Quase suficiente, amor.

Carta para a sol

"  Oi Sol sou eu, Ceci.

Que bobagem a minha me apresentar como assim você não iria reconhecer minha letra? A essa altura da vida você já sabe que sou eu, me perdoe por te deixar tão cedo e me perdoe por não deixar você sofrer tudo comigo. Sempre achei carta uma coisa muito antiquada para nossa época, mas infelizmente precisei fazer algo que ultrapassasse as barreiras do tempo e da tecnologia, e sabe, não sou tão corajosa para falar algumas coisas olhando em seus olhos.

Lembra quando nos conhecemos? Tenho certeza de que achou que eu seria uma ruiva metida a besta, que bom que me deu uma chance de provar que não era assim. Antes de você nunca tive uma melhor amiga, muito menos alguém para ser a minha irmã, mas você foi isso e muito mais. Ao seu lado a solidão se foi, você tirou o peso do mundo dos meus ombros.

Se eu fosse descrever todos os momentos que vivemos, sorrimos e choramos juntas, ficaria sem mãos e juro que minha força está ficando menor a cada hora. Após conhecer você, minha vida sem graça mudou e nem lembro como me sentia antes, você me deu uma amizade sincera, noites em família quando estive sozinha e conforto quando achei que minha vida estava acabada. Você também me deu tantos motivos para sorrir, tantos motivos para dançar e pular, tudo que vivemos passa como uma câmera lenta em minha mente e meu coração dói muito. Nossas primeiras vezes compartilhadas, nossos amores, nossas dores, todas as vezes que me passou as respostas nas provas e de quando combinamos que eu te seguiria para a faculdade publica apenas por não querer ficar longe de você, me perdoa por não conseguir fazer isso acontecer... Você sabe que não podemos entender os planos de Deus, apenas é dessa forma que eles acontecem.

Sol me deixa contar tudo novamente?

Sem qualquer sintoma eu descobri o câncer de mama nas primeiras consultas do pré-natal da Liz e eu estava no início da gravidez, qualquer tentativa de me ajudar, ariscaria tirá-la de mim e não consegui fazer nada mesmo com minha médica insistindo a ponto de brigar comigo. Não culpe a Laís por isso, eu pedi que ela assinasse um documento de sigilo e assinei um documento de responsabilidade por minha própria vida e não existia nada que ela como médica pudesse fazer a não ser respeitar isso, está no código de ética dela e como ela poderia ir contra uma pessoa que estava passando por tudo aquilo?

Eu pedi para que a gestação evoluísse mais para que pudéssemos fazer alguma coisa, mas como se tivesse que ser tudo aconteceu rápido demais. Quando com cinco meses de gestação, naquela consulta que fomos aonde eu pedi para entrar sozinha e você mentiu para minha mãe por mim, eu descobri que tudo estava ainda pior, eu e eu comecei todos os tratamentos possíveis e imagináveis, até aplique de cabelo eu usei e graças a Deus vocês nem perceberam.

Quando todo o tratamento começou, a única pessoa que sabia disso era minha avó, e o mês que passei na casa dela foi para fazer uma cirurgia que deveria ter ajudado e nada mudou como prevíamos, foi por isso que não toquei de roupa na sua frente ou fui a praia com você e o Vicente, eu emagreci um pouco. Foi por isso que me recusei a fazer o famoso ensaio de gravidez com pouca roupa, eu estava com uma cicatriz aparente no seio , foi difícil passar por tudo sozinha, mas foi escolha minha.

O motivo de esconder isso de todos, incluindo meus pais, foi poupar vocês de um sofrimento continuado quando ninguém poderia fazer mais nada, queria apenas passar todos os melhores momentos com vocês. Quando terminei com o Junior, não foi apenas por falhas dele, foi por amá-lo tanto a ponto de não querer vê-lo sofrendo ao meu lado, e claro para que ele já começasse a se costumar sem mim. Mesmo que nada disso faça sentido, fez para mim até agora e fui feliz assim.

Mesmo sendo raro eu fui uma menina gravida de dezessete anos que descobriu um câncer de mama tardio e não o venceu, mas acredite que estou em paz pois consegui salvar minha filha. Quando a médica disse que estava em estagio metastático e eu teria pouco tempo, aquilo me assustou, eu nem veria minha filha andar ou poderia levá-la até a escola ou até mesmo te veria na faculdade e torcia pelo menos te ver vencendo as nacionais. Todos esses meses vivi com medo do tempo, dos dias e de se daria tempo passar mais tempo com todos vocês. No final a minha missão mais importante foi proteger a Liz, ela veio ao mundo para deixar uma parte de mim com vocês e posso entender isso agora.