— Alguns dias depois.
O vento movimentava seus cabelos grisalhos pela idade. O tempo, as vivências e a sensação de vazio lhe fizeram envelhecer incontáveis anos em apenas uns poucos. Assim como sua visão sobre o galho mais alto da árvore ancestral, mostrava que tudo havia mudado.
Que todos haviam o superado, ao menos em aparências.
Ele moveu o chapéu de palha para fora da visão e observou com cautela o movimento de pessoas no lado de fora do Templo, as luzes de lampiões pontuando o caminho escuro, as últimas frestas de luz mergulhando por trás das montanhas gêmeas que sempre estiveram ali.
E as vozes. Vozes que ouviu durante toda a vida, fosse a dos servos respeitosos ou dos amigos a quem estimava. Todos lhe viraram as costas e, passando-se dez anos, faziam de conta que tudo estava bem e na mais perfeita paz.
Ele viu tudo. Esteve ali, tão presente em todos os momentos que praticamente saberia recitar quais foram os movimentos que aqueles "guerreiros de honra" usaram para derrubar um demônio dos céus.
Tesauro estava decepcionado, acreditava que um Shaofeng seria suficiente para pôr fim a toda aquela arcaica e decadente ordem, mas não contava em momento algum que no último e derradeiro instante, alguém que manava a preciosa e inegável energia dos divinos, interviria e derrotaria seu trunfo.
Faltava pouco para que seu nome mais uma vez fosse motivo de temor e medo ao ser citado. Ele sabia que nunca esteve morto na memória dos viram e ouviram falar sobre a sentença final, todos sabiam que ele em algum momento voltaria e que seria pior do que quando saiu.
E esse momento se arrastava lentamente.
— ライト—
— Izanami, Filha da desonrada casa de Makal.
Muito bem Izanami, faça com que a luz corte esse boneco de palha, é a única forma de seu mestre permitir que treine com o arco e flechas.
Ele estava ali, mordendo um galho de trigo seco, atento, fitando-me a sombra do galho de um carvalho e repousando num dia muito quente como se o mundo não lhe fosse incomodo, como se eu não estivesse incomodada por não fazer certo mesmo com tantas tentativas.
Hoje e todos os dias da semana acordamos cedo e fomos dormir tarde. Ele sempre estava ali, movendo minha mão para cima, fechando meus punhos ao redor de suas mãos, me ensinando o que um dia seu mestre o ensinou como se ele tivesse a autoridade de um Mestre do trovão.
Irreverente e gentil, Hisashi não sabia ser tão exigente quanto acredito que gostaria. Sou mais obediente do que temerosa; fazia até mais do que era pedido, e foi esse um dos fatores que me deixaram à vontade para estar com ele.
Às vezes me pegava a questionar: quando ele pediria minha amiga em noivado? Qual seria a sua reação ao pedido? E se ela o negasse, por quanto tempo mais ele seguraria a minha mão de forma a associar-me a ela?
Eu volto a atenção para frente. Meus cabelos estão úmidos e as roupas que uso não ajudam em nada; calças azuis bufantes, uma veste de panos com mangas longas e luvas de couro para que não doesse segurar o cabo da Luminata — a Espada da Luz Celeste.
Hisashi passou o dia inteiro repetindo que aquela não era uma lâmina como a da minha mãe, cujo metal fundido refletia a minha imagem. A Luminata refletia a alma, era feita para verdadeiros Mestres do Trovão, mas só funcionava se eu exigisse o poder do raio sagrado para energizá-la.
Olho mais uma vez para o cabo, para baixo, para cima, esfrego-o gentilmente entre os dedos enquanto os tufos de grama flutuam sobre o chão e ao redor do boneco de feno.
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O Ultimo Eremita do Trovão (Vencedor #TheWattys2021)
Fantasy[VENCEDOR DO PRÊMIO #THEWATTYS2021 EM FANTASIA!] Exilada de sua casa e vivendo entre lobos, Izanami não tem lembranças do seu passado, de quem ou o que a levou até a floresta quando, dez anos antes, a desonra do seu estimado mestre tirou...