Eu amo você, Maya.

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*ALERTA GATILHO*

Owen foi até a cozinha e se deteve ali, apoiando-se no portal, de braços cruzados. Ela olhou, em estado de choque, para um rosto bonito de olhos azuis, emoldurado por cabelos claros e curtos. Carina gritou e saltou em direção à porta, tentando passar correndo por ele. Owen levou sua mão grande à maçaneta, bloqueando o caminho. Ela agarrou o braço dele para evitar cair para trás.
 
– Por favor – implorou. – Me solte. 

– Isso por acaso é jeito de me receber? Depois de todo esse tempo? – Ele sorriu, puxando seu braço de volta e empertigando seu corpo de 1,80m. Carina se encolheu sob o batente da porta, correndo os olhos ao redor, nervosa. Owen a fez recuar para dentro da cozinha. Quando conseguiu encurralá-la, passou os braços por sua cintura, puxando-a para um abraço apertado. 

– Owen, me largue. – Ela arquejava e se contorcia. Ele a apertou ainda mais, um sorriso malicioso cortando seu rosto de orelha a orelha. 

– Deixe disso, Cari. Relaxe. – Ela se debateu em seus braços. 

– Eu tenho namorada. Me solte! 

– Não me importo que tenha namorada. 

Owen aproximou seu rosto do dela e Carina teve medo de que ele a beijasse. Mas não. Em vez disso, pressionou o corpo contra o dela e o percorreu com as mãos, sorrindo diante do desconforto dela. Algum tempo depois, recuou. 

– Nossa, continua a mesma pedra de gelo. Achei que sua namorada tivesse dado um jeito nisso. – Os olhos dele deslizaram por seu corpo com uma expressão de luxúria. – Pelo menos sei que não estou perdendo nada. Embora ainda seja um insulto que você tenha dado para ela, e não para mim. 

Carina se desvencilhou dele e disparou para a porta da frente, abrindo-a e apontando para fora. 

– Vá embora. Não quero falar com você. E meu pai estará de volta a qualquer momento. – Owen a seguiu devagar, como um lobo atrás de um cordeiro. 

– Não minta para mim. Sei que ele acabou de sair. Parece que está havendo um probleminha
lá no Best Bowl. Alguém ateou fogo ao lugar. Ele vai demorar horas. – Carina pestanejou, nervosa. 

– Como sabe disso? 

– Ouvi no rádio. Estava pela vizinhança, então me pareceu o momento perfeito para vir lhe fazer uma visita. 

Ela tentou parecer calma enquanto considerava suas opções. Sabia que não tinha a menor chance de correr mais do que ele e não queria se arriscar a irritá-lo ao tentar fazer isso. Se ficasse dentro de casa, pelo menos poderia tentar alcançar seu celular, que estava na cozinha. Ela estampou um sorriso falso no rosto e tentou parecer simpática. 

– Foi legal da sua parte. Mas nós dois sabemos que acabou. Você encontrou outra pessoa e está feliz. Vamos deixar o passado para trás, o.k.?
 
Ela tentou esconder seu nervosismo e se saiu muito bem. Até ele se aproximar e começar as passar as duas mãos pelos seus cabelos longos, puxando os fios para junto do próprio rosto para cheirá-los. 

– Não fui feliz com ela. Não tinha nada a ver com felicidade, mas com sexo. E ela não é o tipo de garota que eu poderia apresentar aos meus pais. Você, por outro lado, pelo menos era apresentável. Mesmo que fosse uma decepção.

– Não quero falar sobre isso. – Ele puxou a porta para longe do alcance de Carina e a fechou com um baque. 

– Ainda não terminei. E não gosto de ser interrompido. 

– Desculpe, Owen. 

– Chega de enrolação. Você sabe por que estou aqui. Quero as fotos. 

– Já falei. Não estão comigo. 

– Não acredito em você. – Ele fechou a mão em volta do pescoço de Carina e a puxou para si. – Você quer mesmo fazer esse tipo de jogo comigo? Eu já vi o que Teddy tem. Sei que as fotos existem. Se entregá-las a mim agora, continuaremos amigos. Mas não me provoque. Não viajei três horas para aturar suas merdas. Não me importa quantas pérolas tenha no pescoço, você não é nada. – Ele começou a puxar o colar, forçando os nós que havia entre as pérolas. Carina ergueu as mãos para impedi-lo. 

– Por favor, não faça isso. Este colar era de Katherine. 

– Ah, era de Katherine. Mil perdões. Gastei mais dinheiro com você em uma semana do que o valor deste colar. – Ele tornou a puxá-lo, desafiador. Carina engoliu em seco e ele viu a garganta dela estremecer.

– Teddy está mentindo. Não sei o que ela quer, mas já falei que deixei para trás todas as fotos suas que tinha. Não tenho por que mentir para você. Por favor, Owen. – Ele riu.

– Bela atuação. Mas não passa disso: uma atuação. Sei que está com raiva de mim pelo que aconteceu, então acho que decidiu pegar algo para se vingar. 

– Se isso fosse verdade, por que não as usei? Por que não as enviei para um jornal ou ameacei você, pedindo dinheiro em troca? Por que as guardaria por um ano? Não faz sentido! – Ele a puxou para si e colou os lábios à sua orelha. 

– Você não é exatamente esperta, Cari. Não me custa acreditar que esteja de posse de algo que não saiba como usar. Por que não continuamos esta conversa lá em cima? Posso procurar as fotos e você pode tentar melhorar meu humor. – Ele sugou o lóbulo da orelha de Carina, mordendo-o de leve. 

Carina inspirou e expirou algumas vezes, tentando reunir toda a coragem possível. Ergueu a cabeça para fitar seus olhos verdes e frios. 

– Não vou fazer nada até você tirar as mãos de mim. Por que não consegue ser gentil? – O olhar de Owen ficou sombrio por um instante, mas então ele a soltou. 

– Ah, vou ser gentil com você. – Ele começou a acariciar seu rosto. – Mas espero algo em troca. Se eu não sair daqui com as fotos, terei que sair com outra coisa. Então é melhor ir pensando no que pode fazer para pôr um sorriso no meu rosto. – Carina se encolheu de medo. – As coisas mudaram mesmo, não é? Vou gostar muito disso. – Ele a puxou para os seus braços e pressionou a boca aberta e voraz contra a dela. 

Às seis e meia, Maya pediu licença da mesa de jantar e foi à sala de estar, preparando-se para receber a ligação de Carina. Mas ela não telefonou. Ela checou o caixa postal. Nenhuma mensagem de Carina. Nenhum novo torpedo dela. E nenhum e-mail. Às dez para as sete, discou o número do celular dela. Alguns toques depois, caiu na caixa postal. 

– Carina? Você está aí? Me ligue. 

Ela encerrou a chamada e usou um aplicativo do iPhone para encontrar o número da casa de Vincenzo. O telefone tocou várias vezes. Então a secretária eletrônica atendeu. Maya desligou sem deixar recado. 

Por que ela não está atendendo? Onde está? E Vincenzo, cadê? Pensou Maya. 

Uma terrível suspeita invadiu sua mente. Sem querer desperdiçar nem um segundo, Maya saiu correndo pela porta da frente sem falar com ninguém. Deu a partida no jipe e seguiu em disparada para a casa de Vincenzo, tentando falar com Carina ou seu pai várias vezes no caminho. Se um policial a parasse por excesso de velocidade, melhor ainda.

A vitória de Owen estava tão próxima que ele conseguia sentir seu gosto. Sabia que Carina não era forte e estava acostumado a usar suas fraquezas em benefício próprio. Quando ela olhou dentro dos seus olhos e implorou que ele acreditasse que ela não estava com foto alguma, Owen acreditou. Era muito mais provável que Teddy estivesse tentando armar uma cilada para ela, tentando distrair a atenção de seu próprio jogo de vingança. Quando voltou a segurar Carina nos braços, ele desistiu de procurar as fotos. 
Agora, sua missão era bem diferente. Sem se deixar intimidar pelo telefone que tocava na cozinha, alternando-se com alguns compassos de "Message in a Bottle", que era o toque do iPhone de Carina, Owen continuou a beijá-la, puxando-a de modo que ela montasse sobre ele no sofá de seu pai. 

