Prólogo

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1º de janeiro de 2024

Observo as cores dos fogos de artifício tomarem conta do meu pequeno quarto.

As paredes brancas foram invadidas pelas cores, mas, por conta da distância da queima de fogos, eu não podia ouvir as explosões.

Suspirei, olhando para minha cama de solteiro com a colcha mais sem graça possível. A falta de cor no quarto me incomodava; o ambiente era desprovido de vida e tão vazio quanto eu me sentia. O Ano Novo é uma data particularmente difícil para mim.

Um dos fogos explodiu em azul-claro, me lembrando do meu Ano Novo mais feliz.

Brian e eu viajamos para uma praia isolada, onde o mar era de um azul cristalino, límpido e pacífico. Durante o dia, exploramos restaurantes escondidos e conhecemos a cultura local, tão rica e acolhedora.

À noite, Brian me levou para assistir à queima de fogos em uma praia deserta e isolada. Estávamos apenas nós dois, abraçados e conversando enquanto o novo ano ainda não havia começado.

Nós apostamos cem reais para ver quem conseguiria passar mais tempo sem fofocar.

Brian perdeu na primeira semana.

— Eu aposto que você não aguenta uma semana sem descobrir alguma fofoca da procuradoria e vir correndo para me contar — disse ele, rindo e apoiando o queixo na minha cabeça, enquanto eu acariciava distraidamente seus braços.

— Não foi você que colocou o celular para gravar aquela fofoca do seu chefe com o assistente dele? — perguntei, rindo do meu então namorado.

— Sou uma língua de trapo, mas só com a minha Clarinha — Brian provocava, fazendo cócegas no meu pescoço com o hálito, sabendo que eu odiava ser chamada de "Clarinha".

— É mesmo, William Bonner? Já está na hora da contagem regressiva! — Ri enquanto ele revirava os olhos. Sempre que tinha uma fofoca para contar, ele me enviava a abertura do Jornal Nacional, e eu sabia que a fofoca seria boa.

— Assista à queima de fogos, espertinha — disse, soltando-me e indo buscar a cesta com comida e a toalha que havíamos deixado sobre algumas pedras.

— Vamos, amor! Vai começar a contagem regressiva! Sessenta segundos! — Eu disse animada; por algum motivo que nunca entendi, sempre amei o Ano Novo.

— Amor? — Chamei, olhando para onde tínhamos deixado a cesta, e encontrei Brian ajoelhado ao meu lado, com uma caixinha de veludo vermelho nas mãos.

— Clara, eu nunca pensei que poderia amar alguém como amo você, que me entende só com um olhar, que trouxe cor e música de volta para a minha vida. — Brian estava com os olhos marejados, e eu já tinha desistido de segurar as lágrimas desde que ele abriu a boca.

— Eu nunca pensei que seria merecedor de alguém como você ou do tempo que passamos juntos. Mas gostaria de prolongar esse tempo um pouco mais. Quer casar comigo? — disse ele, com as mãos tremendo.

Brian, com quase dois metros de altura, tremia como uma criança.

— Eu adoraria apresentar o jornal com você, senhor Becker — acariciei seus cabelos, olhando em seus olhos. A queima de fogos coloria o mar, o céu e a areia, mas eu só conseguia ver os olhos castanhos do meu noivo.

Sorri em meio às lágrimas, observando minha aliança prateada de namoro ganhar um companheiro azulado. Brian me abraçou tão forte que parecia achar que eu fugiria ou voltaria atrás na minha decisão.

A lembrança fazia meu coração afundar. A alegria insana foi substituída por um abismo de tristeza e angústia. Meu lindo anel de noivado foi guardado, assim como minha felicidade, e agora eu me encontrava desprovida de cores e de música.

As batidas na porta me trouxeram de volta ao presente. Eu sabia quem era.

— Feliz Ano Novo, Clara — disse o doutor Braga, sorrindo como uma criança que acaba de descobrir um segredo.

— Consegui algo para te alegrar — ele entrou no quarto com as mãos para trás, tornando o pequeno espaço ainda menor.

— Doutor, isso não se faz com uma paciente — zombei. Miguel Braga era imprevisível; atrás de suas costas poderia haver filhotes fofos ou algo muito pior.

— Você me conhece bem demais para saber que sou curiosa.

Miguel riu e revelou o motivo do mistério. De um saco de papel marrom, ele tirou uma garrafa de espumante, um dos meus favoritos, e dois copos de plástico.

— Classudo — comentei, rindo da discrepância entre os copos e o espumante, que, embora não fosse caro, certamente não era barato.

— Você acha que é fácil contrabandear espumante para dentro de um hospital psiquiátrico? Agora imagine duas taças de vidro — ele ria, desfazendo o lacre da garrafa.

— Eu era uma policial certinha, você não pode me julgar — disse, pegando a garrafa para abri-la antes que Miguel se machucasse.

O psiquiatra ficou em silêncio, e o som da rolha estourando foi o único no quarto. Ele segurava os copos enquanto eu os enchia.

— Um brinde a um Ano Novo de merda! — Rachel Green nunca me definiu tanto. — Pior que o meu início de ano, só o seu, cuidando dos malucos neste hospital.

Brindamos, e Miguel sorriu discretamente.

— Um brinde aos médicos que enlouquecem junto com os pacientes! — brindou ele, e eu concordei, prevendo que em um ano ele enlouqueceria de vez.

Brindamos, rimos e conversamos sobre a "maluca do térreo", que estava mais maluca ainda. Ficamos em silêncio por um instante. Miguel começou a falar, mas desistiu.

Seus dedos gentis seguraram meu queixo e me puxaram para um beijo suave e inesperado.

Dois anos sem contato íntimo com outra pessoa além de mim mesma, ou da enfermeira encarregada das inspeções mensais nesse lugar. Dois anos sem sentir os lábios de outra pessoa. Mas, ainda assim, Miguel não era Brian. Por mais gentil que fosse, por mais que eu quisesse o contato físico com alguém, eu queria meu marido.

Afastando-me suavemente do meu amigo, senti meu rosto corar. Encarei minhas mãos envolvendo o copo de plástico.

— Sinto muito, Miguel. Posso ter te dado sinais errados, mas eu quero meu marido. Desculpe se te confundi com alguma atitude — disse, encarando seus olhos negros.

— Você não fez nada, Clara. Eu me iludi sozinho — coçou a nuca, como sempre fazia quando estava constrangido ou irritado.

— Sinto muito por isso — disse ele, saindo rapidamente do quarto e me deixando confusa e triste.

Suspirei, sentindo mais do que nunca a falta de Brian. Enxuguei uma lágrima teimosa e olhei para os últimos fogos no céu.

Mais um ano se iniciava.

Texto revisado.

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