039

335 44 44
                                    


   A VOLTA PARA CASA é um borrão. Meu estado emocional se alterna entre a raiva de mim mesma por tudo isso, o medo de meu dinheiro acabar, a fúria com Junseo, a tristeza e o desapontamento com Minho e o total pesar por Hyejin. Não basta nutrir esperanças de que Junseo mude de vida agora que está casado: ele é uma má pessoa e minha irmã não faz a menor ideia.

   Tento não ser dramática pensando demais no que Minho disse. Tento dar a ele o benefício da dúvida e imaginar como me sentiria se alguém acusasse Hyejin de fazer isso. Eu nem preciso pensar nisso: faria qualquer coisa por minha irmã. E é neste momento que me toco de algo. Lembro-me do rosto sorridente de Junseo no aeroporto e de meu espanto hoje por ele ter dado em cima de mim com o próprio irmão a apenas alguns metros de distância. A confiança de Junseo, em ambos os casos, não teve a ver comigo ou com minha capacidade de manter seu segredo. Teve a ver com Minho e sua incapacidade de acreditar que Junseo faria algo ruim intencionalmente. Minho será leal até o fim ao irmão.

   Cogito em ir até a casa de Hyejin, mas, se ela estava planejando nos encontrar no bar, não estará lá. Ela e Junseo também vão voltar para casa juntos mais tarde. Com certeza, não quero estar presente quando Junseo aparecer.

   Não achei que fosse possível, mas meu humor piora ainda mais quando entro no estacionamento. Não só o carro de minha mãe está ali (e estacionado em minha vaga coberta) como também o de Hyunjin e da prima Sohee, o que significa que minha tia provavelmente também está aqui.

   Com o carro estacionado do outro lado do condomínio, arrasto-me pela neve derretida e subo as escadas para o apartamento. Já consigo ouvir a risada estridente de minha tia; ela é a irmã de minha mãe com a idade mais próxima da dela, mas as duas não poderiam ser mais diferentes: mamãe é polida e exigente; titia é informal e ri constantemente. E, enquanto mamãe teve apenas a mim e à  Hyejin (porque, ao que tudo indica, ter tido gêmeas foi o suficiente para ela), titia teve sete filhos, cada um com dezoito meses de intervalo do outro. Só quando eu estava na quinta série me dei conta de que nem todo mundo tem dezenove primos de primeiro grau.

   Embora nosso núcleo familiar seja relativamente pequeno em comparação ao do resto da turma, um estranho nunca saberia que só quatro de nós morávamos em nossa casa quando eu era criança, porque pelo menos duas outras pessoas sempre estavam lá. Os aniversários eram eventos enormes, os jantares de domingo costumavam ter trinta pessoas à mesa e nunca havia lugar para ficar de mau humor sozinho. Ao que tudo indica, não mudou muita coisa.

— Tenho quase certeza de que ela é lésbica — titia está dizendo quando fecho a porta atrás de mim. Ela levanta os olhos ao ouvir o som e aponta para Sohee. — Diga a ela, Minji.

Desenrolo o cachecol do pescoço e piso forte para tirar a neve das botas. Depois da caminhada pelo estacionamento, minha paciência já está no limite.

— De quem estamos falando?

Titia está parada junto à bancada da cozinha, cortando tomate.

— Chaeyoung.

Chaeyoung, a filha mais nova de tio Joongki, o irmão mais velho de mamãe e titia.

— Ela não é lésbica — digo. — Ela está namorando aquele cara Canadense. Como é mesmo o nome dele?

Olho para a Sohee.

— Boston — ela responde.

— Isso mesmo. Meu Deus, que nome horrível.

— É o nome que se dá ao cachorro, e não ao filho — Sohee concorda.

   Tiro o casaco e o jogo no espaldar do sofa. Imediatamente, minha mãe se afasta da massa que está enrolando e atravessa a sala para pendura-lo. Parando diante de mim, ela tira meu cabelo úmido da testa.

𝗧𝗛𝗘 𝗨𝗡𝗛𝗢𝗡𝗘𝗬𝗠𝗢𝗢𝗡𝗘𝗥𝗦 ― 𝗟𝗘𝗘 𝗠𝗜𝗡𝗛𝗢Onde histórias criam vida. Descubra agora