Ela ainda era frígida. Mal conseguia tolerar as investidas de Owen, os braços e o corpo sem vida. Nunca havia gostado da língua dele em sua boca. Na verdade, nunca havia gostado de nada ali e mesmo agora se contorcia nos braços dele. Mas o desconforto dela o excitava e, quando ele deslizou a língua pela dela, sentiu sua excitação crescer, fazendo pressão contra o zíper da calça jeans. Ele a beijou até ela criar coragem para empurrar seu peito com os punhos. 

Foi então que Owen soube que estava na hora de partir para outras atividades. Quando começou a desabotoar a blusa de Carina, ela se debateu. 

– Por favor, não faça isso – protestou, chorosa. – Me solte, por favor. 

– Você vai gostar. – Ele deu uma risadinha, inclinando-se para apertar a bunda dela, apalpando-a, enquanto ela tentava escapar do seu colo. – Vou me assegurar disso. Só então irei soltá-la. 
Ele arrastou a boca pelo queixo de Carina, descendo pelo lado esquerdo de seu pescoço, chupando um pedaço de pele. 

– Imagino que você não vá querer repetir nossa última briga, não é mesmo, Cari? – Ela estremeceu. – Cari? 

– Não, Owen. 

– Ótimo. 

Como estava de olhos fechados, ele não viu o chupão evidente no lado direito do pescoço de Carina. Mas não teria feito diferença. Owen já estava decidido a marcá-la. Uma bela mordida para que sua namorada no Canadá visse o que sua namoradinha andava aprontando. Uma marca que serviria para acertar as contas entre os dois. Ele sugou seu sangue até a superfície da pele e, para completar, cravou os dentes ali. Ela gritou de dor.

Ele lambeu sua pele de leve, saboreando seu gosto – uma mistura de salgado, doce, sangue e Carina. Quando terminou, recuou para admirar seu trabalho. Ela precisaria usar gola rulê para cobrir a mordida. 

Ele sabia que Carina não gostava de gola rulê. A marca era monstruosa, feroz e vermelha e exibia a grande arcada dentária de Owen. Era perfeita. Carina ergueu os olhos para ele através dos seus cílios incrivelmente longos e Owen notou uma mudança em seus olhos. Ele se inclinou para a frente, ansioso, e lambeu os lábios. De repente, a palma da mão dela atingiu seu rosto num tapa violento. Num piscar de olhos, Carina correu em direção às escadas para fugir para o segundo andar. 

– Sua piranha desgraçada! – berrou Owen, disparando atrás dela e alcançando-a com facilidade. 
Logo antes de ela chegar ao topo da escada, ele agarrou seu tornozelo com as duas mãos e o torceu. Ela caiu de joelhos, gritando de dor

– Vou lhe dar uma lição que você nunca vai esquecer – disse ele, movendo-se para agarrar os cabelos dela.

Carina urrou e Owen puxou sua cabeça para trás. Debatendo-se alucinadamente, ela o chutou com força com o pé ileso e, por milagre, conseguiu acertar a virilha de Owen, fazendo-o soltar seus cabelos e cambalear escada abaixo. Então foi mancando até seu quarto e trancou a porta enquanto ele se encolhia de dor. 

– Espere só até eu pegar você, sua vagabunda! – gritou ele, com as duas mãos na virilha. 

Carina travou a porta do quarto com uma cadeira e começou a puxar uma cômoda. Velhos porta-retratos chacoalharam uns contra os outros em cima do móvel antigo quando ela tentou movê-lo e uma boneca de porcelana caiu no chão, se despedaçando. 

Ignorando a dor no tornozelo, ela mancou até o outro lado da cômoda, empurrando-a freneticamente com impulsos curtos e desesperados. Owen gritava palavrões, lutando com a maçaneta. Por fim, ela conseguiu pôr a cômoda na frente da porta. Queria apenas ganhar tempo para dar um telefonema antes de Owen invadir seu quarto. Ela mancou até o telefone na mesa de cabeceira, mas, na pressa, acabou derrubando-o no chão. 

– Merda! 

Pegou o aparelho e, com os dedos trêmulos, começou a discar o número do celular de Maya. Caiu direto na caixa postal. Enquanto ela esperava o bipe, Owen atirou seu corpo contra a porta. Carina observou, horrorizada, a velha porta ceder e começar a se soltar das dobradiças. 

– Maya, venha para a casa do meu pai agora mesmo. Owen está aqui tentando arrombar a porta do meu quarto! 

Owen xingou e rosnou, jogando-se de forma incansável contra a porta. Assim que conseguisse arrombá-la, viraria a cômoda para pegar Carina. 

Acabou. Estou morta, pensou ela. 

Não conseguia imaginar um desfecho em que escapasse sem ficar gravemente ferida, ou coisa pior. Percebendo que não poderia esperar nem mais um segundo, ela largou o telefone e abriu a janela, preparando-se para subir no telhado e talvez pular. 

No instante em que tentava passar por cima do peitoril, viu o jipe de Maya chegar cantando pneus. Ele saiu correndo do carro e atravessou o quintal em disparada. Maya gritou o nome dela e Owen o xingou. Passos leves e rápidos ecoaram nas escadas, seguidos pelo som de corpos se chocando e de uma enxurrada de palavrões. Algo muito pesado desabou no chão. Alguém saiu rolando pelos degraus. 
Carina se aproximou devagar da porta quase destruída, esforçando-se para ouvir o que estava acontecendo. Os barulhos agora pareciam vir do lado de fora. Quando mancou de volta para a janela, viu Owen caído na grama do quintal. Ele xingava e segurava o nariz. Sem fôlego, ela o observou se levantar, cambaleante e com sangue escorrendo pelo rosto. Num piscar de olhos, o sangue do nariz de Owen se misturou ao da sua boca quando um gancho de direita de Maya cortou seu lábio e arrancou alguns dentes. 

– Filha da puta! – Owen cuspiu os dentes e se lançou para cima de Maya. 

Apesar da óbvia desvantagem, ele conseguiu acertar um soco no queixo da sua oponente. Maya cambaleou para trás, sem ar. Owen deu outro passo à frente, disposto a aproveitar a fragilidade da adversária. Maya se recuperou depressa, esmurrando a barriga do outro com as duas mãos. Owen se encolheu de dor e caiu de joelhos. 

Maya ajeitou os ombros sem pressa e virou a cabeça de lado, estalando o pescoço. Parecia extraordinariamente relaxada em sua camisa social. Era como se estivesse a caminho de uma reunião de professores na universidade, em vez de dando uma surra no filho de um senador. 

– Levante daí – ordenou Maya com uma voz que fez o sangue de Carina gelar. Owen gemeu. – Eu falei para você se levantar daí! – Maya se agigantou sobre ele como um anjo vingador: linda, terrível e sem nenhuma misericórdia. 

Como Owen não se moveu, Maya pegou-o pelos cabelos e jogou sua cabeça para trás. 

– Se pensar em chegar perto dela outra vez, vou matar você. O único motivo para ainda estar vivo é porque Carina ficaria triste em me ver ir para a cadeia. E não vou largá-la depois do que você fez, seu filho da puta doente. Se uma foto ou um vídeo de alguém minimamente parecida com ela for parar na internet ou num jornal, irei atrás de você. Já lutei assaltos com uns irlandeses do sul de Boston e sobrevivi para me gabar disso. Então não pense que vou hesitar em esmagar sua cabeça da próxima vez. 

Maya recuou e arrebentou o queixo de Owen com um direto de esquerda. Ele desabou no chão e ficou totalmente imóvel. Tirando um lenço do bolso de trás da calça de lã, Maya limpou o sangue das mãos como se não fosse nada. Neste exato momento, Carina surgiu na porta da frente e foi mancando em sua direção.

– Amor! – Ela a pegou em seus braços quando Carina quase caiu dos degraus de entrada. – Você está bem? – Maya a pousou no chão com cuidado, puxando-a contra o peito. – Carina? – Ela afastou os cabelos dela para trás para poder vê-la. 

Seus lábios estavam vermelhos e inchados, havia arranhões em seu pescoço, seus olhos estavam alucinados e... o que era aquilo? Uma marca enorme de mordida? Aquele animal desgraçado a mordeu! Rosnou Maya. 

