— O que pretende fazer depois daqui? — eu gostaria de não ter compreendido o que ela quis dizer com "depois daqui".
Gostaria que "depois daqui" fosse quando a gente saísse do hospital juntas indo para casa. Gostaria que "depois daqui" fosse eu e ela fosse eu e ela construindo a relação de mãe e filha que eu tanto quis quando criança. Mas "depois daqui" não significa nada disso. "depois daqui" significa quando ela deixar esse mundo, siginifica quando ela não estiver mais aqui comigo, quando eu estiver chorando encarando seu caixão. Quando eu colocar flores sobre a terra que cobrirá seu corpo, quando eu voltar para casa e perceber que não existe mais casa. Que estou sozinha neste mundo.
Penso muito na resposta que darei a ela. Realmente não faço a menor ideia do que farei "depois daqui" e para ser sincera prefiro continuar sem saber, só quero esquecer meus problemas. Fingir que eles nem existem mas ela aguarda por uma resposta. Eu suspiro antes de dizer:
— Você não vai morrer, Marcela — minha voz soou mais fria do que gostaria.
— Todos nós partiremos desta para melhor um dia, Isabelle. Eu só quero estar segura de que você ficará bem.
— Não sei. Eu só... Estou muito confusa com tudo isso que está se passando na minha vida — sou sincera e ela levanta os braços pedindo um abraço.
Me retraio por um segundo mas não demoro muito para ceder. Abraço forte seu corpo e não há sensação mais confrontante que essa, quantas vezes eu precisei desse abraço? Porquê aquele desgraçado tinha que tirar isso de mim? Maldito. Conversando como se estivesse tudo bem, falando sobre coisas aleatórias como se conhecêssemos perfeitamente uma a outra e eu gostei muito disso.
Mas nosso momento de paz é interrompido quando vários médicos entram no quarto e eu sou afastada dela. Não entendi o que se passou mas num segundo a gente estava conversando normalmente e no outro eu via médicos passando um desfibrilador no peito dela fazendo seu corpo convulsionar.
— 1...2...3.. vai! — e o desfibrilador foi colocado sobre seu peito novamente.
— 1...2...3.. vai!
E de novo.
E de novo. Até que eles finalmente desistiram e me olharam com pena.
— Não! Não, não, não — me recuso a aceitar a verdade.
— Senhora.. — empurro a enfermeira e me aproximo da minha mãe, e não de um corpo sem vida. Ela não pode estar morta, não agora.
Os médicos e enfermeiros e me olhavam com pena enquanto eu pegava o desfibrilador e colocava no peito dela.
— Acorda, Marcela! — esfrego um no outro e colono em seu peito novamente.
— Acorda, acorda acorda — desabo em seu corpo.
— Você não pode me deixar — bato em seu peito.
— Você não tem o direito de me deixar — choro em seu peito.
— Eu nem sequer tive tempo de dizer que te amo, mãe. Não tive a chance de dizer que eu não tenho nada para perdoar você. Eu não culpo você por nada e você foi embora sem que eu pudesse dizer isso a você. Porquê? Porquê? Porque eu não disse isso a você antes? É minha culpa. Minha culpa.
Desabo no chão com as mãos trémulas enquanto não consigo conter minhas lágrimas. A dor no meu peito é tão forte que agarro minha blusa apertando ela perto da região da dor. Me coloco em posição fetal e deixo a dor me consumir. Marcela foi sem eu falar tudo que eu tinha para falar para ela. Eu queria ter falado tudo que está guardado aqui dentro de mim mas nem isso a vida me deu a chance de fazer.
O que mais dói é saber que vou passar por tudo isso sozinha. Meu deus, não tenho ninguém para me segurar quando eu cair. Não tenho ninguém para me ajudar a levantar quando eu desabar eu estou completamente sozinha.
Não faço a menor ideia de quanto tempo pode ter se passado e nem faço a menor questão de saber. O sufoco não passou. Dói não ter dito adeus a ela. Dói não ter dito eu te amo. Dói saber que todos anos que Heitor roubou de nós duas nunca serão recuperados. Dói saber que durante toda vida culpei uma mulher que só queria o meu bem. Dói saber que ela foi embora sem saber que eu a amo e muito e dói mais ainda ter descoberto que a amo só depois da sua morte.
Eu nunca achei que o corpo de uma pessoa podia ser feito apenas de dor. Nada mais além de dor, eu só sinto dor. Em todas partes do meu corpo e não sei se sou capaz de sentir outra coisa.
Pedi que o enterro dela fosse feito o mais rápido possível. Não porque eu não vejo a hora de me livrar dela. Mas porque ficar olhando seu corpo sem vida só me causa mais dor. Não sei se sou capaz de fechar os olhos e dormir pois fiquei de olhos abertos até o dia de enterro.
O mais triste é que em seu funeral não estava ninguém que gostasse dela de verdade além de mim. Estavam seus funcionários e seus colegas esnobes. Não queria que eles estivessem presentes mas não havia muito que eu pudesse fazer para impedir eles de qualquer coisa.
Me aproximo de seu caixão vendo seu rosto pela última vez. E não sei se no mundo existe uma dor pior que essa e se existir eu não sei se sou capaz de aguentar.
— Adeus, mãe — sussurro chorando — Eu amo você.
Fecho seu caixão e me afasto dele para que ela possa ser enterrada. Vejo seu caixão desaparecer diante dos meus olhos e então a ficha cai. Minha mãe já não está aqui.
Sinto uma mão abraçar meu ombro e abraço Sebastian chorando em seu peito.
— Shh vamos pra casa.
— Não é justo, Sebastian! Porquê essas coisas só acontecem comigo? Parece que todo mal me rodeia. Porquê, Sebastian?
— Shh não pensa nisso. Vamos.
Caminhamos juntos até seu carro. E ele dirige em silêncio até a casa da Marcela que agora é minha. Confesso que imaginei ela lá dentro, cozinhando ou fazendo qualquer outra coisa.
Quando cheguei á casa não quis fazer nada além de ficar deitada na cama chorando e chorando mais. Sebastian teve que ir embora mas prometeu voltar assim que pudesse.e eu agradeço a ele por todo seu apoio.
Peguei o retrato dela e o abraço chorando com ele. O que eu vou fazer agora? Não sei nem por onde começar ou como continuar com minha vida. Se é que ainda tenho uma pois eu me sinto vazia. Como se já não tivesse vida em mim.
Eu estou sem rumo.
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Mais Feliz Do Que Nunca!
Teen FictionDois adolescentes problemáticos. Dois adolescentes tóxicos, cegos pelo orgulho. Uma mistura perigosa de fogo e petróleo que a qualquer momento poderia entrar em combustão, mas acima de tudo, duas almas quebradas que podem escolher entre unir uma a o...