As coisas que vem do coração.
— Você é diferente.
Remus trava no lugar, agachado ao lado da banheira, assim que houve a voz suave de Sirius. O timbre está rouco pelo choro, mas ainda sim é um som claro que faz sua mão parar de esfregar a esponja no ombro do menino.
Segundos depois ele reza para não ser percebido em seu pequeno momento de confusão.
— Diferente?
— Uhum. — Sirius está olhando para fora, pela janela larga que ocupa toda a parede em que a outra lateral da banheira fica próxima; observa o quintal com grama e a árvore, o grande salgueiro, que balança com o vento conforme o tempo se fecha para chuva. Sempre chove nessa parte do país? — É diferente dos outros.
Remus segura um suspiro, continuando a lavar Sirius. Não é esse o tipo de conversa que Remus quer ter agora, na verdade, não é esse tipo de conversa que ele acha que quer ter por um tempo. Mas não consegue evitar, sem conseguir segurar a língua antes que a pergunta escorra para fora da boca.
Remus nunca foi bom em segurar a língua, desde pequeno. E mesmo que tenha melhorado com o tempo, o homem ainda tem seus momentos.
— O que me faz diferente?
E quando Sirius se vira, direciona os olhos para Remus e o encara com seriedade, o dominador acha que algo dentro de si pode mudar ainda mais, mesmo depois de já ter mudado tanto em tão pouco tempo.
Os olhos de Sirius quase o perfuram, penetram e o homem acha que o garoto consegue ver seu âmago.
— Você não me machuca. — Aquilo quebrou Remus. Dilacerou seu interior e deixou sua barriga toda estranha, se revirando e deixando-o enjoado. — Por que você não me machuca?
A esponja foi abandonada na água, afundando até chegar ao fundo, e Remus suspirou antes de responder, apoiando os antebraços na borda clara da banheira.
— Porque ninguém deveria ter te machucado. — Molhou a mão na água da banheira para limpar um pouco de espuma que de alguma forma acabou indo parar na bochecha do menino. — Você não merece ser machucado, amor. Você merece ser cuidado, protegido e amado.
Lágrimas brotaram nos olhos de Sirius. Lágrimas verdadeiras quando toda a sinceridade e veracidade nas palavras de Remus o atingiram com força.
A coisa era que, na realidade, Sirius estava cansado de tantos murros, chutes e empurrões que a vida sempre lhe deu. O menino, não tão menino assim, maltratado pelo tempo e pessoas cruéis, queria um refúgio, uma pausa; um passarinho que procura um ninho para se refugiar da tempestade.
Por isso, se jogou nos braços de Remus como se estivesse pulando de um penhasco alto direto para uma queda iminente, dando um último salto de coragem; seu salto de fé. Água respingando pelo banheiro quando o envolveu com força.
Decidiu tentar não pensar, não se preocupar com as coisas que achava que podia acontecer. Decidiu ignorar a voz maldosa que sussurrava pesadelos reais e inseguranças em sua cabeça mas que de alguma forma Remus conseguia silenciar.
Apertou os braços ao redor do pescoço de John, o encharcou com água e espuma de banho que cheirava a erva-doce e se deixou ser abraçado com força, segurado e ninado quando o dominador pareceu não se importar nem um pouco em estar molhado.
Água seca, banheiro encharcado se limpa, mas abraços necessários nunca devem ser recusados.
— Tudo vai ficar bem agora, Sirius. Acredite em mim... — O mais velho sussurrou no ouvido do garoto, quase implorando enquanto afagava tudo o que sua mão podia alcançar da existência de Sirius e espalhando beijos no cabelo molhado, na lateral da cabeça, e depois ombros nus. — Você vai ficar bem agora. Eu não vou deixar nada mais te machucar, eu prometo.
E Sirius se agarrou àquilo, segurou firme com garras imaginárias e se permitiu ser enlaçado pela garantia de algo que nunca pôde provar, mas sempre quis ter.
Remus o apertou, o segurou e o acalmou pelo resto do banho. Deixou Sirius segurar sua mão pelas próximas horas daquele dia, a mão tão menor se enrolando nos dedos indicador e médio. Deixou o menino vestir seu suéter preferido, uma roupa intima, meias e nada além disso. Pediu lanches gostosos (ainda não estavam entregando pizza naquela hora do dia) e doces que Sirius escolheu com dedinhos incertos pelo aplicativo de delivery no celular do dominador. E no fim do dia, quando as luzes daquela casa estavam apagadas e tudo estava quieto, Remus sentiu algo, alguém, se esgueirar para sua cama.
No meio da noite, com cuidado, Sirius se infiltrou no quarto do dominador e sob suas cobertas, tentando inutilmente se ajeitar sem ser percebido e suspirando trêmulo quando foi puxado por mãos fortes para se aquecer no peito quente e macio de Remus. Demorou um pouco para o menor relaxar e se acomodar, mas em algum momento ele estava ressonando tão tranquilamente em um sono bom que Remus acabou dormindo sem perceber, com os braços em torno de Sirius e com o coração calmo pela primeira vez desde a chegada daquele menino.
Eles ficariam bem dali em diante.
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Sirius
Fanfiction[CONTÉUDO +18/BDSM AU] "Em um dia confuso, você vai me guiar?" [...] Sirius cresceu no sistema. Total e completamente largado em um mar de desinteresse, confusão e abandono. Remus surge em uma manhã cinzenta como o sol que vai guia-lo para casa. [R...