– Você está bem? Ele...? 
Maya baixou os olhos até suas roupas, com medo do que pudesse ver. Mas não, as roupas dela não estavam rasgadas e Carina continuava vestida, embora sua blusa estivesse desabotoada. Ela fechou os olhos e agradeceu a Deus por não ter chegado mais tarde. Quem sabe o que poderia ter encontrado? 

– Venha comigo – falou com voz firme, tirando a camisa social ficando de camiseta branca regata e colocando-o em volta dos ombros dela. 

Ela se apressou a abotoar sua blusa e então a carregou até o banco do carona do jipe, fechando a porta em seguida. 

– O que aconteceu? – perguntou, entrando no carro. Carina segurava seu tornozelo machucado e murmurava para si mesma. – Carina?

Como ela não respondeu, Maya estendeu a mão para afastar os cabelos de cima dos seus olhos. Ela se encolheu em direção à porta e Bishop parou no ato. 

– Meu amor, sou eu. Maya. Vou levá-la para o hospital. Está bem? 

Ela não deu sinal de ter ouvido. Tampouco tremia ou chorava. Está em estado de choque. Maya sacou seu telefone e digitou um número. 

– Lane? Aconteceu algo com Carina. – Ela se interrompeu e olhou para ela. – O ex-namorado dela apareceu e a atacou. Estou levando-a para o hospital mais próximo. Sim, você pode nos encontrar lá, se quiser. Até já. Maya tornou a olhar para Carina, na esperança de que ela fizesse algum contato visual. – Lane está indo nos encontrar no hospital. Vai ligar para um amigo dele que é médico. 

Como Carina não reagiu, ela ligou para o auxílio à lista para descobrir o número do Posto de Bombeiros. Deixou uma mensagem urgente para Vincenzo, explicando o que tinha acontecido e que estava levando Carina para o hospital. 

É culpa do maldito pai dela. Por que ele a deixou sozinha, porra? Pensou Maya. 

– Eu dei um tapa nele. – A voz de Carina, aguda e estranha, invadiu seus pensamentos. 

– Você o quê? 

– Ele me beijou... eu dei um tapa nele. Sinto muito. Sinto muito. Nunca mais vou fazer isso de novo. Eu não queria beijá-lo. 

Naquele terrível instante, Maya ficou grata por ter que levá-la ao hospital. Se não precisasse cuidar dela, teria voltado e acabado com a raça de Owen. Sem dúvida. Carina começou a falar coisas sem sentido. Primeiro, murmurou algo sobre ele tê-la beijado e sobre Teddy; depois algo sobre Maya, não iria querê-la mais porque ela estava marcada e seria péssima na cama... 

O que aquele desgraçado fez com ela? Pensou Maya. 

– Sssshhh. Olhe para mim. Beatriz. 

Carina levou alguns instantes para perceber que Maya a estava chamando pelo seu antigo apelido, mas então olhou para ela, os olhos frenéticos se focando lentamente em seu rosto. 

– A culpa não foi sua, está bem? Não foi sua culpa que ele a tenha beijado. 

– Eu não queria trair você, Maya. Sinto muito – sussurrou ela. 

O tom da sua voz, o pânico em seus olhos... Maya engoliu a bile que lhe subiu à garganta. 

– Carina, você não me traiu, está bem? Estou feliz que tenha batido nele. Ele mereceu. Ele merecia coisa muito, muito pior.

Maya balançou a cabeça, perguntando-se, horrorizada, o que teria de fato acontecido antes de ela chegar. 

– Lane – disse o médico, estendendo a mão. Lane se pôs de pé e apertou a mão do amigo. 

– Greg, deixe-me apresentá-lo a Carina Deluca. Ela é uma amiga da família. Cari, este é o Dr. Greg. 

Greg meneou a cabeça e pediu a uma enfermeira que ajudasse Carina a ir até um consultório. Ele também foi para lá instantes depois, assegurando a Lane que a trataria como se fosse sua própria filha. 

Sabendo que Carina estava em boas mãos, Lane decidiu ir até a cafeteria para se juntar a filha. Assim que chegou ao corredor, pôde ouvir Maya discutindo com Vincenzo Deluca. Aos gritos. 

– Acho que sei julgar as pessoas melhor do que você. – Vincenzo falava a centímetros do rosto de Maya, tentando intimidá-la fisicamente, mas Maya o enfrentava de igual para igual. 

– Bem, está na cara que isso não é verdade, Sr. Deluca, ou então eu não teria precisado arrastar aquele animal de dentro da sua casa antes de ele estuprar sua filha na porra do quarto dela. 

– Ei, vocês dois! Estamos num hospital. Vamos resolver isso lá fora – disse Lane com firmeza, andando em direção a eles. 

Vincenzo cumprimentou rapidamente o amigo, então voltou sua atenção para Maya. 

– Fico feliz que Carina esteja bem. E, se foi você quem salvou minha filha, eu lhe devo uma. Mas recebi um telefonema de um policial dizendo que você deu uma surra no filho do senador Hunt. Como posso saber que não foi você quem começou tudo isso? Você é uma viciada! 


– Posso fazer um exame de sangue. – Os olhos de Maya faiscaram. – Não tenho nada a esconder. Em vez de se preocupar com o filho do senador, não acha que deveria se importar um pouco mais com sua filha? Proteger Carina era a sua tarefa. Como pai. E fez um trabalho de merda nesse sentido durante toda a vida dela. Pelo amor de Deus, Vincenzo. Como pôde ter mandado Carina de volta para morar com a mãe quando ela era criança? 

Vincenzo cerrou os punhos com tanta força que quase estourou os vasos sanguíneos das mãos. 

– Você não sabe do que está falando, então é melhor calar a boca. É muita audácia sua me dar um sermão sobre minha filha. Não passa de uma viciada em cocaína com um histórico de violência. Se eu voltar a vê-la perto dela, vou chamar a polícia. 

– Não sei do que estou falando? Ora, Vincenzo, não se faça de idiota! Estou falando de todos aqueles homens que entravam e saíam do apartamento de Lúcia e comiam sua ex-mulher na frente da sua garotinha. E você não fez absolutamente nada. Na verdade, finalmente a resgatou antes que ela engrossasse as estatísticas de abuso infantil. Mas depois a mandou de volta. Por quê? Ela era uma delinquente aos 9 anos de idade? Era muito carente? Ou você estava ocupado demais sendo chefe voluntário dos bombeiros? 

Vincenzo olhou para Maya com uma expressão de puro ódio. Precisou de todo o seu autocontrole para não lhe acertar um soco ou pegar sua espingarda de caça na picape e lhe dar um tiro. Mas não iria fazer nenhuma das duas coisas ao lado de uma sala de espera cheia de testemunhas. 

Tudo o que fez foi xingar Maya mais algumas vezes e seguir a passos firmes até a recepção para pagar a conta do hospital. Quando Carina voltou, de muletas, Vincenzo já havia se acalmado. Estava parado diante da porta da sala de emergência com as mãos nos bolsos, cheio de culpa. Maya andou até Carina imediatamente, franzindo as sobrancelhas ao ver seu tornozelo enfaixado.
 
– Você está bem? 

– Não está quebrado. Obrigada, Maya. Não sei o que teria... – Carina engoliu suas palavras à medida que lágrimas escorriam por seu rosto pela primeira vez naquela noite. 

Maya colocou o braço em volta do ombro dela e beijou sua testa com ternura. Vincenzo ficou observando a interação entre sua filha e a violenta, porém corajosa, viciada em cocaína e andou até Lane. Os dois amigos conversaram por um minuto antes de trocarem um aperto de mãos. 

– Cari? Você quer ir para casa? Lane disse que, se preferir, é bem-vinda para ficar na casa dele. – Vincenzo remexeu os pés, sem jeito. 

– Não posso ir para casa.
 
Carina se afastou de Maya e envolveu o pai com um braço. Os olhos dele se encheram de lágrimas e Vincenzo sussurrou um pedido de desculpas ao pé do ouvido da filha antes de sair do hospital. Lane se despediu dos dois, deixando Carina enxugar suas lágrimas. Maya se voltou para ela no mesmo instante.

