Durante o meio do dia, Tesauro leva a Izanagi e a mim para almoçar à sombra da velha cerejeira — o mesmo lugar que foi banhado em sangue dias atrás; a árvore-forca de homens, além de ser um lugar destinado a lembranças que não me pertenciam, mas que eu sempre quis.
— ... então lhe disse que a crença no passado é o que mergulha as pessoas num ciclo infinito de incertezas e vazio de existência, mestre.
— Disse bem. Homens que se deixam levar pelo ontem, são os mesmos que se desesperam com o amanhã. Veja como o dia está mais colorido desde que executamos os conselheiros. Não seria bom se antes do fim aproveitássemos os bons momentos?
— Certamente — Izanagi assentiu. — E para onde iremos depois, mestre?
— Para onde todos os guerreiros que prestaram bons serviços à nação foram — Tesauro se levantou ao tocar em seu ombro. Voltei minha atenção ao meu Donburi pobre que esfriava a cada instante. — E você, pequena princesa, está quieta desde que voltamos.
— Você me humilhou — protestei. — O que esperava conseguir com essa exibição?
— Medir o seu nível de desenvolvimento — reagiu Izanagi, intrusivo.
— Pão e Circo, querida — disse Tesauro. — Entretenimento e alimento inspiram homens a colaborar. Vendo a sua disposição para lutar e perder, descredibiliza-se mártires e heróis; você não se torna um símbolo de poder se é derrotado... ninguém lembra de quem chega por último. Por isso confiei em quem tinha melhores chances de derrotar um Eremita.
— Você desistiu — insistiu Izanagi, tomando algo em um copo de barro.
— Não vai acontecer de novo.
— Não se matem, vocês são mais úteis vivos — ele se levantou. — Vejo vocês em meia hora, no Grande Altar.
— Sim, mestre.
Não respondi. Mas quando ele partiu, a primeira coisa que fiz foi sorrir de forma maldosa ao acotovelar o remelento desonrado.
— O seu mestre pretende acabar com a sua vida também... meu irmão. Percebe que ele não se importa nem um pouco com o que você diz? Que seu auxílio e devoção a ele são motivados apenas pela sua fraqueza e necessidade de aprovação?
Ele me olhou feio e estreitou as vistas.
— Faça o que eu faço em nome do objetivo dele e talvez você mereça um lugar ao seu lado — ele se levantou.
— Você não se importa em ser usado como arauto de expiação?
— As pessoas que foram usadas, estão hoje sob as vistas de Amato — ele apontou para cima. — Quando a nossa vingança tiver resolução, esse mundo será mergulhado em trevas.
— Quer saber o que eu acho? — me levanto, atiro para longe o resto da minha comida. — Que você precisa levar uns bons chutes no traseiro para deixar de ser uma criança mimada!
Ele segurou o cabo de sua espada mas não a ergueu.
— Quando você for digna, talvez eu te conceda a honra de uma revanche.
Eu esmaguei os nódulos das minhas mãos. Talvez não motivada pelo seu comentário ridículo, mas por sentir que ele talvez soubesse quem eu era. Mesmo por trás desses trajes ridículos, da peruca que coçava minhas orelhas insistentemente, Izanagi sabia quem era a irmã gemea dele.
Mas eu não fiz nada excludente a minha honra. Eu não matei, eu não feri, eu não levantei ninguém em mentira, apenas praguejei ódio e morte a todos.
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O Ultimo Eremita do Trovão (Vencedor #TheWattys2021)
Fantasy[VENCEDOR DO PRÊMIO #THEWATTYS2021 EM FANTASIA!] Exilada de sua casa e vivendo entre lobos, Izanami não tem lembranças do seu passado, de quem ou o que a levou até a floresta quando, dez anos antes, a desonra do seu estimado mestre tirou...