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NA CALMARIA ANTES DA tempestade — neste caso, o sossego antes da suíte nupcial ser invadida pelas madrinhas da festa de casamento da minha irmã gêmea que está encarando a unha recém pintadas de rosa claro.

— Aposto que você está se sentindo aliviada por eu não ser uma noiva neurótica — ela diz, olhando pra mim do outro lado do quarto e sorrindo. — Aposto que você esperava que eu fosse insuportável.

Compartilho um olhar cúmplice com nossa prima Soyeon, que está retocando as unhas dos pés de Hyejin e aponto para o corpete do vestido de noiva que estou me certificando de que cada lantejoula está arrumada.

— Defina noiva neurótica.

Hyejin volta a encontrar meus olhos, desta vez com uma expressão sem ânimo. Ela está maquiada e com um véu fofinho preso em seus cabelos escuros penteados para cima. É chocante. Quero dizer, estamos acostumadas a parecer praticamente idênticas, apesar de sabermos que somos pessoas completamente diferentes, mas isso é algo totalmente estranho: Hyejin é o retrato de uma noiva. De repente, sua vida não se parece nada com a minha.

— Eu não sou uma noiva neurótica — ela se defende. — Sou uma noiva perfeccionista.

Encontro minha lista e a seguro no alto, agitando-a para chamar a atenção dela. É um papel com o título "Lista de tarefas Minji — Edição do Dia do Casamento" que inclui setenta e quatro itens, abrangendo desde "Verificar a simetria das lantejoulas no vestido de noiva" até "Remover todas as pétalas murchas dos arranjos de mesa"

Todas as damas de honra possuem suas próprias listas, talvez não tão longas quanto a minha de madrinha, mas igualmente caprichadas.

— Algumas pessoas considerariam estas listas um pouco exageradas — afirmo.

— Essas são as mesmas "Algumas pessoas" que pagam os olhos da cara por um casamento que não chega nem aos pés do meu — minha irmã responde.

Com certeza você sabe oque dizer a respeito de profecias que se cumprem sozinhas. Vencer faz você se sentir um vencedor, e então, de alguma forma, você continua vencendo. Deve ser verdade, porque Hyejin ganha sempre. Em uma feira de rua, ela jogou seu nome na tijela de uma rifa e voltou para casa com um par de ingressos para uma peça de teatro. Em um bar, pôs seu cartão de visita em um copo e ganhou cerveja grátis por um ano. Ela ganhou tratamentos de beleza, livros, ingressos para estréias de filmes, um cortador de grama, uma infinidade de camisas e até um carro.

Tudo isso para dizer que, assim que Lee Junseo a pediu em casamento, Hyejin viu como um desafio poupar nossos pais das despesas da festa. Na realidade, nossos pais podiam se dar ao luxo de contribuir — eles são complicados em vários aspectos, mas o financeiro não é um deles — mas, para Hyejin, dar um jeito de não ter que pagar por nada é o melhor tipo de jogo. Se Hyejin antes do noivado considerava concursos como um esporte competitivo, a noiva Choi Hyejin os encarava como as Olímpiadas.

Então, ninguém em nossa família ficou surpresa quando ela planejou com sucesso uma cerimônia de casamento chique com duzentos convidados, um bufê de frutos do mar, uma fonte de chocolates e rosas multicoloridas transbordando de cada jarra, vasos e taças — e desembolsou extremamente pouco de seu bolso. Minha irmã ralou muito para encontrar as melhores promoções e reposta todos os sorteios de Twitter, Instagram e Facebook.

Finalmente convencida de que não há lantejoulas fora do lugar, tiro o cabide de um gancho de metal preso á parede, com a intenção de levar o vestido de noiva para Hyejin. Porém, assim que toco nele, minha irmã e minha prima soltam um grito.

— Deixe isso aí, Minji! — Ela diz. — Eu pego, com sua sorte, você vai tropeçar, cair na vela, e o vestido se transformar em uma bola de fogo com lantejoulas derretidas.

Eu não discuto, ela não está errada.

Ao passo de que Choi Hyejin é um trevo de quatro folhas, eu sempre fui azarada. Não digo isso para ser dramática ou porque pareço azarada quando comparada a ela, é um fato. Pesquise no Google "Choi Minji, Busan" e você vai encontrar dezenas de artigos e uma sequência de comentários dedicados á ocasião em que escalei por dentro de uma daquelas máquinas de pegar bichinhos e fiquei presa. Eu tinha seis anos e, quando o ursinho de pelúcia que tinha capturado não caiu, decidi entrar lá e pega-lo.

Passei duas horas dentro da máquina, cercada por um monte de ursinhos duros, com pelo áspero e cheirando a produtos químicos e poeira. Lembro-me de olhar através do acrílico manchado com marcas de mãos e ver um desfile de rostos frenéticos gritando ordens abafadas uns para os outros. Aparentemente, quando os donos da loja explicaram aos meus pais que não eram donos da máquina e, portanto, não tinham a chave para abri-lá, o corpo de bombeiros foi chamado, seguido rapidamente por uma equipe do telejornal local, que documentou meu resgate.

Vinte anos depois e — Obrigada, Youtube — ainda há um vídeo circulando. Até o momento, quase quinhentas mil pessoas assistiram e descobriram que fui teimosa o bastante para escalar dentro da máquina e azarada o bastante para prender o passador do cinto na saída e deixar minha calça para trás com os ursinhos.

Esta é apenas uma história de muitas. Então, sim, Hyejin e eu somos gêmeas quase idênticas — nós duas temos um metro e sessenta de altura, olhos castanhos, nariz arrebitado e olhos grandes, mas, eu tenho cabelos longos pretos pintados com tinta, e Hyejin, cabelos castanhos naturais na altura do ombro, mantendo um corte em camadas sempre em dia.

Nossa mãe sempre procurou abraçar nossas diferenças para que nos sentíssemos como indivíduos e não como um conjuntinho. Sei que suas intenções eram boas, mas, desde que me lembro, nossos papéis estavam definidos: Hyejin é a otimista em busca da luz no horizonte, enquanto eu tendo a presumir que o céu vai desabar. Quando tínhamos três anos, mamãe até nos fantasiou de Ursinhos Carinhosos para o Halloween. Hyejin era o Ursinho Raio de Sol. Eu era o Ursinho Zangadinho.

E minha sorte nunca melhorou. Nunca ganhei um concurso, um bolão de escritorio, um prêmio de loteria, nem mesmo uma brincadeira de prender o rabo no burro. No entanto, quebrei uma perna quando uma pessoa caiu para trás na escada e me derrubou, fui consistentemente sorteada para fazer a limpeza do banheiro durante todas as férias em família por um período de cinco anos seguidos, um cachorro fez cocô em mim enquanto eu tomava sol na praia, vários pássaros fizeram cocô em mim ao longo dos anos, e, aos 16 anos, fui atingida por um raio — sim, é sério — e sobrevivi para contar a história (mas tive que ir ao reforço escolar no verão porque perdi duas semanas de aulas no fim do ano).

Hyejin gosta de me lembrar de que uma vez adivinhei o número correto de doses restantes em uma garrafa de tequila pela metade. Porém, depois de beber a maioria das doses e jorrar tudo para fora, aquilo não pareceu exatamente uma vitória.

@ard4kani

𝗧𝗛𝗘 𝗨𝗡𝗛𝗢𝗡𝗘𝗬𝗠𝗢𝗢𝗡𝗘𝗥𝗦 ― 𝗟𝗘𝗘 𝗠𝗜𝗡𝗛𝗢Onde histórias criam vida. Descubra agora