9-𝙾𝚞𝚝𝚛𝚘 𝚖𝚞𝚗𝚍𝚘

39 10 8
                                        



Dentro do portal, parecia que se passaram apenas segundos até chegarmos ao destino desejado. Com dificuldade para enxergar e por estar de cabeça para baixo, consegui ver várias cores se fundindo e passando na velocidade da luz até que tudo ao nosso redor parou. O soldado que me carregava me coloca sentado no chão. Mesmo sem mobilidade, continuo na mesma posição. Ao contemplar o céu, percebo que não era um céu de verdade, não como o da Terra. Ele apresentava várias ondas escuras e cores misturadas, planetas vibrantes colidindo um com o outro, com criaturas sobrevoando entre eles. O espaço em que estávamos era completamente diferente de tudo que já vi; toda a realidade estava distorcida. A impressão que dava era de que os dois mundos estavam conectados, refletindo um ao outro. As ruas formavam uma roda gigante sem fim e as casas estavam espalhadas, cada uma em uma órbita diferente. Tudo era um caos, mas de alguma forma muito organizado à sua própria maneira; a maioria das formas era circular.

— Você está bem? — Ela se coloca de pé em meu campo de visão, passa meu braço sobre seu pescoço e me levanta, pendurado ao lado da sua cintura.

— Você deveria ter me matado. — Viro o rosto para que ela não perceba minhas lágrimas. Não consigo contê-las e não faço esforço para evitar.

— Um dia isso vai passar. — Essa frase era o meu pior pesadelo; não merecia ter essa paz, não queria essa tranquilidade. Como poderia superar o insuperável? Pela minha expressão, ela sabia muito bem disso, mas havia algo mais em seu semblante que me preocupava.

— Vão apagar minhas memórias, não é? — A voz rouca quase não saiu. Ao olhar ao nosso redor, percebo que eles não estão mais conosco; está apenas eu e Clark em uma rua que faz várias voltas, como um círculo dentro de muitos outros círculos. Ela dá alguns passos e, por estar firmemente apoiado nela, a acompanho em silêncio.

— Não deixem que façam isso comigo. Você me deve essa, Clark. — Quebrando o silêncio, forço-me a me soltar, e antes de cair, Clark consegue estabilizar meu corpo ao encostar em algum objeto que não reconhecia como apoio.

— Fiz mais do que deveria; você é um completo imbecil. Não basta matar sua famili... — Ela para imediatamente. Continua: — Jake, não queria falar isso... — Seu tom de arrependimento provocou ira em mim; não estava buscando compaixão, muito menos pena.

— Não, você está certa. Continue o que ia dizer. Eu matei cada um deles: Anne, minha mãe, até o Brian se foi. — Cubro meu rosto, tomado pela raiva; meus gritos eram de dor. Gritei tanto que meu peito ardia, e a cada grito, meu corpo ansiava mais por isso. Levanto meu olhar para encará-la. Continuo: — Se você fez mais do que deveria, por que ainda está aqui, bruxa? Vá embora, vá embora... não quero ter que olhar para seus olhos; não preciso da sua compaixão. — Gritava.

— Eu sinto muito, Jake. Precisamos continuar andando. — Ela tenta me erguer novamente, mas eu a impeço, empurrando-a.

— Se você realmente sente o que diz, me ajude. — Ficamos nos entreolhando.

— Jake, no ponto em que chegamos, até eu serei punida. — Clark se aproxima, agachando-se na minha frente.

— Acaba com isso e me mata, mas não deixe que apaguem minha memória, Clark. Por favor, eu não consigo viver em um mundo onde eles não existam. — Seguro seu colarinho e, sem perceber, acabo a balançando com rigidez a cada palavra que pronunciava.

— Eu não posso fazer isso. — Ela para minhas mãos delicadamente.

— Todos esses três anos você me odeia; não seria difícil fazer isso. — Coloco sua mão em meu pescoço, e ela imediatamente se afasta.

— Prometi a Anne que nunca esqueceria delas; não posso viver assim. Não deixe eu ficar vivo quebrando essa promessa. — Nesse momento, desejava mais a morte do que viver sem lembranças. Começo a recordar da primeira vez que coloquei Anne em meus braços ao nascer, dos momentos com minha mãe, do jeito peculiar do Brian, que traziam felicidade e conforto, mostrando que não estava sozinho. Como todas essas vidas, que são a parte principal de quem eu sou, poderiam se resumir a nada? Vendo que Clark não iria executar meu desejo, decidi por mim mesmo acabar com a minha vida. Meus olhos, ao encará-la, testificavam minha desistência pela sobrevivência.

— Me escuta, você não pode fazer isso... — Clark conseguia enxergar isso como ninguém. Sua expressão foi se tornando rígida, como se estivesse sentindo dor. Quando estava prestes a brigar comigo, algo apareceu atrás dela: uma criatura sem rosto e sem forma, vestindo um enorme manto branco. No lugar do rosto, havia apenas escuridão; ele era diferente dos demais soldados que nos trouxeram até aqui.

— Não acham que nos fizeram esperar o suficiente? — Clark se vira e se prostra de joelhos ao ouvir a voz que estremecia o recinto onde estávamos.

Jᥲᥒᥱᥣᥲ᥉ d᥆ Tᥱ꧑ρ᥆Onde histórias criam vida. Descubra agora