Minha vida foi ladeira abaixo depois do Monólogo de uma Mulher Bêbada. Esse era o fim...? Cecília estava morta, morta e enterrada, e Samanta também. Também eu. Embebedei-me de cerveja na noite da desilusão e desliguei o celular para que Saleiro não me contatasse. Menos ainda o pedaço de desgraça chamado Cecília. Esvaziei minha geladeira, não restou lá uma gota de álcool sequer. Escrevi o monólogo, passei mal e vomitei. Dormi largada no chão, a maquiagem borrada, a mesma roupa que usava na praça. Elas eram a testemunha de minha lamúria. Minh'alma chorava, desesperada, meus olhos também; o álcool só agravou a ferida. Nunca tinha me sentindo mais trapo humano como naquele momento. Todos os alicerces desmoronaram-se. Cecília não me amava, Samanta era um cadáver; Anastácia, um delírio. E esse era o fim...?
No dia seguinte, e nos demais, fui ao bar mais sujo e desqualificado que conheci, próximo à minha casa. Bebi todo o tipo de álcool disponível, enquanto fumava, fumava, solitária na mesa isolada de canto. Não me dera o trabalho sequer de tirar as roupas do sábado ou tomar banho. Meu estado era tão lastimável, que poderia me passar por uma mendiga. Na quinta-feira, eu dormira na rua, pois bêbada de tequila e uísque, não aguentei voltar para a casa. Na sexta-feira, o dono do bar não me deixou entrar.
Na volta para a casa, comprei uma garrafa de vinho barato com o último dinheiro que me restava. Cheguei, liguei meu celular pela primeira vez na semana. Estava lotado de ligações perdidas e mensagens de Saleiro e Cecília. Para chafurdar ainda mais a desgraça, tinha um e-mail de demissão do Bom Tempero na minha caixa de entrada. Fiquei furiosa com a obviedade mais objetiva de todas. Depois de faltar ao trabalho sem dar satisfação por uma semana inteira, não podia acontecer diferente. Cecília estava morta, Samanta deteriorada pelos vermes, e eu havia, pois, lançado-me no meu próprio sepulcro. Tudo que me restava agora era uma garrafa de vinho barato. E sofregamente, sofrer. Esse era o fim...?
Eu podia ter ligado de volta para Saleiro, poderia ter tirado satisfação com Cecília, mas eu era cobarde, não tinha face nem voz. Ao invés disso, fui ao encontro do velho caderno de capa verde, e reli-o de cabo a rabo, as reminiscências golpeando ainda mais minha mente. Reli o conto A Noite De Amor Com Samanta e funguei com a inocência daquela cena de sexo mal escrita que jamais haveria de acontecer. A delícia que eu não teria o privilégio de experimentar. E que delícia eu realmente havia experimentado? Nem o álcool e o cigarro davam-me mais prazer; eram subterfúgio para a vida falida na qual me enterrara. Como me apetecia um classudo e dúbio café amargo envenenado... Esse era o fim...?
Olhei de relance para a garrafa de vinho na mesa. Imaginei os lábios de Cecília nos do metaleiro, e meu sangue ferveu, alcoolizado. Tirei a rolha, senti o aroma cheiroso do sumo alcoólico. Capturei a lembrança de Samanta pálida, sem vida, dentro do caixão, dos beijos agoniados que eu lhe dei. A rosa. A aliança de madeira. Meu corpo fraquejou e eu quis matar-me. Traguei o vinho da boca da garrafa, era demasiadamente doce. Lembrei-me de Cecília, seus dedos na guitarra, sua voz ora melódica, ora áspera. O desenho. O anel arco-íris. Soquei o ar raivosamente. Raios! E eu ouvia a chuva a se abrandar janela a fora.
Ouvi um terrível trovejada. Fazia-se ares de paraíso distópico. Fui até o armário, peguei um punhado de analgésicos da caixa de medicamentos, voltei à mesa. Apertei os remédios na mão como se sentisse o último fôlego de minha vida naquele momento. Esse era o fim...? Hesitei. Apalpei o bolso interno da minha jaqueta, encontrei a caixinha com as alianças que não dei a Cecília. Olhei-as. Um mar salgado de lágrimas rolou dos meus olhos freneticamente e eu solucei e chorei compulsivamente, abraçando a caixinha contra meu peito. Esse era o meu fim...
Destaquei do bloco de papel a folha do Monólogo de uma Mulher Bêbada coloquei sobre a mesa logo abaixo da caixa com as alianças. Eram minhas últimas palavras para com o mundo. Meti todos os analgésicos de uma vez na boca e virei a garrafa de vinho de uma vez até esvaziá-la. Atordoada, no mesmo instante deixei a garrafa cair no chão, que se partiu em pedaços. Cambaleei, tentei me apoiar na mesa, mas escorreguei no chão. Lentamente as coisas começaram a perder a forma. Eu não conseguia respirar direito e, a cada inspiração, meu coração batia cada vez mais rápido. Vomitei em mim mesma. Fui tomada de um pânico mórbido, que não via nem sentia. E, muito subitamente, o mundo que lentamente perdia sua forma deixou
de ter uma.
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Café Amargo 2 - O Reencontro (Duologia Cafés Parte 2)
RomanceO ano é 2040. Depois da morte de Samanta, Juliana se vê perdida em uma vida infeliz. Muitos anos depois da fatídica morte, as lembranças do passado ainda assolam sua mente, e ela passa a beber e fumar em troca de se esquecer de suas mazelas. No enta...