– Podemos comprar os seus remédios no caminho de volta para a casa de Lane. Você certamente pode pegar emprestadas algumas roupas de Melissa, ou minhas até. A não ser que queira passar em casa para fazer uma mala. 

– Não posso voltar lá – choramingou ela, encolhendo-se. 

– Não há necessidade. 

– E quanto a ele? 

– Não precisa mais se preocupar com ele. A polícia já o deteve. – Carina olhou Maya nos olhos e quase se perdeu na ternura e no zelo que irradiavam deles. 

– Eu te amo, Maya. 

A princípio, ela não esboçou nenhuma reação. Simplesmente ficou parada ali, como se não tivesse ouvido. Mas então a expressão em seu rosto se amenizou. Ela a puxou para o seu lado, com muletas e tudo, e beijou seu rosto sem dizer nada.
 
Depois do jantar, Mason foi visitar um amigo. Quando voltou para casa, ficou chocado ao encontrar duas viaturas na porta da garagem. A agente Diane Lewis estava interrogando Carina na sala de estar, enquanto o agente Winston Ndugu fazia o mesmo com Maya na sala de jantar. Lane já havia sido interrogado.

– Alguém pode me explicar por que a polícia está na minha casa? O que Maya fez agora? – Mason estava parado na cozinha, olhando para a irmã e o pai.

Jack foi até a geladeira e pegou uma cerveja Samuel Adams. Abriu a garrafa e a entregou para Mason.

– Owen agrediu Carina. – Mason quase cuspiu sua cerveja. 

– O quê? Ela está bem? 

– Aquele desgraçado mordeu minha amiga – disse Melissa. – E quase quebrou o tornozelo dela. 

– Ele chegou a... – Começou Mason, sem rodeios, mas não conseguiu pronunciar as palavras. Melissa balançou a cabeça. 

– Eu perguntei a ela. Talvez não devesse, mas perguntei. Ela disse que não. – Todos suspiraram aliviados. Mason pousou a cerveja com força no balcão. 

– Bem, onde ele está? Vamos, Jack. Alguém precisa dar uma lição nesse sujeito. 
– Maya chegou antes de nós. Winston me disse que precisam levar Owen ao hospital para prender sua mandíbula de volta no lugar. Maya arrebentou a cara dele. – Mason arqueou as sobrancelhas. 

– A professora? Por que ela faria isso? – Jack e Melissa trocaram olhares de cumplicidade. – Gostaria de fazer uma visita àquele filho da puta mesmo assim. – Mason estalou os dedos da mão direita. – Só para termos uma conversinha. – Jack balançou a cabeça. 

– Ouça o que está dizendo. Você é um promotor público; ele é filho de um senador. Não pode bater nele. Além do mais, Maya já fez o serviço. A polícia vai prendê-lo assim que os médicos acabarem de dar um jeito nele. 

– Você ainda não explicou por que Maya sujaria suas belas mãos por causa da Cari. Ele mal a conhece. – Melissa se inclinou sobre a ilha da cozinha em direção ao irmão. 

– Elas estão namorando. – Mason ficou pasmo. 

– Como é que é? 

– Você ouviu bem. Elas estão... juntas.

– Puta merda. O que Carina está fazendo com ela? 

Antes que alguém pudesse dizer qualquer coisa, Maya entrou na cozinha. Ela olhou para os rostos preocupados de seus parentes e franziu as sobrancelhas. 

– Onde está Carina? 

– Ainda está sendo interrogada. – Lane sorriu para a filha mais velha e pôs a mão em seu ombro. – Estou muito orgulhoso de você pelo que fez por Carina. Posso dizer que estamos todos gratos por ter chegado a tempo. – Maya apertou os lábios e assentiu, desconfortável.
 
– Você merece uma medalha por ter espancado Owen. Mas também merece uma surra por se meter com Carina. Você não é boa o suficiente para ela. – Mason largou a cerveja outra vez e tornou a estalar os dedos. Os olhos de Maya encararam o irmão com um brilho frio. 

– Minha vida pessoal não é da sua conta. 

– Agora é. Que tipo de professora come as alunas? Já não tem mulheres suficientes? 

Melissa respirou fundo e caminhou lentamente em direção à porta, afastando-se do iminente conflito titânico. Os punhos de Maya se cerraram dos lados do seu corpo e ela se aproximou um passo do irmão. 

– Se falar assim de Carina mais uma vez que seja, vamos trocar mais do que palavras. 
– Ei, os dois, chega dessa palhaçada de Caim e Abel. A polícia está aí e a irmã de vocês está ficando assustada. – Jack se meteu entre eles, pousando de leve a mão no peito de Mason. 

– Carina não é o tipo de garota que você come e depois dá um pé na bunda. Ela é para casar – disse Mason por sobre o ombro de Jack. 

– Você acha que não sei disso? – retrucou Maya com evidente hostilidade. 

– E você não acha que ela já teve sua cota de canalhas? – Lane ergueu a mão. 

– Mason, já chega. – Ele olhou para o pai com uma expressão intrigada. – Maya salvou Carina de uma agressão. – Lane meneou a cabeça devagar. 

Mason olhou o pai como se ele tivesse dito que a Terra era plana. E todos, menos ele, já soubessem disso. Melissa se intrometeu, disposta a mudar o rumo da conversa: 

– A propósito, Maya, não sabia que você conhecia Diane Lewis. Estudou com ela no ensino médio?

– Estudei. 

– Vocês eram amigas?

– Mais ou menos. 

Todos os olhos focaram Maya, que deu meia-volta e desapareceu. Lane esperou alguns minutos o clima de tensão se dissipar antes de voltar sua atenção para Mason que tinha ficado na cozinha. 

– Gostaria de ter uma conversa com você – falou com voz calma, porém firme. Os dois subiram as escadas e entraram no escritório de Lane, que fechou a porta. – Sente-se – ordenou o pai, apontando uma cadeira em frente à sua mesa. – Quero falar com você sobre sua atitude em relação a sua irmã.

Mason se sentou de frente para o pai e se preparou para o que estava por vir. Lane só levava os filhos até o escritório para as conversas mais sérias. Ele gesticulou para a reprodução de O Retorno do Filho Pródigo, de Rembrandt, orgulhosamente exposta em uma das paredes. 

– Você se lembra da parábola que inspirou esse quadro? – Mason assentiu devagar. Ele estava encrencado. 

Carina se sentou na cama com as costas eretas, ofegante. Foi só um pesadelo. Foi só um pesadelo. Você escapou. Precisou de alguns instantes para controlar a respiração acelerada. Mas, quando percebeu que estava em segurança no quarto de hóspedes dos Bishop, e não debaixo de Owen no chão do seu antigo quarto, conseguiu relaxar. 

Um pouco. Carina se inclinou para acender o abajur. Embora tenha dispersado a escuridão, a luz não foi suficiente para animá-la. Ela pegou o copo d'água e os analgésicos que Maya havia deixado ali ao levá-la para a cama, várias horas antes. Ela tinha se enroscado do seu lado, totalmente vestida, e a abraçara até ela adormecer. Porém não estava mais ali. 

Preciso dela. Pensou Carina. 

Mais do que dos analgésicos, da luz ou do ar, Carina precisava de Maya, precisava sentir o corpo dela em volta do seu, ouvir a voz dela sussurrar palavras de consolo. Ela era a única pessoa que poderia fazê-la se esquecer do que tinha acontecido. 

Carina precisava tocá-la. Precisava beijá-la para apagar seu pesadelo. Tomou os analgésicos para aliviar a dor em seu tornozelo e em seguida foi pulando num pé só até o quarto de Maya para aliviar a dor em seu coração. Fez o máximo de silêncio possível, tentando ouvir qualquer movimento ou passo nos outros quartos. 

Quando ficou convencida de que não seria pega de surpresa, abriu lentamente a porta de Maya, entrou e a fechou atrás de si. Seus olhos precisaram de alguns instantes para se ajustar à penumbra. Maya não havia aberto as persianas e estava deitada no que normalmente seria o lado dela da cama de casal. Carina se perguntou se era adequado dizer que um dos lados da cama era seu. Ela mancou até o outro lado, puxou as cobertas e colocou um joelho no colchão. 

