— Tu já consegues fazer o refrão inteiro e cantar? — indagou, espantada, Cecília, assim que apanhei sua guitarra e, logo no início da aula, executei todos os acordes sem muita dificuldade.
Assenti afirmativamente com um sorriso orgulhoso. Fitei-a no fundo dos seus olhos e desviei o olhar envergonhado. Emendei:
— Mas a ideia não era que eu superasse a mestra? — brinquei.
— Estou orgulhosa de ti. Estás mesmo com sede de aprender! — Sorriu lindamente. — Mas vamos precisar de corrigir alguns aspetos. Tu ainda só palheta para baixo, vamos treinar no ritmo da música original.
— Mas antes, tenho outra surpresa! — retruquei.
Cecília ficou intrigada quando a levei da sala para o meu quarto. Quando entramos, mostrei o Ibanez em cima da minha cama. Ela ficou nitidamente entusiasmada.
— Tu compraste o violão! Explicado o porquê de teres aprendido o refrão tão rápido — falou e foi de encontro a ele. — Posso ver e tocar nele?
— Claro! — exclamei simpaticamente.
A mulher sentou-se na cama, procurou alguns acordes, sentiu a maciez das cordas, começou a dedilhar algo familiar — era Linger, do Epica, uma balada romântica dos anos 2000. Então, cantou um trecho da velha música.
It feels so warm when you are near
You are all I want to feel
Tell me now, is this for real?
It's hard to breathWe're all lost in travelled time,
Cannot find my peace of mind
When the sun will rise again,
We'll fly awayTake the stairs to the stars
Wander alone, travel farSomeday...
E parou bruscamente, olhando para mim.
Mais uma vez, à semelhança da vez de quando tocou Secret Garden em casa, ela o fez sem dificuldades e cantou timidamente me olhando. Como se estivesse dizendo aquelas coisas para mim. E eu, embasbacada, nada fiz senão observar hipnotizada o que seria um óbvio flerte ou a maior coincidência do Cosmos! Ela sabia que eu falava inglês, então a escolha da música seria bem objetiva. Eu não sabia como reagir. Ou ela realmente gostava de mim, e eu a estava deixando escapar como Samanta, ou só aconteciam coincidências na minha vida. De qualquer forma, pasmada, eu não sabia como reagir.
Juliana! Olha para a mão dela! Tem um anel que ela só usa quando está contigo.
Minha mãe fantasma sussurrou isso no pé do meu ouvido num momento em que eu estava totalmente desligada do mundo. Arrepiei até o último fio de cabelo e instantaneamente olhei para sua mão direita, parada em cima das cordas do violão. De fato, ela usava um anel arco-íris o qual eu nunca tinha visto um parecido. Arco-íris me pareceu sugestão a homossexualidade. Num rompante, tudo pareceu claro e o anel surgiu em minha mente em todas as vezes que estivemos juntas desde o dia em que a dei o desenho na edícula de Saleiro e nenhuma vez antes disso. Teria o jogador feito menção a ela sobre a minha paixão? Ela o descobrira sozinha? Nosso dueto de Secret Garden de fato havia sido um magnetismo ímpar?
Como passasse muito tempo parada e olhando para sua mão, Cecília envergonhou-se. Cheguei perto dela, peguei sua mão e toquei no anel. Ela se espantou.
— O que significa esse anel?
As faces de Cecília ficaram rubras como os seus cabelos ruivos. Ela não soube se explicar e se engasgou para simplesmente dizer:
— Nada. Custou €5.
Algo não estava certo ali, contudo, não insisti no assunto para não gerar um clima ainda mais tenso. Voltamos à sala e prosseguimos com a aula da sexta-feira. Tudo aconteceu nos conformes e esquecemos o ocorrido do quarto por aquele momento. A conversa voltou a fluir, e as risadas reapareceram. Mas algo não estava certo, invariavelmente. E como boa e velha stalker, eu viria a descobrir o significado do anel.
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Café Amargo 2 - O Reencontro (Duologia Cafés Parte 2)
RomanceO ano é 2040. Depois da morte de Samanta, Juliana se vê perdida em uma vida infeliz. Muitos anos depois da fatídica morte, as lembranças do passado ainda assolam sua mente, e ela passa a beber e fumar em troca de se esquecer de suas mazelas. No enta...