problemas." Noble se levantou.
"Eu vou indo. E sim, Sheer e Lily sempre vão ser especiais para o papai, e quando seu novo filhote nascer, ele vai cair de amores por ele, todos vamos." Pride torceu as mãos.
"Eu estou com medo. A cada dia que o parto se aproxima, eu me borro todo." Noble sorriu.
"Você sempre foi um cagão. Mas não se preocupe, vai dar tudo certo." Noble brincou, Pride sorriu.
"Você está muito abusado, isso é má influência de Sarah? Se é, devo dizer que eu gosto desse novo Nob. Agora posso quebrar a sua cara." Noble riu e saiu da casa de seu irmão. Foi bom ir ali, foi muito bom. O fez pensar que algum dia seria ele a se borrar de medo do parto de seu filhote. Sarah era humana, frágil e pequena, seria difícil, mas sua mãe também era pequena e colocou dez filhotes no mundo, tudo daria certo.
Ele quase não foi até a casa de Peter. Já era madrugada, ainda que muitos Novas Espécies fossem notívagos. Eles não precisavam dormir como os humanos. O próprio Noble já tinha ficado mais de cinco dias sem dormir, obsecado por uma composição. E sendo canino, se estivesse acordado, Peter sentiria Noble a distância.
A questão era outra. Eles nunca foram muito chegados, Peter era mais amigo dos gêmeos. E dentre os gêmeos, ele era mais amigo de James. Mas ele acabou batendo na porta de Peter e logo o ouviu dentro da casa indo até a porta.
Peter abriu a porta devagar, acenou e disse enquanto saía e fechava a porta:
"Então era você. Você é rápido?" Ele perguntou, Noble deu de ombros.
"Por que a pergunta?"
"Eu me vi correndo de madrugada com alguém de cabelos ruivos. Depois disso não consegui mais dormir. Bom, cinquenta pratas que chego antes de você nas terras de Lash."
Antes de terminar de falar ele já corria, Noble foi atrás.
Quando estavam longe na estrada, Peter aumentou a velocidade, Noble o acompanhou, estavam mesmo indo na direção das terras de Lash. Peter demorou para parar, Noble já sentia seus pulmões explodindo quando ele finalmente parou. Peter se deixou cair no chão, Noble se sentou.
"Eu também ganhei em minha visão." Noble ia reclamar que aquilo era injusto, mas estava meio enjoado.
Peter apontou para uma árvore, havia uma plaquinha escrito "Território de Lash North" pregada nela, Noble respirou fundo e se deitou no chão. O céu estava lindo, uma lua cheia ainda dominava o centro do firmamento.
"Papai está cada vez mais preguiçoso, não quer correr comigo. Silent dorme muito cedo, correr de dia, debaixo do sol não é tão bom. Harrison nunca gostou de correr." Noble acenou.
"E Peace? Ou Rom?" Noble perguntou, Peter bufou.
"Peace ainda é pequeno, não tem a minha velocidade e Rom? Bom, digamos que ele estar com a sua irmã já é uma coisa tão improvável que nunca mais o obrigaremos a correr." A voz de Peter mudou um pouco quando disse as últimas palavras. Antes de irem embora, os clones estavam empenhados em fazer Romulus correr em todas as oportunidades. Era triste pensar que eles estavam a serviço de Samantha agora.
Ele se levantou e se encostou na árvore com a placa.
"O vínculo está te incomodando não é? Eu me lembro dessa fase. Não somos como nossos pais, estar vinculado para eles é a realização de suas vidas, mas para nós não é assim, estar vinculado para nós faz parte da construção de quem nos tornamos, é uma parte de nossas vidas, não o objetivo principal. Não sei se estou me fazendo entender, minha cabeça está girando." Ele fechou os olhos. Eles tinham corrido uma longa distância e muito rapidamente, Noble estava zonzo.