– Carina. – O sussurro de Maya a assustou. Ela levou a mão à boca para não soltar um grito. – Pare. – Carina ficou petrificada. Quando finalmente voltou a si, ela baixou a cabeça. 

– Hum, desculpe. Não deveria ter incomodado você. 

Ela foi tomada pela vergonha e pestanejou para conter as lágrimas, virando-se devagar para ir embora. 

– Não foi isso que eu quis dizer. Espere.

Carina a observou afastar as cobertas e se levantar, de costas para ela. Maya estava nua e a luz das estrelas que entrava pelas frestas das persianas se espalhou pelas costas dela. Era uma espécie de ilusão de ótica, os delicados pontos de luz que dançavam pelo seu corpo atlético. Ela pôde ver suas omoplatas e sua coluna, assim como os músculos inferiores das suas costas, onde a pele se esticou quando ela se inclinou para procurar seu pijama. E, naturalmente,as nádegas e as pernas mais bonitos que ela já vira... Depois de vestir-se, ela se virou para encará-la, seu peito e ombros lindamente esculpidos na penumbra, o coração tatuado um pouco apagado, mas sempre presente. 

– Agora você pode vir se deitar comigo. – Ela deu uma risadinha. – Achei que ficaria nervosa se me encontrasse nua. 

Carina revirou os olhos. Não gostava quando Maya ria dela, mas ela tinha razão. 
– Venha cá – sussurrou, estendendo um braço e puxando-a para perto, de modo que, quando elas se deitassem, a cabeça de Carina descansasse naturalmente em seu peito. – Eu tinha programado o despertador para ir dar uma olhada em você. Ele iria tocar daqui a 15 minutos. Como está o tornozelo? 

– Doendo. 

– Tomou os comprimidos que deixei? 

– Tomei. Ainda não fizeram efeito. 

Maya mudou de posição com cuidado para pegar a mão dela e pressionar os lábios com ternura em seus dedos. 

– Minha pequena guerreira. – Ela acariciou seus cabelos, correndo as pontas dos dedos pelos seus fios sedosos. – Não consegue dormir? 

– Tive um pesadelo. 

– Quer falar sobre isso? 

– Não. 

Ela a abraçou mais forte só para indicar que tinha escutado e que, se ela mudasse de ideia, estaria disposta a ouvir. 

– Pode me beijar? – perguntou Carina. 

– Achei que, depois do que aconteceu, você não iria querer que eu a tocasse. 

Carina inclinou a cabeça para levar os lábios aos dela, pondo fim à conversa. A boca de Maya foi suave e gentil, mal se movendo contra a dela. Ela conseguia sentir que a boca de Carina ainda estava sensível e amaldiçoou mentalmente Owen por tê-la marcado daquele jeito. Mas Carina não queria saber disso. Ela queria sorvê-la, deixar que o fogo de Maya a engolisse, a ponto de ela ser tudo o que conseguisse sentir, tudo em que conseguisse pensar. 

Abrindo a boca, Carina correu a língua pelo lábio dela, saboreando sua doçura. Então a enfiou na boca de Maya, banhando a língua dela com a sua e deixando-a bailar como uma dançarina de tango sobre ela. Os dedos de Maya se apertaram em seus cabelos, puxando a cabeça dela para trás com carinho. 

Então foi a vez de a língua dela empurrar a de Carina para trás, penetrando-a e acariciando-a. O prazer arrebatador que o afeto sem pressa dela lhe proporcionava fez Carina gemer. Enquanto a beijava, não conseguia pensar em mais nada. 

Ela manteve seu tornozelo machucado afastado para protegê-lo e levou as mãos aos cabelos de Maya, puxando-os e retorcendo-os. Maya gemeu, mas não parou. Ela sentiu a coxa dela, aplicando pressão contra a sua coxa nua. Maya desceu a mão direita pelo lado do corpo de Carina, deixando-a pairar sobre o relevo de um seio antes de esfregá-la pelas costelas e depois pelo quadril. 

Gostava da maneira como a camiseta sem mangas e o short de ioga de Melissa lhe caíam, apertando suas curvas e expondo uma grande faixa de pele macia ao longo dos ombros e em cima dos seios. Carina era linda, mesmo naquela penumbra. 

De repente, ela estava deitada de costas, com Maya sobre ela, sustentando o peso com os braços. O joelho de Maya se enfiou entre as pernas dela, que se abriram de boa vontade. Ela queria mais. Precisava de mais. Sua respiração estava ofegante e saía em arquejos. 

Carina se recusava a soltar os cabelos dela, forçando suas bocas a continuarem juntas. Maya reagiu acariciando os seios dela por cima da camisa com seus dedos longos, fazendo pressão suficiente para lhe causar arrepios e fazê-la querer mais, porém não para saciar seus desejos. 

Então ela recuou, apoiando-se em um dos braços com os olhos fechados. Essa era a chance de Carina. Sem pensar no que estava fazendo, pegou a bainha da camisa e tentou tirá-la. Maya segurou sua mão e interrompeu o movimento. Colou os lábios aos dela e logo ambas usavam suas línguas para provocar uma à outra, ofegantes. 

Carina libertou suas mãos debaixo das de Maya quando ela se moveu para acariciar a parte de cima da sua coxa, envolvendo a cintura dela com a perna à medida que Maya colava ainda mais seu corpo ao dela. Agora que suas mãos estavam livres, nada a impedia de arrancar a camisa. Ela tornou a encontrar a bainha e começou a puxar, contorcendo-se debaixo do corpo dela. As duas mãos de Maya agarraram as suas. 

– Carina – sussurrou, com dificuldade de respirar. – Por favor... pare. – Ela recuou para se ajoelhar ao lado dela, tentando recuperar o fôlego. 

– Você não quer? – A voz dela era inocente, o que fez o coração de Maya se apertar no peito. 

Ela balançou a cabeça e fechou os olhos. Enquanto Carina assimilava sua resposta negativa, todas as crueldades que Owen lhe dissera na vida começaram a ecoar em seu ouvido. 

Você é uma puta idiota. Vai ser péssima de cama. Você é frígida. Nenhum outro homem jamais vai querer você. 

Carina virou-se de lado, desvencilhando-se de Maya e tirando os pés de cima da cama para pousá-los com cuidado no chão. Queria chegar à porta antes que um soluço brotasse de sua garganta. Mas, antes que pudesse apoiar o peso do seu corpo no tornozelo bom, dois braços longos e fortes envolveram sua cintura e ela estava presa. 

Maya a abraçou por trás e a puxou para si, fazendo com que suas pernas pendessem juntas da beirada da cama e as costas de Carina ficassem coladas ao seu peito. Ela conseguia sentir o coração acelerado e a respiração de Maya contra as suas omoplatas. Era uma sensação estranha, porém especialmente erótica.

– Não vá – sussurrou, beijando de leve a ponta de sua orelha. 

Maya se inclinou para a frente para levar a boca ao lado direito do seu pescoço, esfregando-se nela. Carina fungou. 

– Não quis aborrecê-la. Você está muito machucada? – Como ela não respondeu, Maya tornou a beijar sua orelha e a abraçou mais forte. 

– Não fisicamente – conseguiu responder Carina, contendo um soluço. 

– Então me diga – sussurrou. – Como machuquei você? – Carina jogou as mãos para o alto, frustrada. 

– Você diz que me quer, mas, quando finalmente crio coragem para me jogar nos seus braços, me rejeita. 

Maya respirou fundo e ruidosamente junto à orelha dela. Carina sentiu os braços dela se retesarem e seus tendões pressionarem sua pele. 

– Acredite, Carina, não estou rejeitando você. É claro que a desejo. Você é linda. Encantadora. – Maya baixou a cabeça para beijar seu rosto. – Já conversamos sobre isso. Nosso momento está chegando. Você quer mesmo que nossa primeira vez seja hoje à noite? 

Carina hesitou e essa foi toda a resposta de que ela precisava. 

– Mesmo que esteja pronta, querida, eu não faria amor com você esta noite. Você está machucada, o que significa que temos que esperar um pouco. Preciso ter certeza de que está totalmente recuperada antes de experimentarmos... várias posições. 

Carina conseguia perceber o sorriso dela colorindo as palavras. Maya estava tentando fazê-la rir. 

