Mileven: Two Worlds

O novo dormitório de Mike Wheeler

Mike

Coisas ruins acontecem. Todos os dias, todas as horas, em todos os lugares. Às vezes você pode modificá-las, porém o mundo nem sempre gira ao nosso favor.
Machucar aquele homem inocente, cujo nome desconheço até agora, tinha violentamente atormentado algo dentro de mim; talvez o bom senso. 
Eu o deixara inconsciente, por dura pressão já que a segurança da Lucky estava ameaçada, porém não fui forte o bastante para ir até o fim. Eu não podia finalizar aquilo. Não podia matar alguém tão vítima quanto eu e isso me fez perder a cabeça.
Resisti. Lutei. Consegui ferir dois soldados envolvidos, não usando o meu poder, apenas alguns golpes de ataque que aprendi com Dylan, e sim, também aprendera observando a Jane; Mas então experimentei novamente a sensação de ser atingido por meia dezena dardos tranquilizantes.
Olho o medalhão do papai em minhas mãos, dedilhando uma frase que está escrita em sânscrito e que sei significar "Sê mais esperto do que os outros, se puderes, mas não lhes digas isso". 
Havia sido uma surpresa que eles não tinham tomado-o de mim, porém um grande alívio também, porque esse medalhão me é a única recordação palpável do cara que eu mais admiro no mundo. A lembrança do meu pai era uma das coisas mais fortes, importantes, em minha mente.
 Não há como mudar o passado, é claro, mas o futuro está em nossas mãos.
Ou pelo menos estava nas minhas até poucos dias atrás.
- Está me ouvindo, garoto? - general Evans estala os dedos diante dos meus olhos.
Seu semblante está marcado por linhas de irritação. Militares não gostavam, em hipótese alguma, de serem ignorados durante os seus discursos.
- Não. - digo, porque é a verdade. Eu não fazia a mínima ideia do que ele poderia estar falando.
General Evans balança a cabeça, se movendo com irritação até Brenner, que me olha fixamente de uma maneira nenhum pouco agradável.
Estávamos num laboratório que eu nunca tinha vindo antes. Assim como os outros, estava repleto de aparelhos e instrumentos que poderiam estourar meu cérebro em questão de minutos. Uma semana e meia já haviam se passado, e eu duvidava muito que aguentaria outra dessas, ou até o fim do mês.
Movo os olhos para os militares a alguns da poltrona reclinável. Eles gesticulam enquanto falam, às vezes parecendo discutir sobre algum assunto no qual as opiniões divergem.
Continuo observando-os ao longe, notando a rigidez que começa a se formar em minha mandíbula. Achava o ódio um sentimento baixo, muito menor que um grão de areia, e muito mais destrutivo que a maioria das coisas, mas não havia como evitá-lo. Não olhando para aqueles dois homens que de humanos não tinham praticamente nada.
Estou abrindo a boca para falar algo, provavelmente uma insanidade que pioraria a minha situação, quando o barulho das portas eletromagnéticas sendo destravadas me faz mudar de ideia.
Jane passa por ela, com o olhar baixo, e um semblante como jamais tinha-a visto expressar; quase de imediato, me pego pensando no que poderia ter acontecido para deixá-la daquela forma. Meus olhos se prendem à sua figura como um imã enquanto a vejo rumar até a dupla, que a recebe de braços abertos assim que pisa dentro da sala. 
Seus olhos vem de encontro aos meus enquanto o rosto está encostado contra o braço do pai; vejo-me engolir em seco ao sentir suas emoções me atingirem, frenéticas e intensas como se fossem as minhas próprias, tudo a partir de um único olhar compartilhado. 
Porque não importa o quão estúpido eu já tenha me sentido sobre isso, meu coração sempre irá reagir à sua presença com uma empolgação impossível de se conter. 

∆

Lucky

Puta.
que.
pariu.
Há horas eu estou definhando nessa sala, tanto de tédio quanto de fome, por algum motivo. Talvez por ter arranhado o soldado ontem, talvez somente por todos eles serem uns merdas sem coração.
Engulo mais uma vez o orgulho ferido, entalado há dias. Estou pensando novamente em Mike e Jane, em como aqueles dois pareciam estupidamente apaixonados em todas as vezes que os vi passar um pelo outro nos corredores ou mencionei seus nomes nas poucas conversas com cada um.
Os olhos deles se acendiam a todos os momentos em que se viam, mesmo que estivessem trocando farpas. Caramba, era uma coisa bonita; sim, havia algo tão bonito na forma, que chegava a ser ridículo. Ridículo porque ela, ao contrário de mim, não tinha feito nada para merecer a admiração suprema dele, muito pelo inverso: tinha fodido com a nossa vida.
Fala sério, se não fosse por aquela imbecil, talvez estivéssemos todos juntos a essas horas. Se ela nunca tivesse pisado no Recanto dos Unicórnios, talvez Mike e eu ainda estaríamos nos divertindo em nosso quase-relacionamento, e quem sabe no futuro, ele tivesse começado a retribuir os meus sentimentos como eu sempre quis.
Mas são esses tantos "talvez" que têm pisado nos saquinhos do meu coração partido. Eu sou apaixonada pelo Mike desde que me unira a seu bando, e até então jamais precisara me preocupar em modificar isso. Amava a sua coragem, a sua inteligência, o seu altruísmo... eu amava tantas coisas nele que não tinha como passar por aquilo sem sofrer. 
Uma lágrima me escapa, trilhando solitária até o final do queixo. Nós tínhamos alcançado o fim do nosso relacionamento, sem que ele tivesse ao menos a chance de um verdadeiro início.
Eu fiquei frente a frente com a Jane apenas três vezes, mas não era possível olhá-la e não me sentir diminuída. Ela tinha tudo o que eu queria, a evidente atenção do Mike, e ainda não tinha acordado para dar valor a isso.
Fecho uma mão em punho, sentindo uma dor fina atingir a base do meu crânio como um punhal. O estômago já tem reclamado tanto, que nem suas próprias paredes são mais o suficiente para contê-lo; elas já foram roídas o máximo.
Sem resistência alguma contra a dor lancinante, no instante seguinte estou caindo no chão, por pouco não batendo a testa na borda da mesa de madeira dura, o que seria um desastre, mas não tenho forças nem mesmo para me reerguer. 
A escuridão nunca me pareceu tão convidativa.