28. Beba Esse Café

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Assim que a sessão terminou, fiquei remoendo questões acerca do meu ego

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Assim que a sessão terminou, fiquei remoendo questões acerca do meu ego. Logo eu, que tanto queria o bem para a sociedade, só olhava para o meu umbigo. Lembrei-me vagamente de Vanessa, e suas últimas palavras para comigo, a dizer que eu iria parar debaixo da ponte e mendigar comida por Samanta. E, bem, ela não estava de todo errada, visto as minhas circunstâncias atuais. Deveria ter namorado ela, talvez? De amor, naquele momento, eu nada sabia, tão somente que o mundo não girava em torno do suicídio de Samanta e, menos ainda, na fossa pela Cecília. O mundo eram todas as pessoas pelas quais pouco me importei, especialmente Saleiro. Eu não podia mais viver no cubículo do meu apartamento negando que existiam centenas de pessoas legais em Lisboa com as quais eu tinha o dever de socializar. Eu precisava me libertar da culpa do suicídio de Samanta, pois, invariavelmente, a escolha tinha sido dela, não minha, não de Saleiro. Na hipótese de que o suicídio fora passional, ainda assim, a arma do crime não estava em minhas mãos. Eu não lhe dei o café, foi ela que o preparou e bebeu.

E passou-se alguns dias. O psiquiatra me diagnosticou com depressão e medicou-me com dois tipos de remédio para serem consumidos duas vezes por dia. Também proibiu o álcool por conta dos remédios, dizendo-me, para além, que minhas tendências alcoólatras eram fortíssimas e que isso poderia me levar a ruína. Aconselhou que eu parasse com o cigarro, mas isso já era pedir demais para mim.

Por falta de atividades e pessoas para conversar, passei praticamente todo o tempo que tive nesses dias na sala de artes trabalhando em um guardanapo com a pintura a tinta do escudo do Sporting, que eu tencionava dar para Saleiro assim que minha estadia por lá terminasse. Não estava acostumada pintar com tinta, mas, com a ajuda da cuidadora da sala, o trabalho estava se desenrolando bem. E para minha surpresa, ainda com as mãos cheias de tinta verde, fui dispersa da atividade e chamada por uma das enfermeiras:

— Juliana, tens visita! — anunciou ela, sorrindo para mim.

Contente, fui conduzida até o salão de visitas. Era quem eu imaginava, o Saleiro.

— Como é bom te ver! — exclamei e abracei-o na porta do salão com um enorme sorriso. — Desculpa, Saleiro, desculpa infinitamente a minha loucura. Você não merecia ter de me aturar... Obrigada infinitamente por ter me salvo e me dado outra chance de bem viver — Desabei a chorar em seus braços.

— Juliana, não chores... Eu é que fico aliviado em ver-te feliz e saudável. — Sorriu ele, e nos sentamos na mesa indicada pela enfermeira. — Mas conta-me por que desapareceste e, bem, porque tu tentaste aquilo no teu apartamento — referiu-se a tentativa de suicídio. — Estou magoado e ficaria muito mais se não tivesse te encontrado! Tu sabes que és como uma irmã para mim, seria doloroso se teu fim fosse daquele jeito tão terrível. Conta-me, que quase não tive estômago para ver-te daquela forma!

— Okay, não vou enrolar. — Limpei minhas lágrimas de emoção. — Foi tudo por causa da Cecília — desembuchei.

— A carta deixou isto previsível, mas o que se sucedeu no festival? Tu desapareceste de lá, suponho tenhas tido uma desilusão amorosa? — indagou ele.

Café Amargo 2 - O Reencontro (Duologia Cafés Parte 2)Onde histórias criam vida. Descubra agora