– E, o que é mais importante, tem isto aqui também. – Maya mudou de posição, inclinando-se para o lado esquerdo dela e correndo um dedo de leve pela mordida em seu pescoço. 

Ela se encolheu ao toque de Maya, o que fez uma chama de raiva se acender dentro dela. Bishop inspirou e expirou várias vezes para controlar suas emoções, então deu muitos beijos carinhosos perto da marca, até ela suspirar e deixar sua cabeça relaxar no ombro dela. 

– Você estava em posição fetal há poucas horas. Eu não seria uma boa amante se me aproveitasse da sua fragilidade. Faz sentido? 

Carina refletiu sobre aquelas palavras e assentiu devagar. 


– Você passou por uma experiência assustadora hoje. É claro que quer se sentir segura, protegida. Isso não é nenhum crime, Carina. E eu quero ajudá-la, meu amor, você nem sabe quanto. Mas há muitas maneiras de fazer isso. Não precisa tirar a roupa para chamar minha atenção. Ela já é sua. Toda sua. Não tem que fazer sexo comigo para que eu faça você se sentir desejada. 

Maya deu um beijo em seu pescoço e a mudou de posição, deitando-a de costas. Ela se deitou de lado perto dela, apoiando-se no cotovelo e olhando para os seus olhos arregalados e tristes. A começar pelos seus cabelos, iniciou uma série de carícias suaves e demoradas. 

Afagou-lhe seu rosto para enxugar suas lágrimas. Correu os dedos pelo seu queixo, pelo contorno do rosto, pelas sobrancelhas. Em seguida, passou para o pescoço e desceu pelas linhas da clavícula. Carina arquejou quando os dedos dela deslizaram pelo seu esterno, percorrendo o espaço entre os seus seios até o abdome, onde traçaram desenhos em sua pele nua. Maya espalmou a mão sobre o seu corpo e se inclinou para beijar a parte de cima dos seus seios. Quando recuou, os olhos dela estavam fechados. 

– Querida? – As pálpebras dela se abriram. – Nesta cama, só existimos nós duas. Eu e você. Você é tudo o que importa. – Ela correu a mão pela curva da sua cintura, descendo-a pelo lado esquerdo do quadril, onde a apertou carinho. – Se quiser voltar para o seu quarto, eu a acompanharei até lá. Se quiser dormir sozinha, deixarei você em paz. Só preciso saber o que você quer e, desde que esteja ao meu alcance, eu atenderei. Mas, por favor, querida, não me peça para tirar sua virgindade. Esta noite não. – Carina refletiu sobre o que ela disse e engoliu em seco. 

– Quero ficar aqui. Não durmo bem sem você. 

– Eu mal consigo dormir sem você do meu lado. Fico feliz que também se sinta assim. – Ela beijou os lábios de Carina e começou a deslizar a mão pela sua coxa, arrastando-a de volta até a curva de sua nádega. – Você sabe que me importo com você, não sabe? 

Ela assentiu e tocou o peito de Maya, que se inclinou para a frente, roçando os lábios no pescoço dela, onde a pele continuava intacta. 

– Me desculpe por ter feito isso. – Maya rodeou com os lábios a marca do dia anterior, que já começava a desaparecer. Carina olhou dentro dos seus olhos culpados. 

– Não peça desculpas, Maya. Foi diferente. 

– Preciso ter mais cuidado com você. – Ela suspirou. 

– Você é muito cuidadosa comigo. 

– Vire-se, querida. 

Os olhos dela ficaram intrigados, mas ela se deitou de barriga para baixo e moveu a cabeça de modo a poder olhar para Maya, confiando plenamente nela. Bishop se ajoelhou ao seu lado e afastou seus cabelos com carinho. 

– Relaxe. Quero que se sinta tão bonita quanto é.

Ela começou a massageá-la com as duas mãos, de forma lenta e suave, explorando cada centímetro do seu corpo. Então pegou seus pés e os ergueu, dando atenção especial ao peito deles e aos calcanhares. Ela gemeu baixinho. Maya riu. 

– Você se lembra de quando dormiu na minha casa depois daquela aula desastrosa? – Carina assentiu, mordendo o lábio. As sobrancelhas de Maya se uniram. – Você estava muito desconfiada de mim. É claro que tinha todo o direito, mas mesmo naquela época eu já havia decidido que... Você está segura comigo, amor. Eu juro. 

Quando Maya terminou de massagear seus pés, subiu de volta pelo seu corpo, permitindo que seus lábios explorassem os locais que suas mãos haviam visitado, roçando-os, beijando os, mordiscando-os. Carina estudou seus olhos e o que viu refletido neles foi um afeto profundo. Quando ela se deitou do seu lado, Carina a beijou intensamente. 

– Obrigada, Maya – sussurrou. 
Ela abriu um sorriso de satisfação, emaranhando os dedos em seus cabelos longos. Foi nesse espaço de paz e segurança que Carina percebeu que o momento dela tinha chegado. Elas já haviam concordado em desnudar suas almas antes de seus corpos. E havia uma parte dela que estava cansada de guardar segredos. De guardar os segredos dela. Maya já havia compartilhado com ela partes do seu passado. Por que ela se recusava a fazer o mesmo? Seria doloroso pronunciar as palavras, mas talvez fosse mais doloroso ainda manter aquele assunto não explicado entre elas. Carina respirou fundo, fechou os olhos e começou a falar sem rodeios. 

– Eu o conheci durante meu primeiro ano na faculdade... – Ela pigarreou algumas vezes e prosseguiu com um sussurro: – Ele frequentava a Universidade. Já tinha ouvido falar do seu pai, mas não era por isso que estava interessada nele. Gostava dele porque ele era engraçado, simpático e nós sempre nos divertíamos juntos. Naquele primeiro Natal, ele apareceu na minha casa para me fazer uma surpresa. Sabia que eu gostava de coisas italianas, então comprou uma Vespa vermelho-maçã para mim. Ou vermelho-Cari, como ele dizia. – Maya ergueu as sobrancelhas. – É claro que meu amor por tudo o que fosse da Itália era influência sua. Mas eu já havia perdido as esperanças de reencontrá-la. Achei que não se importava comigo, então tentei seguir em frente. Os pais dele aprovavam nosso relacionamento e éramos sempre convidados a Washington para visitá-los ou para eventos políticos. Ficamos alguns meses saindo juntos sem compromisso, mais como amigos, na verdade, então ele me disse que queria mais. Eu concordei. As coisas começaram a mudar depois disso. Ele queria mais de tudo e passou a ser exigente. – As faces de Carina ficaram muito vermelhas na escuridão. 

Maya sentiu a temperatura da pele dela aumentar, então começou a massagear de leve seus ombros. 
– Ele dizia que sexo era um direito seu como meu namorado. Quando falei que não estava pronta, ele me chamou de frígida. Isso só me deixou ainda mais determinada a esperar. Não estava esperando por você, especificamente, mas não queria me sentir pressionada a fazer sexo. Sei que isso soa pueril.

– Carina, não é nada pueril afirmar que é você quem deve decidir com quem vai dormir ou não. – Ela abriu um pequeno sorriso. 

– Quanto mais ele insistia, mais eu tentava compensar cedendo em outros aspectos. Ele era extremamente possessivo. Não gostava que eu saísse com Melissa, provavelmente porque ela não gostava dele. Eu fazia de tudo para evitar conflitos. E, hum... ele não era sempre agradável. – Ela fez uma pausa, tentando descobrir como contar a próxima parte. 

– Ele batia em você? – Maya se forçou a soar calma. 

– Não exatamente. 

– Isso não é uma resposta, Carina. Ele batia em você? 

Ela conseguia sentir o corpo de Maya começar a tremer de raiva. Não iria mentir, mas estava preocupada com o que ela poderia dizer quando lhe contasse a verdade. Então escolheu as palavras com muito cuidado: 

– Ele me empurrou algumas vezes. Teddy, minha colega de quarto, teve que afastá-lo de mim uma vez. 

– Você entende que, mesmo que ele tenha apenas empurrado você, ainda é agressão, não entende? – Quando Carina evitou seus olhos, ela prosseguiu: – Vou querer voltar a esse ponto. Alguma outra hora. 

