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A PIOR COISA EM relação a crises é que não é possível ignorá-las. Não posso simplesmente voltar a cama, me enfiar debaixo das cobertas e dormir pelo próximo mês. Às oito da manhã, apenas uma hora depois da partida de Hyejin, tia Rosé me manda uma mensagem avisando que tenho que ir até o restaurante e conversar com Junghoon sobre o emprego de garçonete.

   Junghoon é dez anos mais velho que eu, mas tem um rosto jovial e um sorriso brincalhão, o que ajuda a me distrair do impulso palpitante de arrancar todos os cabelos e me jogar no chão. Já estive no restaurante dele cerca de cem vezes, mas enxergá-lo sob a perspectiva de funcionária é surreal. Ele mostra meu uniforme, depois onde a escala de trabalho está pendurada, como é o fluxo de trabalho na cozinha e onde a equipe de funcionários se reúne para jantar antes de o restaurante abrir todas as noites.

Tenho anos de trabalho como garçonete em meu currículo — todas nós temos, muitos dos quais em um dos restaurantes do primo Junghoon — mas nunca em um lugar tão chique. Vou precisar usar calça preta e uma camisa branca engomada, com um avental branco simples em volta da cintura. Também vou precisar memorizar o cardápio, em constante mudança, e de um treinamento com o sommelier e o chef confeiteiro.

   Confesso que estou muito ansiosa em relação a essas duas últimas coisas.

   Junghoon me apresenta aos demais garçons — certificando-se de deixar de fora a informação de que sou sua priminha — e aos chefs, aos sub-chefs e ao barman que por acaso está ali fazendo o inventário. Meu cérebro está tentando guardar todos os nomes e informações. Assim, fico grata quando Junghoon me diz para estar no restaurante amanhã para a reunião e o treinamento da equipe que começará às quatro da tarde. Vou acompanhar um garçom chamado peter, e, quando Junghoon pisca como que querendo dizer que "Peter é lindo", meu estômago embrulha porque quero estar com meu homem lindo, aquele que me conquistou com sua sagacidade, sua risada e, sim, seus biceps e clavículas. Porém, estou chateada com ele, e talvez ele esteja chateado comigo; sinceramente não faço ideia de como isso vai acabar.

   Junghoon deve ter percebido alguma reação em mim, porque ele beija o alto da minha cabeça e diz:

— Estou com você, querida.

   Quase desabo em seus braços, porque não sei se é sorte ou as nossas gerações garantindo isso, mas tenho uma família realmente incrível.

   É só meio-dia quando volto para casa, e é deprimente registrar que deveria estar na metade de meu segundo dia de trabalho na Hamilton, conhecendo novos colegas e abrindo contas. Porém, reconheço que há um pequeno vislumbre no fundo de meus pensamentos; não é alívio, não exatamente, mas também não é totalmente diferente de alívio. É que eu aceitei o que aconteceu — eu errei e fui demitida por causa disso — e, na verdade, sinto-me bem com isso. Graças à minha família, tenho um emprego que pode me sustentar pelo tempo que eu precisar e, pela primeira vez na vida, posso me dedicar a descobrir o que quero fazer.

   Assim que terminei a faculdade, fiz uma pós-graduação e imediatamente ingressei na indústria farmacêutica, trabalhando na intermediação entre os cientistas pesquisadores e os médicos. Gostei muito de ser capaz de traduzir a ciência para uma linguagem mais clínica, mas tambem nunca tive um trabalho que me fizesse sentir realizada. Ao conversar com Minho a respeito de seu trabalho, senti-me como o Dilbert. Por que eu deveria passar a vida inteira fazendo algo que não me excita?

   Resmungo com essa nova lembrança de Minho e, embora eu saiba que de está no trabalho, pego o celular e envio-lhe uma mensagem curta.

Minho 😼

Vou estar em casa hoje à noite, se você quiser vir aqui —

ele responde em poucos minutos.

𝗧𝗛𝗘 𝗨𝗡𝗛𝗢𝗡𝗘𝗬𝗠𝗢𝗢𝗡𝗘𝗥𝗦 ― 𝗟𝗘𝗘 𝗠𝗜𝗡𝗛𝗢Onde histórias criam vida. Descubra agora