Distraidamente eu estava assistindo a um partido de futebol entre Sporting e Braga, da Primeira Liga Portuguesa. O velho apartamento em Lisboa ainda abrigava minh'alma outrora pesarosa e infeliz. Lembranças me faziam nostálgica, e meu gatinho Envenenado pareceu saber disso quando subiu em meu colo e se aconchegou nele. Da cozinha vinha um aroma delicioso de costela de porco, uma das minhas comidas favoritas, bem como ela sabia. Na televisão, um dos jogadores acabara de receber um cruzamento e encheu a rede adversária com uma bela cabeçada, marcando a favor do Sporting. O técnico, Manuel Saleiro, comemorou o golo em sua área, e a câmera capturou o segundo de seu êxito.
Muito pedimos, mas pouco agradecemos como quando em troca saímos da miséria. Em questão de anos, vivi uma história infeliz, cheia de culpas e vício. Naquele súbito instante rotineiro de mulher de meia-idade, senti que estava falhando para com o meu Deus-eu e com o espírito habitante de mim. Afinal, o que é felicidade se não um espectro de sonho, uma dádiva do Paraíso? Por tanto tempo descri do amor e nunca imaginaria que a reciclagem de religiões da falecida Samanta era tão mais válida do que meu agnosticismo de merda. E a idade, ela realmente é uma invenção humana?
A jovem Juliana sabia de pouco. Amou incondicionalmente na inocência da adolescência e no auge da jovem idade. No entanto, ela aprendeu com os erros. Um amor pode estragar, mas também tem o mesmo poder de ressuscitar uma alma inválida. Sinto que passei muito tempo me fechando para todos e todas, concentrada em apenas alguns poucos anos da minha adolescência. Fui fiel também e ainda o sou. E admiro a força da fidelidade que podemos ter para conosco. Embora tenha sido um pouco piegas, não me arrependo da maior parte das coisas que fiz. O erro está nas veredas do acerto, já que aprendi com a dor.
Sim, e mesma a sina se repete. Hoje, dia nove de junho de 2040, fazem exatamente vinte e dois anos que Samanta se foi, de corpo, mas não de alma. Não nego que continua sendo uma data triste, mas algo precisou mudar para que a metamorfose de Samanta houvesse. Hoje não sou mais uma pseudoescritora falida, mas também vou me segredar um pouco, pois acabo de ter uma excelente ideia.
A partida que passara na televisão havia acabado: 2 vs. 0 para o Sporting. Substituindo o velho caderno de despesas por algo muito mais moderno do que ele, o meu computador, coloquei Envenenado no chão e acariciei sua cabeça até que ele saiu correndo, de modo arisco, pelos cantos do apartamento. Elogiei o cheiroso aroma de costela recebendo avisos de que ela estava quase pronta. Mesmo assim, rumei ao meu quarto e liguei meu consideravelmente novo computador. Teclei, na mesma velocidade de sempre, o título de minha vida, a parte dois da machadiana e novelesca história que decidi imortalizar em honra à minha mãe.
E assim Juliana voltou a ser Juliana imortalizando sua vida em palavras lusitanas. Mas já não era mais segredo, pois a arte imita a vida. Da morte à vida era essa a minha sina:
Título: CAFÉ AMARGO 2 – O REENCONTRO
Autora: Juliana Milani Vieira
Dedicado à alma imortal do fantasma de minha mãe...
VOCÊ ESTÁ LENDO
Café Amargo 2 - O Reencontro (Duologia Cafés Parte 2)
RomantikO ano é 2040. Depois da morte de Samanta, Juliana se vê perdida em uma vida infeliz. Muitos anos depois da fatídica morte, as lembranças do passado ainda assolam sua mente, e ela passa a beber e fumar em troca de se esquecer de suas mazelas. No enta...