– Sinceramente, as coisas que ele me dizia eram muito piores do que qualquer uma que tenha feito. – Ela riu baixinho. – No geral, ele me tratava melhor do que a minha mãe. Embora às vezes eu preferisse que ele me batesse. Eu poderia aguentar um soco e estaria acabado em questão de segundos. Teria sido melhor do que ouvi-lo dizer o tempo todo que eu era frígida e imprestável. – Ela estremeceu. – Se ele me batesse, eu ao menos poderia ter contado ao meu pai. Poderia ter lhe mostrado o hematoma e ele teria acreditado em mim. 

Maya ficou indignada com a confissão de Carina, o que aumentou ainda mais a raiva que ela sentia de Owen e do pai dela. Apesar do silêncio paciente de Maya, ela quase conseguia ouvir as engrenagens girando em sua mente. 

– Nunca sentia que era boa o suficiente para ele, que certamente concordava com isso. Já que eu não queria fazer sexo, ele exigia... hum, outras coisas. Mas eu não era muito boa. Ele dizia que, se aquilo servisse de indicativo de como as coisas seriam na cama, eu seria péssima. – Ela tornou a rir, brincando com os cabelos, nervosa. – Eu não iria lhe contar isso, mas acho que você tem o direito de saber antes que eu a decepcione. Por que você iria me querer se, além de frígida, também não consigo agradar a uma mulher de outras maneiras? 

Maya soltou, sem pensar, uma série de blasfêmias que arrepiariam os cabelos de qualquer pecador. Carina continuou muito quieta, seu nariz se remexendo um pouco, como o de um ratinho. Ou de um coelho. 

– Carina, olhe para mim. – Ela pousou a mão de leve no rosto dela, esperando até seus olhares se cruzarem. – Tudo o que ele disse para você é mentira. Você precisa acreditar em mim. Ele falava essas coisas para controlá-la. É claro que eu a desejo. Olhe só para você! Você é linda, afetuosa e inteligente. É clemente e gentil. Talvez não perceba isso, mas você desperta essas qualidades em mim. Você me faz querer ser gentil e carinhosa. E, quando fizermos amor, serei assim com você. – Maya pigarreou e sua voz ficou rouca: – Uma pessoa tão generosa e passional quanto você jamais poderia ser horrível quando o assunto é sexo. Só precisa de alguém que a faça sentir-se segura o suficiente para se expressar. Então você virá à tona. Ele não merecia ver esse seu lado e você estava certa em não o mostrar a ele. Mas o nosso caso é diferente. Ontem à noite, na noite que passamos no museu e até mesmo hoje mais cedo, vi sua paixão. Eu a senti. E é de tirar o fôlego. Você é de tirar o fôlego. – Carina olhou dentro dos seus olhos intensos com uma admiração muda. – Você me disse que acredita em redenção – sussurrou. – Então prove. Perdoe a si mesma. Esqueça a vergonha que sente, seja lá do que for, e se permita ser feliz. Porque, sinceramente Carina, isso é tudo o que desejo para você. Quero que seja feliz.

Carina sorriu e a beijou, deliciando-se momentaneamente com seu toque e suas palavras. Depois de alguns instantes, porém, recuou, sabendo que a pior parte da história ainda estava por vir.

– Eu queria fazer intercâmbio no meu último ano de faculdade. Ele não queria que eu fosse. Então me candidatei sem ele saber e só lhe dei a notícia perto de viajar. Ele ficou furioso, mas pareceu superar com o tempo. Enquanto eu estava na Itália, ele me escrevia e-mails maravilhosos e me mandava fotos. Dizia que me amava. – Ela engoliu em seco. – Ninguém nunca tinha me amado antes.

Carina parou, respirou fundo e prosseguiu: 

– Não vim passar o Natal ou as férias de verão em casa porque estava fazendo alguns cursos extras e passeando um pouco. Quando voltei, no final de agosto, Melissa me levou às compras para me dar as boas-vindas. Katherine a tinha dado algum dinheiro e as duas me presentearam com um vestido muito bonito e um par de sapatos Prada. – Ela se ruborizou. – Ah, você já viu esses sapatos. Eu os usei no nosso primeiro encon... quero dizer, quando você me levou para jantar. – Maya correu os dedos pela curva do pescoço de Carina. 

– Tudo bem, Cari, pode chamar de nosso primeiro encontro. É como eu penso naquele dia. Embora eu tenha sido uma babaca. – Ela tornou a respirar fundo. 

– Ele fez grandes planos para comemorar meu aniversário. Melissa insistiu em me ajudar a me arrumar no apartamento dela e depois eu deveria ir encontrá-lo no Ritz-Carlton. Mas acabei esquecendo minha câmera. Então dei uma passada no meu quarto no alojamento. 
Carina começou a tremer. Cada músculo, cada parte do seu corpo chacoalhava como se fizesse muito frio. Maya a envolveu em seus braços. 

– Não precisa me contar mais nada. Já ouvi demais. 

– Não. – A voz de Carina estava trêmula, mas ela continuou: – Preciso contar a alguém. Nem Melissa sabe de tudo. – Ela inspirou e expirou algumas vezes. – Abri a porta e o quarto estava escuro, exceto pela luminária na mesa da minha colega. Mas o aparelho de som de Teddy estava ligado e tocava "Closer", do Nine Inch Nails. Fui uma idiota e achei que tivesse esquecido o rádio ligado. Estava prestes a desligá-lo, mas, antes que eu desse um passo, vi os dois. – Carina ficou totalmente imóvel. Como uma estátua. Maya esperou. – Owen estava comendo Teddy na minha cama. Fiquei tão chocada que não consegui me mexer. A princípio, achei que não podia ser ele. Então pensei que não podia ser ela. Mas eram. E... – Sua voz se transformou num sussurro: – Ela era minha colega de quarto desde o primeiro ano. Antes disso, fomos amigas na escola. Os dois me viram parada ali, olhando para eles como uma imbecil. Então ele riu e disse que transava com ela desde o segundo ano de faculdade. Eu fiquei parada ali porque, sinceramente, não conseguia entender o que ele estava dizendo. Teddy se aproximou de mim, nua, e disse que eu deveria me juntar a eles. 

Carina fechou a boca na mesma hora. Mas era tarde demais. Ela havia pronunciado as palavras. Tinha dito em voz alta. E foi invadida novamente por toda a agonia e o terror que sentiu naquele dia. 

Ela se ajoelhou na cama e escondeu o rosto no peito de Maya. Mas não chorou. Maya a abraçou com força e beijou o topo de sua cabeça. Eu deveria tê-lo matado. Pensou Bishop. Ela agradeceu mentalmente por não ter sabido disso na ocasião. Ou certamente teria matado Owen. Ele é um filho da puta. Pretendia foder Carina como um animal. 

Apenas treinou com a colega de quarto dela antes. Elas ficaram algum tempo abraçadas, enquanto ela tentava se livrar da vergonha e Maya tentava afastar seus pensamentos homicidas. Quando sentiu o coração dela desacelerar, ela começou a sussurrar em seu ouvido. Disse quanto se importava com ela. Disse que ela estava segura com ela. Então perguntou baixinho se elas poderiam conversar um pouco. Carina assentiu. 

– Carina, sinto muito pelo que aconteceu com você. – Ela balançou a cabeça. – Também sinto muito que não tenha crescido numa casa em que um homem e uma mulher se amassem e dividissem a mesma cama. Eu tive esse privilégio. Você sabe como eram Lane e Katherine, sempre se tocando, sempre rindo. Nunca o ouvi levantar a voz para ela. Nunca a ouvi fazer um único comentário sarcástico ou grosseiro. Eles eram o casal perfeito. E, por mais que seja constrangedor pensar que seus pais tenham tido uma vida sexual, era óbvio que eles eram muito apaixonados. Quando Lane veio ter a infame "conversa" comigo, ele citou um trecho do Livro de Oração Comum, um voto que fez a Katherine no casamento: "Com este anel eu vos desposo, com meu corpo eu vos venero. E de todos os bens mundanos eu vos doto." 

– Já ouvi essas palavras em algum lugar. São lindas. 


