Vícios e Virtudes

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– Muito obrigada, mas não estou vestida para jantar fora. – A voz dela parecia cetim sobre aço.

Carina ergueu uma sobrancelha para ela. Havia superado o susto inicial de ter sido pega na sala de Maya e agora estava totalmente desperta e irritada com o tom de voz dela. Os olhos de Maya a percorreram lentamente, detendo-se para observar seus belos contornos e parando por um bom tempo em seus tênis. Detestava ver mulheres de tênis, pois achava um desperdício.

– Você está ótima assim. A cor da sua blusa ressalta o tom rosado da sua pele e as manchas caramelo dos seus olhos. Está muito bonita, na verdade. – Maya sorriu para ela com um pouco mais de ternura do que devia e desviou o olhar.

Tenho manchas caramelo nos olhos? Desde quando? E quando foi que ela olhou por tempo suficiente para notar? pensou Carina.

– Costumo ir a um lugar perto do meu apartamento durante a semana, especialmente quando está tarde. Eu pago o jantar e nós podemos conversar sobre sua proposta de dissertação. Informalmente, é claro. O que acha?

– Obrigada, professora. – Houve uma rápida troca de olhares e ambas abriram sorrisos carinhosos e hesitantes. Maya esperou pacientemente que ela arrumasse tudo antes de abrir passagem e acenarem direção ao corredor.

– Primeiro as damas. – Carina agradeceu e, quando passou, ela estendeu a mão e pegou a alça da bolsa, tocando de leve um de seus dedos. Ela recuou por instinto e deixou a bolsa cair. Por sorte, Maya a segurou. – É uma excelente bolsa. Eu gostaria de carregá-la um pouco. Se não se importa. – Maya sorriu para ela, que voltou a ficar vermelha.

– Obrigada – balbuciou Carina. – Gostei mesmo dela. É perfeita.

Maya não tentou puxar conversa até elas chegarem ao restaurante, que se chamava Caffé Vollo e ficava na Yonge Street. Era um restaurante modesto, porém aconchegante, que oferecia talvez a melhor e mais extensa carta de cervejas de Toronto. Também contava com um excelente chef italiano, por isso tinha a melhor cozinha do bairro no que dizia respeito a comida italiana simples. O restaurante em si era pequeno, com apenas dez mesas, complementadas durante o verão por um terraço. A decoração era rústica e incluía algumas antiguidades, como bancos de igreja reformados e antigas mesas de fazenda. Maya gostava dali porque eles serviam sua cerveja trapista favorita, a Chimay Première, que ela gostava de beber acompanhada de uma pizza napolitana. Como Maya era uma cliente assídua e bastante exigente, lhe foi oferecido o melhor lugar da casa, uma discreta mesa para dois num cantinho perto da grande janela panorâmica, com vista para a loucura que era a Yonge Street à noite. Carina se sentou com cautela num banco de igreja reformado e se cobriu com a manta de pele de cordeiro que o garçom havia jogado sobre o encosto, apertando-a em volta do corpo.

– Está com frio? Posso pedir ao Abel que nos acomode perto da lareira. – Maya fez menção de chamar o garçom, mas Carina a deteve.

– Eu gosto de observar as pessoas – falou uma Carina, tímida.

– Eu também – admitiu ela. – Mas assim você fica parecendo o Abominável Homem das Neves. – Carina ficou vermelha. – Perdão – apressou-se em acrescentar. – Mas sem dúvida podemos conseguir algo melhor que uma manta que só Deus sabe onde já esteve. Provavelmente já enfeitou o chão do apartamento de Abel. E quem sabe que tipo de saliência aconteceu em cima dela?

Sério que ela acabou de usar a palavra saliência numa frase? pensou Carina.

Então a professora Bishop tirou graciosamente seu suéter de caxemira azul e o entregou a ela. Carina o aceitou, largando de lado a manta do Abominável Homem das Neves. Ela vestiu o suéter, que era bem grande.

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