23. O Beijo

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A aula terminou, para o meu grande alívio

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A aula terminou, para o meu grande alívio. Já não suportava olhar para as faces de Cecília sem pô-la num patamar de interrogação. Pela santa paixonite, que relação tinha comigo o anel cuja advertência de Anastácia tinha me pegado desprevenida? Eu implorava para que minha mãe voltasse a me dar sinais, mas nada, um grande nada me era revelado. A falecida emudecera-se, queria que eu descobrisse sozinha. Realmente, eu estava por fora das coisas da moda em 2040. A internet, master of everything, podia me fornecer uma resposta, talvez, como me forneceu uma Samanta morta e toda a tragédia da minha vida.

Tragédia... Esse deveria ser meu nome ou sinônimo de Juliana. Mas atente-se, caríssimo, há tragédias felizes. Suponho que não deveria ter dado esse spoiler drástico a este melodrama vulgo minha vida de personagem, mas se estou viva para contar, a foice da persona da morte não quis me levar. Para algum propósito maior eu servi e é essencialmente por isso que digito essas palavras no Word enquanto ouço Mz. Hide de novo. Porque os dedos fatais quase me foram fatais de um jeito grotesco e nada sensual.

E, também, atentemo-nos ao que segue. Busquei por respostas ao questionamento do anel naquela mesma noite, antes do festival na praça Marquês de Pombal. Joguei no buscador anel arco-íris, imaginando que deveria ser algo da moda pela bagatela de €5 que havia custado a Cecília. Para minha surpresa, era um tipo de bijuteria de um porquê extremamente objetivo que os LGBTs mais jovens tinham aderido para si — significava que você era da comunidade e estava apaixonado por alguém. Era nada mais, nada menos do que um código para paixão gay. E um anel que só quem era solteiro usava.

Quando soube do que se tratava, explodi-me em fogos de artifício. A equação estava resolvida, e suas variáveis estavam todas conectadas e desvendadas — Cecília se apaixonara por mim! Mesmo com a diferença de idade; mesmo com o abismo entre a picanha suculenta e a carne passada do ponto; ainda com o talento em demasia em contraste à vida falida; ainda que fossemos de países diferentes e mundos opostos, e eu não merecesse ser amada, Cecília se apaixonara por mim! O amor é triste ou perneta, só pode!

Decidi instantaneamente à conclusão que iria me declarar de uma vez para Cecília, ainda no dia seguinte, na praça. Ela certamente estava esperando a iniciativa de uma Juliana mais velha e experiente. Mesmo eu sendo velha e nada experiente, queria demonstrar o que sentia como se o fosse. Não dormi naquela noite, cheia das ânsias da paixão. A febre me consumia ainda mais — Cecília me amava! Sucumbida à emoção sublime do amor, sorria-me em chamas, mas apaziguada, anestesiada, em choque de grandioso contentamento. Cecília me amava! E era eu só dizer o mesmo a ela, que todos os erros que cometi no passado seriam esquecidos, e eu seria feliz, amaria não mais amargurada, mas sim — apaixonada! Porque Cecília me amava...

A noite, entreguei-a a Cecília. Imaginei mil formas de revelar meus sentimentos atípicos a ela. Fazer escândalo também não seria de boa-valia, mas simplesmente falar a seco poderia decepcioná-la. Pensei, pensei, pensei... Devaneei loucuras até finalmente chegar a melhor ideia — quando amanhecesse, compraria um par de alianças prateadas e a pediria em namoro. Ensaiei muitas odes e trejeitos, porém não podia assustá-la com minha grandiloquência. Abri um bloco de papel, escrevi algumas falas, possibilidades de declaração. A madrugada clara foi extremamente entusiasta; fumei tanto que o cigarro acabou, e os tocos no cinzeiro denunciavam minha ansiedade. O dia finalmente amanheceu.

Café Amargo 2 - O Reencontro (Duologia Cafés Parte 2)Onde histórias criam vida. Descubra agora