Finalmente havia chegado o sábado da festa na edícula de Saleiro. Passei horas de coração pulsante. Ensaiava jeitos e trejeitos, ansiosa pelo primeiro contato com Cecília. Será que iria simpatizar comigo? Acharia o desenho um exagero de minha parte? Mil questões passavam pela minha cabeça, incluindo a pior delas: será que Cecília também gostava de mulheres? Caso a resposta fosse negativa, tudo estaria perdido e, céus, como eu queria beijar aquela boca linda e provocante! Por outro lado, se Cecília fosse hétero, minha mãe fantasma não daria conselhos para eu conquistá-la.
De qualquer forma, escolhi um look ousado, decote e shortinho, para que Cecília acreditasse que eu não era uma velha sonsa condenada à solidão, mesmo que o fosse. O Jaguar de Saleiro parou em frente ao meu prédio, numa altura em que tinha gastado horas me arrumando para a festa. Helena estava totalmente empolgada com o lance da minha paixão por Cecília.
— Estás de arrasar corações com este decote! — falou ela, assim que entrei no carro.
— Disseste tudo, amor! — complementou Saleiro, e eu me senti totalmente envergonhada. — Mas nada de embebedar-se, certo? Senão Cecília e tu não vingam. — Lembrou Saleiro da vez em que vomitei em seu short.
— Sim, senhor Manuel de Farias Saleiro. — Ironizei, mas com um tom de responsabilidade. — Só tenho medo... Não sei o que fazer. Não é como beijar um garoto da sua escola que você acha bonito ou conversar com uma garota que mora a um continente de distância. É adulto. Envolve uma sensação de touch-a-touch que eu nunca experimentei.
— Juliana, deixes fluir. Senta-te perto da guitarrista, na pausa elogie-a, puxes conversa sobre a música... Afinal tu mesma que escolheste o repertório. Se não deres certo, esqueça-a. O que mais tem no mundo são pessoas disponíveis, agora que te esqueceste das caraminholas de Samanta.
Engoli em seco, ao me lembrar do sonho com minha mãe. Cecília, mais do que amor, era missão. E eu queria casar-me com a dona dos dedos fatais, como se isso fosse o imo da minha vida. Ademais, ficamos em silêncio até quando finalmente chegamos.
— Fiz um desenho de Cecília — falei de súbito a eles, assim que saímos do carro rumo à festa.
— A sério? Tu sabes desenhar? — admirou-se Saleiro.
— Dá uma nota de 0 a 10. E você também, Helena! Seria vergonhoso presenteá-la com lixo. — Sorri insegura e dei o papel a eles.
À porta da edícula, ambos avaliaram o retrato de Cecília admirados.
— Está lindo, Juliana! — disse Saleiro acompanhado do sorriso de Helena. Não faria nem um risco reto!
— E a nota? — questionei?
— Por favor, não estamos mais no colégio! Se tu fizeste de coração, é a intenção que vale.
— Devo mostrar a ela? — perguntei insegura. — Não é um pouco demais?
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Café Amargo 2 - O Reencontro (Duologia Cafés Parte 2)
RomanceO ano é 2040. Depois da morte de Samanta, Juliana se vê perdida em uma vida infeliz. Muitos anos depois da fatídica morte, as lembranças do passado ainda assolam sua mente, e ela passa a beber e fumar em troca de se esquecer de suas mazelas. No enta...