30. Lar Velho Lar

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Lar velho lar

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Lar velho lar. Tudo continuava da mesma forma como estava, exceto a sujeira de vinho, garrafa quebrada e vômito — Saleiro a havia limpado, na intenção de que eu não me lembrasse sequer da ideia suicida. Agradeci-o mentalmente por isso. Eu estava vestindo as mesmas roupas que usava no festival, antes do evento fatídico, que foram limpas e devolvidas pelo hospital. Por fim! Como odiava as roupas cinzentas de lá, e sim, como eu amava aquela camiseta de Secret Garden e a jaqueta que me custou tanto dinheiro.

— Como é bom voltar para cá! — exclamei, passeando alegre pelos cômodos da casa.

— Se gostas daqui, não faças trapalhadas de novo para ter de voltar no Bem Viver, hein? — ressaltou Saleiro, enquanto rodopiei, fazendo gracinha.

— Sim, Mr. Saleiro. — Revirei os olhos, mas sorri.

— Vamos ver o meu presente ou não? — disse enfim, referindo-me a guitarra.

— Claro! Eu desço no térreo pegar no carro. — Pisquei disfarçadamente para que pegasse a pintura e o guardanapo também, o qual ele não sabia que estava no embrulho do retrato e nem da existência.

Enquanto Saleiro voltava ao carro, puxei Cecília para um beijo atrevido. Tinha que aproveitar minha meia-idade para beijar o tanto de vezes que não beijava desde a escola. Como era delicioso beijá-la! Uns lábios colados nos outros, as línguas para darem voltas de paixão de um sentimento sacro. União dos prazeres cósmicos! Delícia, delícia! Definitivamente amar é uma delícia...! A junção dos corpos, a quentura, tudo muito equivalente e bom; a iguaria da vida!

A privacidade do meu apartamento fez com que os beijos começassem a pegar fogo. Hora errada, Saleiro já havia voltado com os presentes.

— Vou embora e levar tudo comigo, acho que estou a atrapalhar e muito! — zoou Saleiro, assim que nos viu num beijo intenso.

— Seu bobo, deixou Cecília constrangida! — reclamei na brincadeira, e Cecília, toda envergonhada, foi logo desvencilhando e indo de encontro a guitarra guardada na capa.

— Antes de ver meu presente, quero presenteá-los com pinturas que fiz na clínica — anunciei, pegando o embrulho único e abrindo-o.

— Para mim também? — perguntou surpreso Saleiro.

— Para quem alegra meu coração e para quem salvou minha vida e sempre esteve comigo. — Sorri e lhe dei o guardanapo.

Saleiro desdobrou, olhou para o escudo do Sporting, seu sobrenome escrito em itálico e sorriu largamente.

— Não precisava, Juliana! — E veio a mim para um abraço. — Ficou lindo, tens mãos de fadas para a arte.

— Para você, tenho isso. — Entreguei a pintura em tela para Cecília, que abriu um largo sorriso para as pinceladas que moldavam uma de suas típicas performances sobre o palco do Black House. — Copiei de uma foto que encontrei na internet. Gosto de imaginar que estive presente no Black House nesse dia, mas realmente não tenho a menor ideia se estava lá. Mas finjamos que sim! Espero que goste, amor.

— Não tenho palavras, Ju! Obrigadíssima, de coração, pela pintura e por toda significação envolvida. Se gostava do desenho, gosto ainda mais deste quadro. Vou pendurar no meu quarto e fazer uma moldura para o desenho que guardei afectuosamente em casa. Não te posso retribuir a pintura com outra, pois tu és genial com isto, então considere que a guitarra está à altura. Eu realmente amo-te, Ju! Tens um coração que vale ouro. — disse Cecília e veio de encontro a mim para um breve beijo.

— Quero ver a guitarra! — desvencilhei-me com delicadeza e corri ansiosamente até a guitarra.

Tirei-a da capa. Era uma Yamaha verde escura polida com detalhes em preto no corpo e cabo escuro. Fiquei surpresa e abismada. Além de maravilhosa, deveria ter custado muito caro.

— Cecília, mas isso é lindíssimo! Você deve ter pagado horrores. E é da minha cor favorita! Como você sabia? E quanto isso custou, mulher? Que loucura, eu mal toco uma música e já ganho uma máquina dessas!? Nem sei o que falar, só mil obrigadas e que eu te amo mais do que o limite de toda poesia já composta no Universo.

Cecília corou com as sentimentalidades. Fascinada, sentei-me no sofá, coloquei a guitarra no colo e fiz um mi menor, único acorde de que consegui me lembrar naquele momento. Bati nas cordas, ouvi o som chocho do instrumento desligado, olhei mais uma vez para o corpo da guitarra, aspecto de novíssimo e bem feito.

— O preço não te interessa, Ju, foi de coração. — disse-me Cecília afavelmente. — E não sabias que era tua cor favorita, escolhi por causa do álbum Secret Garden. Naquele dia que cantamos juntas, senti uma conexão estranha contigo e a música faixa-título. Acho que foi um prelúdio da canção de amor que estamos construindo.

Então Cecília sentou-se no sofá e me beijou muito intensamente. Fechei os olhos abruptamente. Ela envolveu-me com os braços no pescoço, forçando-me a largar a guitarra no canto do sofá. Nossas bocas se tocaram com paixão e eu agarrei sua cintura. Nossas línguas se mexiam, os lábios beijavam com gosto e filmes se desenrolavam em minha mente. Mal sabia ela das nossas conexões místicas. Da Samanta e de sua alma. Mas era o agora que importava. Era Cecília, Samanta foi só uma ponte para o reencontro de almas.

— Já posso ir embora, não é? — falou Saleiro brincalhão, mas um pouco constrangido com o beijo avassalador. — Acho que estou atrapalhando, e muito, algo.

— Não quis te constranger, desculpa-me. — Deu uma risada amarela Cecília.

— Não, imagina! — Achou engraçado Saleiro. — E ademais, tenho compromissos com o Sporting. Foi óptimo dar carona, mas realmente preciso ir. Obrigado, novamente, Juliana, pelo presente e lembra-te: juízo! Tu também Cecília. — Sorriu malicioso a nós.

Saleiro abraçou Cecília e eu, e despedimo-nos por fim. Restou apenas nós duas no apartamento. A
noite prometia incêndio.

 A noite prometia incêndio

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Café Amargo 2 - O Reencontro (Duologia Cafés Parte 2)Onde histórias criam vida. Descubra agora