– São mesmo. E, no contexto da minha conversa um tanto constrangedora com Lane, ele me mostrou que um voto é a promessa que o marido faz de que irá amar sua esposa e não só usá-la para o sexo. Ele disse que esse voto expressava a ideia de que fazer amor é um ato de veneração. O marido venera a esposa com seu corpo ao amá-la, se entregar a ela e levá-la ao êxtase. – Maya limpou a garganta, que ficou seca de repente. – Acho que podemos dizer sem medo que o que você testemunhou com seu namorado foi algo selvagem e desprezível. Sei que viu coisas parecidas quando era criança e morava com sua mãe, coisas que uma garotinha jamais deveria ver. Talvez tenha achado que uma relação sexual fosse apenas isso e talvez tenha achado que todos os homens eram como ele, predadores cruéis que usam e abusam de suas vítimas. 

O modo como Maya descreveu o ato de fazer amor, no entanto, foi completamente diferente. Disse que ele é o mais intenso de todos os prazeres, pois o contexto lhe dá a liberdade e a permissão de explorar seus próprios desejos em todas as suas formas, quer eles sejam ávidos e vorazes, quer serenos e delicados. A questão é que a base que sustenta esse ato é o mútuo respeito e a generosidade e não tomar nada à força ou usar ninguém. 

Maya colou os lábios à orelha dela e sussurrou: 

– Eu me afastei muito do estilo de vida de Lane, mas sempre quis o que ele e Katherine tinham. Quando lhe disse que pretendia venerá-la com o meu corpo, estava falando sério. De todo o coração. Nunca tomarei nada de você. Só lhe darei. Na minha cama ou fora dela. – Carina sorriu, encostada no peito dela. – Estamos as duas recomeçando nossas vidas. As coisas antigas já passaram; eis que surgiram coisas novas! 

Carina ergueu a cabeça e beijou seus lábios de leve, sussurrando palavras de agradecimento. O que Maya disse a consolava. Embora não afastasse a dor ou apagasse as lembranças, ouvi-la dizer que não a recriminaria por suas fraquezas passadas era um alívio para Carina. Pois, de fato, uma das coisas que mais a envergonhavam era o fato de ela ter permitido que alguém a tratasse tão mal. Era por isso que havia mantido segredo. Era por isso que tinha medo de se expor. 

– Agora me sinto um babaca maior ainda por ter feito aquela brincadeira sobre os Nine Inch Nails quando estávamos no Lobby. Não é à toa que você ficou tão transtornada quando mencionei aquela canção. – Carina assentiu de leve. – Assim que voltarmos para Toronto, vou mudar a programação do meu rádio e nunca mais voltarei a ouvir aquela estação. – Ela pigarreou. – Amor, você não precisa falar sobre o assunto se não quiser. Mas estou curiosa para saber o que contou ao seu pai. Eu lhe devo desculpas por ter discutido com ele no hospital. Disse coisas que não devia. – Ela a encarou, intrigada. – Falei que ele não deveria ter mandado você de volta para morar com sua mãe. Que a função dele como pai era protegê-la e que ele tinha fracassado. 

Carina ficou surpresa. Ninguém, nem mesmo Melissa ou Katherine, jamais tinha confrontado Vincenzo sobre as escolhas dele. Ninguém. Uma expressão de assombro se espalhou em seu belo rosto. 

– Você não está zangada comigo? – Maya parecia surpresa. 

– Como poderia? Obrigada por me defender, Maya. Ninguém nunca fez isso antes. 

Ela tomou suas mãos e beijou os nós ligeiramente inchados dos seus dedos e os lugares em que a pele estava cortada. Suas feridas de guerra eram-lhe tão caras quanto seus olhos bonitos e expressivos. 

– Não contei tudo para o meu pai. Só que peguei Teddy e ele juntos e que não poderia mais morar com ela. Isso criou um problema, já que meu pai estava namorando a mãe dela. Mas ele nunca reclamou. 

– Quanta nobreza da parte dele – disse Maya com sarcasmo. 

– Passei alguns dias em São Francisco tentando me acalmar e papai me levou de volta para a faculdade. Ele me tirou do alojamento e me colocou numa quitinete. Você teria rido do apartamento, Maya. Era menor do que o de Toronto.
 
– Eu não teria rido. – Ela pareceu magoada. 

– Só digo isso porque você é tão melindrosa. Teria odiado aquele apartamento mais do que odeia o atual. 

– Carina, não odeio seu apartamento. Como já disse, odeio o fato de você ter que morar lá. O que aconteceu em seguida, depois que você voltou para a faculdade? 

– Eu me escondi. Eles meio que começaram a namorar e eu tinha medo de encontrá-los, então evitava todos os lugares em que poderia ser vista. Frequentava as aulas, aprimorava meu italiano, me dedicava às candidaturas para a pós e ficava em casa. Eu meio que... me isolei. 

– Melissa comentou alguma coisa. 

– Não fui uma boa amiga para ela. Depois daquela noite, parei de atender suas ligações. Não falava nem com Katherine, embora ela tenha me escrito uma carta linda. Enviei um cartão de Natal para a sua família, mas estava me sentindo humilhada demais para explicar o que tinha acontecido. Melissa sabe que peguei os dois juntos, porque Teddy acabou contando para ela. Mas não sabe como foi ruim. E não quero que saiba. 

– Tudo o que você me contar ficará entre nós. 

– Não quis admitir que tivesse sido tão burra a ponto de me meter numa situação daquelas. Que tivesse me sujeitado a ele por tanto tempo. Que não tivesse sido capaz de enxergar que eles estavam juntos. Quis fingir que tudo aquilo havia acontecido com outra pessoa. – Ela ergueu os olhos para o rosto de Maya, que lhe pareceu surpreendentemente compreensiva. 

– Por favor, nunca mais diga que é burra. Eles é que deveriam se envergonhar de terem tratado você desse jeito. Eles são os vilões dessa história, não você. – Ela beijou-lhe a testa duas vezes e enterrou o rosto em seus cabelos. – Acho que precisamos dormir um pouco, querida. Foi um longo dia e queremos que você melhore logo. 

– A sua família não vai se incomodar quando descobrir que estamos juntas aqui? 

– Eles já descobriram que somos um casal. E acho que, em sua maioria, estão de acordo. 

– Em sua maioria? – Maya bufou. 

– Lane não tem objeções quanto ao nosso namoro, mas é conservador quando o assunto é sexo. Então, embora eu tenha prometido que não faríamos nada na casa dele, ele preferiria que dormíssemos em quartos separados. Mas tenho certeza de que fará vista grossa esta noite e amanhã por conta do que aconteceu com você. 

– E quanto a Melissa e Jack? Eles dormem no mesmo quarto. 

– Lane não gosta disso, mas, em sua cabeça, pelo menos eles estão prestes a se casar. Melissa sempre me apoiou em tudo e acho que ela está do nosso lado.

– E quanto a Mason? 

– Mason é muito protetor em relação a você e sabe que eu era uma libertina, então... 

– Você não era libertina. Estava apenas se sentindo solitária. – Ela a beijou com carinho. 

– É muita bondade sua dizer isso, mas nós duas sabemos que não é verdade. 

As duas se reclinaram e Carina descansou a cabeça no peito dela, correndo os dedos pela parte de cima de seu corpo. Cantarolou para si mesma enquanto remoía as palavras de Maya, sobre como ela se importava com ela e queria venerá-la. Essas eram, talvez, as palavras mais importantes que tinha ouvido na vida. Ela deslizou um dedo titubeante pelo abdômen dela, traçando os contornos da sua tatuagem. Maya se apressou a cobrir a mão dela com a sua. 

– Não faça isso – sussurrou, afastando a mão de Carina. 

– Desculpe. O que é L.U.Z.? – Carina a ouviu prender a respiração. – Você não quis falar disso da outra vez. Mas, já que estávamos contando segredos, achei que... – Maya começou a esfregar os olhos com a mão livre, mas não a soltou. 

– Luz é um nome. – A voz dela ficou áspera. 

– Você... a amava? 

– É claro que sim. 

– Vocês ficaram muito tempo juntas? – Maya tossiu. 

– Não era esse tipo de amor. 

Carina a apertou com força e fechou os olhos. Mas Maya continuou acordada, olhando para o teto por muito, muito tempo.

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