"Estou vinculado então? Por que eu me sinto como sempre. Eu sempre amei Sarah, mas tive uma longa lista de namoradas, quer dizer, para um Nova Espécie." Peter acenou, os olhos dele estavam claros, gelados como sempre, mas Noble se sentia acolhido.
"Não funciona como funciona para os de primeira geração, embora eu não ter conseguido manter uma ereção de qualidade depois que conheci Charlie, eu quis foder outras fêmeas. Era para esquecê-la, mas eu toquei em outras."
Noble se lembrou de todas as outras fêmeas. Ele realmente gostou de algumas delas, mas nada que se comparasse ao que ele sentia por Sarah.
"Eu acho que depois que eu a possui, eu acabei para as outras. Eu morri para outras fêmeas, de um jeito tal que até ficar muito perto de outra fêmea que não seja do meu grupo de afeição, me incomoda terrivelmente. Você devia ir fazer compras num shopping. Entre em diversas lojas, se deixe ser visto e quando sair de lá terá certeza de que está vinculado." Peter riu.
Noble pensou em tocar em outra fêmea e seu corpo estremeceu só de imaginar isso. Se imaginar sendo tocado então, lhe dava ânsias.
Peter, olhando no rosto dele, disse:
"No começo é pior. Dá vontade de tomar banho se outra fêmea nos toca, mesmo que de forma não sexual. Depois vamos nos acostumando, fica mais fácil." Noble resolveu acreditar nele, mas era difícil.
"Acha que a diferença é eu e Sarah termos compartilhado sexo?" Peter assentiu lentamente com a cabeça.
"Exato. O ato sexual conclui o vínculo. E essa teoria não é minha, é de Gabriel." Ele disse, Noble se lembrou do 'médico vampiro' como Lily o chamava.
"Vocês conversaram sobre isso?" Peter se sentou no chão.
"Sim. Eu e ele acabamos por retomar nossa relação. Ele não é o mesmo de antes, o mesmo monstro que abusou de mim e de Kit. Ele não tem muito afeto por mim ou por qualquer outra pessoa, mas é quase que um amigo. Papai o ama, não me pergunte por quê." Noble acenou.
"Ele disse que o vínculo tem um propósito escondido, um que ninguém leva em conta, mas que está lá." Peter começou.
"É claro que se destina a perpetuação nossa espécie, mas é mais que isso. Para Gabriel, no caso da primeira geração, o vínculo serve para apontar uma companheira ideal. Alguém que tenha em seus genes a capacidade de mudar seu DNA para adquirir a longevidade que nós temos. Ainda que não saibamos quanto tempo iremos viver, já sabemos que será bem mais que os humanos. Já no nosso caso, sermos de segunda geração significa que o objetivo primordial, a perpetuação da espécie foi atingido, assim temos mais possibilidades de escolha." Noble pensou nisso.
Seu pai já estava chegando a casa dos sessenta anos, isso se a idade com que basearam todos os Novas Espécies quando eles foram libertos, trinta anos, estivesse certa. Comparado com um humano, seu pai parecia ter os mesmo trinta anos que lhe deram no famoso 'Dia da Liberdade'.
Noble olhou nos olhos de Peter. Ele já tinha pensado nesse assunto, mas era um assunto por demais desconfortável.
"Acha então que minha mãe irá viver mais que uma humana normal?" Peter acenou afirmativamente.
"Ela e todas as outras. Isso é um alívio, não é?" Peter perguntou.
Era. Imaginar uma vida longa sem Sarah era algo que ele se negava a fazer, mas em sua mente esse pensamento já tinha tentado se desenvolver e ele o tinha cortado.
A partir dessa informação, o vínculo se tornava outra coisa. Uma benção, mas também um desígnio absoluto.
"Assustador, não é?" Peter sorriu.
"Eu tenho de vê-la." Noble saiu correndo, ele estava a uma cidade pequena de distância, mas a urgência que o sacudiu o impulsionou a correr em sua velocidade máxima.

FILHOTES DE VALIANT - NOBLE Onde histórias criam vida. Descubra agora